segunda-feira, 7 de julho de 2025

Empatia de Esplanada: o ativismo de hashtag que só olha para o que convém


Silvana Lagoas

Quando o progressismo de boutique encontra a pose de salvadora, sobra muito post e pouca coerência. Outro dia dei de caras com isto no Facebook:

“Na minha rua há um centro de oração muçulmano, e à sexta-feira é, claro, o dia mais movimentado. Um entra e sai, tira sapatos, põe sapatos. Aqui sentada na esplanada, largo o livro e olho para eles a passar, um a um. Penso que cada um deles tem uma história de vida, uma família, um sonho, que ninguém vem de tão longe só porque sim. Depois olho para a televisão do restaurante e vejo o nosso governo tão cheguista, a prisão de jacarés do Trump, a turba online que pede a deportação deles todos. Malditos, a maioria de terço na mão. (Foto tirada à socapa, com muito cuidado mesmo, não vão eles achar que sou chegana, e cheia de ódio).”

Quem escreveu isto? O protótipo da pequeno-burguesa pseudo-intelectual de esquerda, que passa a vida na esplanada a folhear livros que só ela acha profundos, solteirona – vá-se lá saber porquê assídua da Festa do Avante (adoro comunistas burgueses), nunca trabalhou a sério na vida, mas adora dar lições de moral ao mundo inteiro. É o famoso ativismo de hashtag, muito post, muita indignação, mas que não atrapalhe o café. Para ela, o mundo está cheio de oprimidos que, coitados, precisam urgentemente de uma salvadora de esplanada, sempre pronta a tirar selfies com livros e exibir uma empatia tão seletiva quanto conveniente.

Pergunto-me: quando esta iluminada olha para o Sr. António, reformado português a contar moedas para pagar o café, também lhe bate esta epifania de “cada um tem uma história, uma família, um sonho” Quando passa pela tia Alice, que acorda às cinco da manhã para vender couves no mercado, também larga o livro e se comove com o drama humano? Ou a empatia é reservada apenas aos que vêm de longe e têm o direito de defender a sua cultura (concordo, todos devem ter esse direito), mas quem nasce aqui que engula a ideia, repetida até por uma funcionária do Ministério da Cultura, de que “a cultura portuguesa é uma merda”.

E já agora: quando vê católicos a sair da missa, terço na mão, também se inspira? Ou aí é só atraso, ignorância e cheiro a Chega? Curioso como o terço, que é católico, virou arma de arremesso moral, mas o véu muçulmano é celebrado como símbolo de diversidade. Dois pesos, duas medidas, sempre com ar de quem lê muito. E a tal foto tirada “à socapa”? Não seria mais por medo da reação de quem foi fotografado do que por receio de ser confundida com uma militante de extrema-direita? É que, por muito que se venda este multiculturalismo à la carte, a realidade não encaixa assim tão bem nos filtros do Instagram.

A cereja no topo: a mesma que defende com tanta devoção a religião alheia foi a primeira a rasgar as vestes quando o primeiro-ministro adiou as celebrações do 25 de Abril por ter morrido o Papa. “O Estado é laico!”, clamou ela, toda virtuosa, como se coerência fosse detalhe dispensável. No fim, o que sobra é sempre o mesmo: empatia de fachada, pose de salvadora e uma boa dose de superioridade moral servida em chávena de porcelana. Para quem gosta de exibir consciência social na mesa do café, nada como um post cheio de clichês para render uns likes. E viva o ativismo de hashtag.

Título e Texto: Silvana Lagoas, ContraCultura, 7-7-2025

Silvana Lagoas é mãe a tempo inteiro, autodidata, livre pensadora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-