Aparecido
Raimundo de Souza
QUANDO VENHO
de fora e me deito com você em nossa cama, sinto que algo de bom dentro de mim
parece renascer com mais vigor e esperança, robustez e dinamismo. Seu abraço me
sufoca, me asfixia, e, no calor ardoroso e intenso de seu corpo, me transporto
para um sonho que muitos anos me custou realizar. Da mesma forma, quando lhe
procuro para matar o meu desejo de homem, você se entrega impetuosa e
inflamada, exaltada e impulsiva, como uma deusa prometida. Na verdade, seu “eu”
se abre por inteiro num ímpeto angelical e puro, tipo um arroubo (1) que na
verdade, não teria palavras nem capacidade para sequer tentar descrevê-lo.
Mesmo que
nessa hora pudesse buscar a luz incandescente das estrelas, o perfume hipnótico
e inebriante da noite ou o silêncio misterioso e resguardado das horas, ainda
assim, não conseguiria transpor para o papel a sutileza, a galanteria (2), a
finura, ou a rima poética e candente do seu amor e o que ele, como um todo
representa dentro do amor do amor da minha vida. Com você, me satisfaço interiormente,
me encho, me transbordo, me realizo, me alinho, me regozijo, me concretizo e me
abandono. Enfim, me basto. Depois da posse, cansada, fatigada, esbaforida (3) e
ofegante, seu calor em pingos, seu suor, seu esforço, seu estertor e
efervescência, vêm se deitar em meus braços, e, como um ser divinizado,
imergida em mansa quietude, ficamos a ouvir o bater de nossos corações.
Horas depois,
o sono se achega de mansinho e nos vence. Nos flagra desprevenidos,
improvidentes, desajuizados, despidos... e como num passe de mágica adormecemos
embalados pelo acalanto calmo da noite amena e sorrateira. De bem cedo, ainda
não manhã, envergonhada, você se levanta e procura ocultar os seus pudores do
meu olhar malicioso. À passos não ensaiados, você foge ligeira se metendo, meio
sem jeito, numa camisola transparente jogada ao lado da cama. Nela você se
sente dona da situação, protegida, escondida, recatada, tímida, como se na
realidade, aquele fino pano de nylon representasse, para mim, ou para minhas
mãos, algo intransponível e invencível...
Talvez, para
você (às vezes penso com meus porquês) eu não tenha sido aquele homem que na
adolescência povoou seus caminhos de menina moça, ou que lhe encheu os olhos de
promessas e o porvir de um amor que parecia impossível, invencível, longe de
acontecer. Fico imaginando, lado idêntico, que roubei de você o instante
mágico, ou talvez, o mais sublime de sua existência, qual seja, o de vê-la, ou
de fazê-la feliz, ao lado de um alguém mais abastado, que pudesse lhe dar
melhores dias e proporcionar ao seu futuro uma realidade que realmente tivesse
tudo aquilo que, de fato, eu não lhe pude dar. Contudo, apesar de carregar essa
mágoa dentro de mim, me resta uma última e derradeira esperança.