Tiago Franco
Não sou grande parceiro das
teorias da conspiração, mas fico sempre a fazer contas de cabeça de cada vez
que o major-general Isidro de Morais Pereira abre a boca para falar sobre o
“teatro de operações” na Ucrânia.
Aqui há um par de dias, ainda podem ver o vídeo na CNN Portugal, em debate com outro major-general, Agostinho Costa, disse o nosso Isidro que “não tenho dúvidas que a resolução do problema passa pela derrota militar da Rússia no campo de batalha”.
A afirmação surgiu ao fim de
mais de 10 minutos de debate sobre a pressão que a Comissão Europeia (a Ursula)
estaria a fazer sobre o Governo alemão para que entregassem os mais modernos
carros de combate (tanques Leopard 2) à Ucrânia.
A primeira coisa que eu quero
referir é que ando há 10 meses a ver se, de alguma forma, os Isidros
entusiastas da guerra conseguem ter razão – por uma vez que seja. A certeza das
análises dos amigos do “as long as it takes“, se de facto fossem
precisas, far-me-iam um favor dos grandes.
Desde logo porque não gosto de
gente que invade território alheio. Da Rússia aos Balcãs, do Médio Oriente ao
norte de África, um invasor é um invasor. Mantenho a minha opinião desde o
início deste conflito. A outra razão, mais egoísta, admito, é que deixaria de
ouvir que o “custo de vida aumentou por causa da guerra na Ucrânia”. Não me
levem a mal os mais sensíveis, mas o Donbass interessa-me pouco. Na luta pela
vida, estou mais interessado em garantir que a da minha família não é afetada
por guerras de milionários e impérios.
O problema é que, por mais que queira acreditar, o Isidro e amigos não acertam uma. Todas, mas todas as análises, esbarram, duas ou três semanas depois, com a realidade. Não sei se o estimado leitor se lembra, mas algures em abril do ano passado, garantiram-nos que o exército russo já não tinha munições. Todos os dias recebíamos um relatório com o número de blindados que tinham sido abatidos. Eu julgo que ouvi alguém dizer que apenas sobrava 10% do efetivo russo no terreno.
Depois veio a desmotivação. A
desorganização. A moral em baixo. Os russos eram retratados, pelos nossos
especialistas, como gente que andava ali perdida, sem liderança, a serem
dizimados pelos bravos ucranianos.
Seguiram-se as sanções, a
economia de guerra, o boicote ao gás e ao petróleo. A certeza de que os russos
ficariam isolados e sem capacidade de produzir qualquer armamento. Lembram-se
da história do chip? Já ninguém vendia integrados à Rússia e, por isso, andavam
apenas com equipamento velho retirado dos gulags. Vieram os reservistas
que seriam mal treinados e dizimados pelos ucranianos. Depois eram os ataques
em todo o território como resposta à explosão da ponte na Crimeia.
Segundo o Isidro – ou um dos
seus camaradas, já nem me lembro bem –, a Rússia só teria mísseis de longo
alcance para mais dois ou três ataques. Depois era a emboscada em Kherson… os
soldados russos andavam disfarçados de civis pela cidade, quando todos
percebíamos que era uma retirada encenada.
Fico sempre espantado com a
precisão destas informações. Imagino um espião ucraniano nos armazéns do
Daguestão a contar ogivas e a mandar um SMS ao Rogeiro, que, por sua vez,
publica no grupo de WhatsApp que tem com o Isidro e a Helena Ferro Gouveia.
Deve ser este o processo.
Enquanto nos vendem esta
narrativa – de que a Rússia está quase a colapsar –, os russos, com todos os
defeitos que lhes são apontados, lá vão fazendo o caminho deles. Parecem
aqueles cães que mordem um osso e, por mais pancadas que levem na cabeça, não o
largam.
Um amigo, no meio de uma
destas discussões sobre a persistência russa, perguntava-me se eu sabia quantas
guerras tinham eles perdido nos últimos 100 anos.
Bem, assim de cabeça,
lembro-me da retirada do Afeganistão – não conseguiram mudar nada do que
pretendiam – e que também foram derrotados na primeira guerra da Chechénia.
Depois voltaram lá mais duas vezes até arrasarem aquilo tudo, e hoje, como se
percebe, os chechenos formam batalhões para combater os ucranianos.
Portanto, o que a História nos
diz é que os russos, quando entram num conflito, raramente voltam de mãos a
abanar. Mesmo que morram mais do que os adversários, no fim, são eles que ditam
as leis.
A realidade na Ucrânia parece
não andar longe do que a História nos explica no último século. Apesar dos
esforços do Isidro e demais guionistas, para nos convencerem de que a Rússia é
um gigante com pés de barro, a verdade é que, com toda a Europa e os Estados
Unidos a apoiarem o exército ucraniano – com dinheiro, armas e mercenários –,
afinal ainda não conseguiram derrubar quem dizem estar preso por arames desde abril
de 2022.
As munições parecem não acabar,
e de cada vez que o Zelensky vai a correr fazer um discurso a pedir mais
armamento, os russos arrasam outra cidade. Foi assim quando precisavam das
armas de longo alcance, dos caças, do sistema de defesa Patriot e agora dos
Leopard 2.
Enquanto os nossos
especialistas nos garantem que 100 carros de combate serão o ponto de viragem
(já não sei quantas vezes ouvi isto), a Rússia está a recuperar 800.
Quando dizem que eles estão
sem mísseis, atacam 10 cidades ao mesmo tempo.
Quando estimam que o dinheiro
esteja no fim, usam drones iranianos, baratinhos e letais.
Quando nos juram que já não
fazem negócios, aparecem os indianos a bater à porta com os jerricans.
Quando afirmam que a Alemanha
se livrou da dependência do gás, ouvimos sindicatos a ameaçar parar tudo porque
não há combustível para produzir.
Nada, absolutamente nada do
que nos dizem casa com a realidade. Se fosse numa televisão ucraniana, num
jornal da resistência, compreendia-se. Há que dar ânimo a quem combate. Mas no
outro lado da Europa, por que razão andará gente com visibilidade para os
portugueses, mas absolutamente irrelevante para a guerra, a vender-nos uma
realidade alternativa? Acharão que a CNN Portugal passa nos abrigos de Kiev?
É mais ou menos pacífico
desejar que o invasor seja expulso. Do Donbass e de qualquer sítio invadido,
gosto sempre desta nota para as pessoas que acham que a expansão de impérios
começou ontem. Porém, não é por gritarmos muito que um desejo passa a
realidade.
No terreno, pelo que se
percebe, os russos estão a agarrar a Crimeia e o Leste da Ucrânia com
mão-de-ferro. Este discurso irresponsável da Comissão Europeia de “apoiar o
tempo que for necessário” – ou até as opiniões de especialistas, como Isidro de
Morais Pereira, que nos garantem que a resolução do conflito passa pela derrota
da Rússia no terreno – é de uma loucura total.
Parecem vendedores de farturas
a não querer que chegue o fim da feira. Enquanto forem os ucranianos a morrer,
e nós por cá a dizer, no quentinho do estúdio, que é para continuar, tudo bem
para o Isidro e demais moralistas de pacotilha.
Título e Texto: Tiago
Franco, Página
UM, 19-1-2023
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