Cleusi Gama da Silva
Rodney Stark é um sociólogo conhecido
por produzir uma sociologia da religião com rigor metodológico, o que nem
sempre acontece em outros estudiosos da área. Essa preocupação remonta há muito
tempo. Stark, à luz de Popper, desenvolve uma teoria da religião pautada na
utilização de axiomas, a partir dos quais levanta um conjunto de proposições
que podem ser empiricamente testadas. No Prefácio da obra em tela, Stark
indica-nos seu método de trabalho, no qual utilizou dados históricos de
diversas fontes, introduzindo historiadores, biblistas, para elaborar uma
releitura sociológica do crescimento do Cristianismo. Apropria-se da formulação
da teoria formal da escolha racional, das teorias da firma, do papel das redes
sociais e dos vínculos interpessoais no processo de conversão. Inclui ainda os
modelos de dinâmica populacional, a epistemologia social e os modelos de
economias da religião.
No primeiro capítulo, Conversão
e crescimento cristão, o tema central é responder o que subjaz à difusão do
Cristianismo primitivo, caracterizado como um movimento messiânico minúsculo,
obscuro e periférico. Para entender como o Cristianismo sobrepujou o paganismo
clássico, afirma existirem várias explicações. Segundo Stark, não torna
sacrílego empenhar-se em explicações plausíveis advindas da observação das
variáveis constituintes da dinâmica social. Esse esforço não pretende
contrapor-se à crença em uma ação divina, na medida em que busca entender
“ações humanas em termos humanos” de um processo inacabado. A partir de
projeções estatísticas, analisa possíveis taxas de crescimento do Cristianismo
primitivo. Estas, comparadas à conversão dos mórmons, apresentam-se em níveis
semelhantes, sem a necessidade de recorrer a argumentos miraculosos.
Constatação plausível na leitura de Stark é a de que a conversão a grupos religiosos novos ou dissidentes torna-se possível quando os vínculos com membros do grupo novo são mais fortes do que os mantidos com os anteriores, fato este explicado pela teoria do controle do comportamento dissidente (p.26), acrescentando ainda que os convertidos, em geral, não apresentavam anteriormente uma prática religiosa consistente.
Em A classe fundamental do Cristianismo primitivo, segundo capítulo da obra, Stark, discordando de análises feitas sobre os primeiros cristãos, argumenta que o movimento em seus primórdios pode ter contado com indivíduos provenientes dos estratos mais desfavorecidos da sociedade clássica, os quais, porém, não constituíam sua maioria. A plausibilidade da afirmação dos conversos procederem de estratos mais elevados alinha-se à distinção feita por Stark em sua obra Uma teoria da Religião, na qual apresenta a diferença entre seita e movimentos de culto. A seita constitui-se por um cisma no interior do movimento religioso convencional (p. 45). Já os movimentos de culto apresentam-se como nova crença, e indivíduos de estratos mais elevados da sociedade são mais propensos a aderir a novas crenças do que os mais incultos. Stark faz um paralelo com a conversão ao Mormonismo, à Ciência Cristã, ao Espiritualismo, os quais não foram e nem são movimentos proletários (p. 52). Tais proposições, corroboradas por dados estatísticos (1989-90), levam à conclusão de que o Cristianismo primitivo foi um movimento de indivíduos mais favorecidos.
No capítulo terceiro, A missão
junto ao povo judeu: as razões de seu provável sucesso, o autor
apresenta evidências de que os judeus da diáspora possibilitaram as adesões ao
Cristianismo não apenas no séc I e II, mas também até por volta do séc V. Para
refutar a posição de que os judeus rejeitavam a mensagem cristã, Stark recorre
a três argumentos: os judeus emancipados perceberam que o Judaísmo não era
apenas uma religião, mas uma etnicidade que os mantinha à margem. A solução da
dissonância cognitiva, em marginalizados, ocorre pela assimilação ou a
resolução do conflito, corroborada pelas proposições de que novos movimentos
religiosos arregimentam adeptos principalmente dos estratos religiosamente
inativos e descontentes, que, no caso judaico, são constituídos pelas novas
gerações. Em segundo lugar, as pessoas se mostram mais dispostas a adotar uma
nova religião à medida que esta mantém uma continuidade cultural presente no
Judaísmo/Cristianismo, por possuírem aspectos semelhantes. O último argumento é
que os movimentos sociais crescem mais rapidamente quando se disseminam ao
longo de redes sociais preexistentes, e essas redes existiam entre os judeus da
diáspora.
Para o sociólogo, as epidemias de
varíola e sarampo foram devastadoras da população pagã, enquanto, para o Cristianismo,
constituíram solo fértil para a sua disseminação, pois a religião cristã tinha
capacidade de explicação e consolação das desgraças – isso, além da maior
resistência dos cristãos às epidemias, que teve como resultado o fato de os
mesmos se tornarem a maioria na população. Além disso, os pagãos, tendo seus
laços sociais abalados pelas epidemias, aderiam mais facilmente a novos
vínculos com os cristãos, aumentando o número de conversões, tendo em vista o
aspecto da solidariedade humana dos cristãos primitivos.
Aspectos interessantes são apresentados
quanto ao papel da mulher dentro do Cristianismo primitivo, no capítulo quinto,
sob o título: O papel das mulheres no crescimento cristão. Stark,
diferentemente da análise simplista de autores que afirmam serem as mulheres da
época fáceis de se filiarem a “qualquer superstição forânea”, apresenta-nos os
elementos do ethos cristão (a proibição do infanticídio, a
condenação ao aborto e ao divórcio, ao incesto, à infidelidade conjugal e à
poligamia) como fatores que constituíram o poder de atração às mulheres da
época. Na subcultura cristã era possível às mulheres ocuparem status
diferenciado, o que não acontecia no mundo greco-romano. Além disso, a
conversão feminina em novos movimentos contemporâneos também apresenta índice
mais elevado do que no caso do sexo masculino, não se restringindo, pois, ao
início do movimento cristão. A destacada diferenciação do coeficiente sexual
com superioridade para as mulheres em relação aos homens cristãos decorreu da
proibição do aborto e infanticídio nas doutrinas cristãs. Stark trabalha sua
demonstração recorrendo a evidências arqueológicas e à demografia histórica, as
quais corroboram o status privilegiado das mulheres na Igreja cristã primitiva.
Tal fenômeno relativo a relações de gênero não se limitava à família, mas à
sociedade e à própria Igreja, em que mulheres ocuparam postos de destaque, como
o caso da diaconisa Febe. Casamentos exogâmicos permitidos entre as cristãs e
homens pagãos, dado o alto nível de comprometimento dos cristãos, não
manifestava apostasia; ao contrário, acreditava-se na possibilidade de que esse
tipo de casamento conduziria a novas adesões, denominado por Stark de
conversões “secundárias”. A alta taxa de natalidade e fertilidade das mulheres
cristãs também é um aspecto a ser destacado.
Sob o título A cristianização
do Império urbano: uma abordagem quantitativa, Stark recorre a Meeks para
reconhecer os novos adeptos ao Cristianismo primitivo através da categoria
urbanidades. Acresce a essa contribuição o resultado de pesquisa em vasta fonte
de dados garimpados em Atlas históricos, traçando a rota de disseminação do
movimento cristão em 22 grandes cidades, sendo que, destas, 20 integravam o
mundo greco-romano. No aspecto localização, a distância de viagem entre
Jerusalém e as cidades em tela foi utilizada para compreender em que medida a
influência de contatos judaicos anteriores à romanização se fez presente. O
Gnosticismo é visto por Stark não como heresia cristã, mas como mais uma
heresia judaica.
O caos urbano propiciou ao Cristianismo
a oportunidade de sobrepujar o paganismo e outros movimentos religiosos, como
solução a esses problemas. Essa análise é realizada tendo como objeto a cidade
de Antioquia, apontada como exemplo da precária condição de sobrevivência
urbana da época. Esse estudo está consignado no capítulo sétimo, sob o
título Caos urbano e crise: o caso de Antioquia. Através de seu
meticuloso estilo metodológico de produção científica, Stark ampara sua análise
na alta densidade da cidade de Antioquia no séc. I, com 117 habitantes por acre
e sérios problemas de infra-estrutura e segurança.
Para desenvolver o capítulo
oitavo, Os mártires: o sacrifício como escolha racional, Stark se
contrapõe ao estudo científico-social da religião como simples questão de
classificação, pois isso retrata mais um objetivo primordial de desacreditar a
religião do que de empreender sua compreensão. Assim, pauta sua análise na
teoria da escolha racional, importada da microeconomia e adaptada à sociologia
da religião. Estigmas e sacrifícios religiosos são escolhas racionais, na
medida em que “quanto mais sacrifícios as pessoas oferecem à sua fé, maior o
valor das recompensas que ganham em contrapartida” (p.186). No subtítulo, Religião
e racionalidade, enuncia uma proposição teórica na qual “a religião
provê compensadores por galardões que são escassos ou indisponíveis”.
Racionalmente, o indivíduo deseja recompensas imediatas, mas se estas são muito
escassas, satisfaz-se com os compensadores, ou alternativas. Por outro lado, as
pessoas diferem em suas avaliações quanto às recompensas ou benefícios
específicos pois possuem diferentes esquemas de preferência.
Os indivíduos avaliaram compensadores buscando custos e benefícios, custos de
oportunidade e maximização de benefícios líquidos. Os mártires são considerados
o ponto mais crível de uma religião, pois a mesma está pautada nas redes de
relacionamentos e na força dos testemunhos como forma de sedimentação da
credulidade. Stark alerta, também, que na rede de relacionamentos podem existir
os aproveitadores, os quais, como atores racionais, apenas desejam
auferir benefícios e não contribuir para o interesse coletivo. No sentido
oposto, encontra-se a prática cotidiana, na qual o Cristianismo não se resume a
sacrifícios e estigmas, mas a auxílio aos menos favorecidos. Como os cristãos
deviam amar ao próximo, eram amados, e seu código moral rigoroso
propiciava-lhes uma vida familiar mais segura.
Em Oportunidade e Organização,
capítulo nono, o autor avalia as oportunidades do surgimento do novo culto,
além de focalizar os aspectos diferenciais da organização do movimento cristão
que desencadearam perseguição contra os adeptos. Quanto à regulação estatal,
Roma parece não ter efetuado severa perseguição legal aos cristãos primitivos,
o que pode ser confirmado tanto pela pujança do crescimento da nova religião
quanto pelas evidências arqueológicas. Na análise produzida, o sociólogo lança
mão do conceito de economias religiosas. O Cristianismo encontrou solo fértil
para desenvolver-se dada a debilidade pagã, e seu sucesso residiu em ser uma
firma religiosa que oferece serviço completo, com adeptos obstinados,
resultando em recompensas religiosas admiráveis. Além do mais, seu crescimento
contou com o poderoso marketing da influência pessoa a pessoa.
Em Breve reflexão sobre a
virtude, afirma que crescimento do Cristianismo deveu-se às suas doutrinas
religiosas particulares. Elas foram revolucionárias por inspirar o amor ao
próximo e pela concretude das ações dos cristãos primitivos. O Cristianismo,
como movimento de revitalização, respondeu pela formação de uma cultura
desprovida de etnicidade, unificando as diversas subculturas existentes no
interior do Império. A ética cristã possibilitou uma visão moral de valorização
e respeito à vida, ou, nas palavras de Stark, a virtude foi sua própria
recompensa (p. 240).
Stark contribui para a sociologia da
religião com uma análise pautada em axiomas, definições e proposições, revendo
conceitos sociológicos clássicos, além de fornecer dados, fatos e fontes
históricas ricos na compreensão da evolução do Cristianismo primitivo.
Texto: Cleusi Gama da Silva, Doutoranda em Ciências da Religião, docente das disciplinas de Sociologia e Cultura Organizacional no Curso de Graduação de Administração da FACCE – UNIMES –Santos/SP. https://www.pucsp.br/rever/resenha/stark01.htm
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