José Sá Fernandes não sabe. D. Américo Aguiar não sabia. Pedro Nuno Santos não sabia que soube. Gomes Cravinho sabia mas era como se não soubesse... No não saber é que está o segredo.
Helena Matos
Portugal está entregue aos
clones de Schettino, aquele rapaz simpático que há onze anos comandava
junto à costa italiana o navio de cruzeiros Costa Concordia e
que após ter manobrado mal o navio se pôs de imediato a salvo do naufrágio.
Schetinno diz que não abandonou o barco, mas sim que foi ejetado para o bote.
Quanto ao acidente também não resultou de uma manobra mal feita, mas sim das
alterações climáticas…
A conversa
telefónica que nesse 13 de janeiro de 2012 teve lugar entre Schettino, a salvo
no seu bote, e Gregorio de Falco, o responsável pela capitania, tornou-se
antológica. Falco percebe que Schettino abandonara o navio onde mais
de quatro mil pessoas lutavam pela vida. Dá-lhe ordens para que regresse de
imediato ao barco e organize as operações de socorro. Schettino vai
argumentando que está escuro, logo não vê o suficiente para regressar, que não
vale a pena tentar voltar ao navio porque outros já estavam a tratar dessas
operações e assim sucessivamente, até que um furioso Gregorio de Falco
lhe grita ‘Vada a bordo, cazzo‘ que podemos traduzir por “Vá para bordo,
porra!” (obviamente que é muito mais vernáculo). Schettino não regressou. Das
4.229 pessoas que estavam no cruzeiro, 32 morreram e 64 ficaram feridas. A
frase “Vada a bordo, cazzo” acabou estampada em t shirts. Isto há onze
anos. Em Itália. Mas aqui, neste canto, em 2023, Schetinno produziu discípulos
e tornou-se um padrão. Olhando à nossa volta percebemos que esse
sorridente-irresponsável se tornou entre nós no protótipo de quem exerce cargos
de poder: querer agradar a todos, não assumir quaisquer responsabilidades
e procurar salvar a pele são as regras dominantes.
Não é de admirar portanto que Portugal pareça cada vez mais um imenso Costa Concordia cheio de Schetinnos. Aqui ficam alguns. Os dos últimos dias.
José Sá Fernandes, coordenador do grupo de projeto criado pelo Governo para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, não se lembrou que devia conhecer o projeto do altar. Com a ligeireza própria de alguém que nunca se responsabilizou pelas consequências dos seus atos, José Sá Fernandes declara “Não conheço o projeto”. Se o coordenador do grupo de projeto criado pelo Governo para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 não conhece o projeto do altar principal quem o conhecerá?
D. Américo Aguiar,
presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 nunca se lembrou de perguntar o valor do
altar onde o Papa celebrará missa durante a Jornada Mundial da Juventude Lisboa
2023. Quando soube o custo declarou, como se fosse um recém-chegado a este
assunto: “Confesso que o valor do palco me magoou”. Como é que um homem que é
(ou era até esta polémica) apresentado como futuro cardeal patriarca de Lisboa
não percebe a sensibilidade de um assunto desta natureza? Não vê que o ónus da
questão acabaria inevitavelmente a cair sobre uma igreja que vive acossada
pelos escândalos sexuais e que não encontra solidariedades na hora de denunciar
o ativismo laicista (coisa muito diferente da laicidade)? D. Américo Aguiar
diz-se magoado com o valor do altar. Mas tem rapidamente de se deixar de mágoas
e tratar de pedir responsabilidades. A quem? A si mesmo.
Gomes Cravinho. Aqui
estamos perante uma espécie de quebra-cabeças: inicialmente o ministro não se
lembrava que sabia da derrapagem das obras no Hospital Militar de Belém. Depois lembrou-se que sabia (ou alguém lhe lembrou que havia umofício a lembrá-lo), mas explicou que saber da derrapagem nas depesas
não é a mesma coisa que autorizar que essa despesa com derrapagem se
realizasse. Na prática as obras com derrapagem continuaram. O ministro que
sabia, mas que defende que saber não é o mesmo que autorizar diz ter condições
para continuar ministro. Os contribuintes pagam. Pagam as obras, pagam a
derrapagem e pagam o ministro.
Pedro Nuno Santos. Não
se lembrava de ter autorizado a indemnização da TAP a Alexandra Reis. Depois a
CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, foi ao parlamento e declarou ter
recebido autorização “por escrito” do secretário de Estado das Infraestruturas,
Hugo Mendes, para pagar a indemnização a Alexandra Reis. O ex-ministro
Pedro Nuno Santos corre para o Whatsapp e acaba a lembrar-se que sabia. O
antigo secretário de Estado das Infraestruturas soube que tinha chegado a hora
de alterar o depoimento que dera à TAP sobre o que sabia sobre este assunto. Em
resumo, é a versão revista e atualizada do eu sei que tu sabes que eu
sei.
Por fim, mas não por último,
temos a questão: o que sabe Marcelo? Creio que o próprio Marcelo não
sabe responder a esta pergunta tal é a sua pressa em saber apenas o que lhe
convém. A forma como reagiu aos custos do altar-palco é sintomática dessa
vertigem do Presidente: a 26 de Janeiro, o DN escrevia: “O Patriarcado
de Lisboa garantiu esta quinta-feira à SIC Notícias que o Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, sabia dos custos avultados (4,2 milhões de
euros) do palco para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e explicou que todas
as decisões sobre o evento são tomadas por várias entidades, entre elas as
autarquias de Lisboa e Loures e a fundação que organiza o evento.” Nesse
mesmo dia D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 declara aos
jornalistas a propósito dos custos com o altar-palco: “Eu não sabia, o
senhor Presidente da República não sabia e não é verdade que o senhor
Presidente da República soubesse. O que é que nós sabíamos? Sabíamos o global.”
O problema é que o diabo está nos detalhes! Dizer que não se sabe tornou-se uma
táctica de sobrevivência. Dizer que o outro sabia uma forma de ataque.
Perante tais personagens algo
me diz que se gritássemos a cada um deles “Vada a bordo, cazzo” na
esperança de os ver assumir as suas responsabilidades e fazer o que deviam ter
feito, as respostas que escutaríamos não seriam diferentes daquele titubear
que, da segurança do seu bote, Schettino ia proferindo enquanto no barco, que
ele não soubera manobrar e entretanto se afundava, milhares de pessoas
desorientadas procuravam escapar com vida.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
29-1-2023, 7h36
FOTO LEGENDADA ACIMA.
ResponderExcluirO que está tirando a foto:
- Diga xis... meu celular é meio cabreiro quando tiro fotos de homens. E por favor, solte meu braço.
Aparecido Raimundo de Souza
de Santo Eduardo RJ