Título: O príncipe
Autor: Nicolau Maquiavel
Cotação: 16/20
Recensão:
Será mau o lobo, e bom o cordeiro? A
moral judaico-cristã dir-nos-ia que sim, mas Nicolau Maquiavel certamente
discordaria. Há mais de cinco séculos, o filósofo, diplomata e político nascido
em Florença escreveu O príncipe, agora um clássico que dispensa
apresentações, agora reeditado pela Ideias de Ler. Considerada uma das
mais importantes e pioneiras obras da filosofia moderna e da ciência
política, O príncipe é, em suma, um manual de instruções para
líderes políticos sobre como atingir e manter o poder.
Sendo largamente inspirado no
implacável duque César Bórgia, filho ilegítimo do Papa Alexandre VI, este
tratado político proscreveu todas as normas morais vigentes na época, o que
originou o sobejamente conhecido, e pejorativo, termo "maquiavélico"
– que se tornou um sinónimo de matreiro, diabólico, velhaco.
No entanto, citando um provérbio
português, quem diz a verdade não merece castigo; e há uma certa injustiça em
acusar Maquiavel de "maquiavelismo". Aquilo que o filósofo italiano
fez não foi mais do que uma descrição nua e crua das dinâmicas de poder que a
sua posição lhe permitiu observar de perto. Assim, a moral só ficou de fora
de O príncipe, porque também fica, amiúde, nas relações humanas e
sobretudo naquelas que envolvem poder e domínio. Além disso, convenhamos, a
obra não pretende ser romântica, mas realista. Por isso, é uma análise
despudorada da condição humana que choca as mentes puritanas, por desafiar a
moral católica como pretenso barómetro dos hábitos e bons costumes.
Também é importante entender-se o contexto histórico da época em que Maquiavel escreveu a obra, designadamente a instabilidade e a fragmentação política e governativa que assolava a península italiana renascentista, e que a tornava palco de constantes e disruptivas lutas pelo poder.
Um estrategista perspicaz, Maquiavel
explica como deve o príncipe incumbente administrar os vários tipos de
principados. Argumenta que o reinante deve fugir tanto do desprezo como do
ódio, bem como dos bajuladores. Explica ainda como deve o líder tratar os seus
aliados e súbditos, e preconiza que mais vale ser temido do que amado – mas
nunca odiado. Defende que deve estar-se sempre preparado para usar a força e
para fazer a guerra, aproveitando os tempos de paz, não para baixar a guarda,
mas para exercitar-se ainda mais.
A obra terá sido uma referência para
vários líderes e governantes nestes últimos séculos, incluindo Napoleão
Bonaparte, Henrique VIII, Luís XIV, Estaline e Hitler – o que abona a favor da
eficiência dos pressupostos defendidos. Hoje, também continua a constar da
bibliografia de políticos e dos seus conselheiros.
De facto, mesmo após mais de cinco
séculos da sua publicação, O príncipe continua relevante e os
seus argumentos atuais, o que mostra que a natureza do Homem e do poder tem um
carácter fortemente imutável; mesmo que as técnicas utilizadas se sofistiquem.
Afinal, quem não identifica, por exemplo, esta exortação no cenário político
contemporâneo?
"Deve, além disso, nas
convenientes alturas do ano, ter os povos ocupados com festas e espetáculos; e,
porque toda a cidade está dividida em corporações ou em classes, deve ter em
conta estes coletivos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si exemplos de
humanidade e munificência, detendo, no entanto, sempre firme a majestade da sua
dignidade, pois isso jamais deve faltar em alguma coisa."
Moralmente reprovável ou não, a leitura
deste clássico é imprescindível para todos. Quem quer aprender a ser
maquiavélico, deve ler O príncipe. Quem não se quer deixar levar
por um, também.
Título e Texto: Maria Afonso Peixoto,
Página UM, 4-12-2022
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