O Supremo prendeu um cacique xavante e colocou em liberdade o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a 300 anos por crimes de corrupção
J. R. Guzzo
Num país em que o mundo político, as elites pensantes e as entidades da “sociedade civil” acham perfeitamente normal, e até elogiam, que o Supremo Tribunal Federal prenda um cacique xavante e coloque em liberdade o ex-governador Sérgio Cabral, a conclusão mais simples é: está valendo realmente tudo.
O cacique não cometeu delito
nenhum, a não ser um desses “atos antidemocráticos” que servem para colocar na
cadeia, hoje em dia, qualquer cidadão que entre na lista negra dos ministros do
STF.
O ex-governador está condenado
a 300 anos por crimes de corrupção, provados e confessos. O primeiro não tem
direito, como acontece com tantos outros brasileiros, ao processo legal. O
segundo tem direito a desfrutar os mais extremos privilégios que a lei concede
a criminosos cinco estrelas.
O cacique, é claro, é de
“direita”. O magnata que a Justiça condenou como ladrão é de “esquerda”. Fica
tudo explicado, então: prende um e solta o outro. É desse jeito que funciona a
democracia no Brasil no final do ano de 2022.
Numa situação assim, é natural que não tenha levantado o mais remoto sinal de protesto o anúncio, por parte do ministro Alexandre de Moraes, de que o sistema STF-TSE pode extinguir o PL. Sim, extinguir o PL e, possivelmente, os mandatos dos seus deputados e senadores — qual é o problema? É apenas o maior partido da Câmara dos Deputados, só isso; acaba de eleger, nessas eleições que o STF considera impecáveis, 99 deputados. E o que o PL fez de errado para merecer a ameaça de extinção? Entrou com uma representação na justiça eleitoral para que fossem apuradas possíveis falhas em milhares de urnas usadas na eleição. Mas não é justamente para isso que existe a Justiça Eleitoral — para investigar queixas como as que foram feitas pelo PL? Deveria ser, pelo que está escrito na lei, mas não é. Esse TSE que está aí, claramente, não admite nenhuma queixa quanto à sua perfeição; reclamar é crime.
O PL, como se sabe, foi
multado em R$ 23 milhões, e teve todas as suas contas bancárias bloqueadas, por
ter apresentado a reclamação. O TSE não investigou absolutamente nada. Apenas
decretou a multa, horas depois da entrada do pedido, sem observar processo
legal algum. É uma decisão demente — e não importa, aí, se o PL está certo ou
está errado em suas pretensões.
A lei, obviamente, não exige
que ninguém esteja com a razão para entrar com um processo na Justiça. As
alegações de quem reclama alguma coisa são examinadas; se forem julgadas
procedentes o autor ganha a causa, se forem julgadas improcedentes ele perde. É
isso, e só isso — mas não para o TSE. Lá você é punido por exercer o seu
direito de reclamar à Justiça.
O ministro Moraes justificou a
multa dizendo que o PL teria feito “litigância de má-fé”. É um disparate. Essa
má-fé teria de ser provada, dentro dos procedimentos previstos em lei — e não foi
provada má-fé nenhuma, mesmo porque não houve procedimento nenhum.
Todo mundo sabe, naturalmente,
qual é o crime pelo qual o PL foi punido – trata-se do partido do presidente
Jair Bolsonaro, que o STF escolheu como o seu maior inimigo e ao qual faz oposição
diária e sistemática. Se multaram e bloquearam as contas — inclusive as de
recursos próprios, que não têm nada a ver com o dinheiro público dos “fundos”
partidário e eleitoral — e ninguém viu nada de errado, por que não dar o passo
seguinte e extinguir o PL logo de uma vez? É a maneira mais cômoda de se
livrar, numa tacada só, dos 99 deputados “do Bolsonaro”; funciona com mais
eficácia, pensando bem, do que qualquer multa. Talvez eles possam criar alguma
dificuldade mais adiante — não seria melhor resolver isso já? Uma coisa é
certa: se fecharem o PL, vão dizer que é para salvar a democracia. O Brasil
civilizado, moderno e lúcido vai aplaudir de pé.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta do Povo, via Revista Oeste,
19-12-2022, 18h07
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ALIÁS, DIGA-SE DE PASSAGEM, BEM CIVILIZADO... OU SERIA SIVILIZADO?!
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza
da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro