sábado, 25 de fevereiro de 2023

Em busca da proteção eterna

Lula sabe que só foi declarado vencedor das eleições por causa da campanha aberta que o STF e os demais tribunais, mais a elite que se uniu contra a Lava Jato, fizeram em favor da sua candidatura

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/wikimedia Commons/Fernando Frazão/Agência Brasil

J. R. Guzzo

Pela primeira vez desde que voltou ao governo, o presidente Lula deu a impressão de ser um ser humano outra vez, e não esse robô movido por acessos permanentes de cólera que surgiu na campanha eleitoral e tem estado aí até hoje. Numa visita a São Sebastião, na devastação causada pela chuva no litoral norte do Estado de São Paulo, puxou afetuosamente para si o braço do governador Tarcísio de Freitas, dirigiu a ele palavras amáveis e falou do espírito de cooperação que deve existir entre governantes de convicções políticas diferentes.

O que significa isso? Logo com o governador Tarcísio — candidato, para ele mesmo e para toda a esquerda nacional, ao papel de demônio bolsonarista número 1 do Brasil? Não é esse o Lula que está de novo na presidência da República. O que a população tem visto lá é um homem que processa e distribui ódio em tempo integral, joga para destruir os adversários, em vez de competir com eles, e chefia um governo que tem mais de 900 presos políticos na cadeia — um recorde na história do Brasil. Mais que tudo, talvez, Lula é o grande padroeiro de um movimento inédito em matéria de rancor e de espírito de vingança: o que prega um país e uma sociedade “sem anistia”.

Nunca antes, na história deste país e provavelmente deste mundo, se viu um negócio assim. Desde que o conceito de anistia surgiu 2.600 anos atrás, na Grécia antiga, a humanidade viu todos os tipos de movimento em favor do perdão político — mas foi preciso esperar o Brasil do governo Lula-3 para se ver uma campanha contra a anistia. Tudo fica ainda mais insano quando se vê que é Lula, ninguém menos que Lula em pessoa, que está gritando: “Sem anistia”. 

Para um cidadão que foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, e não recebeu absolvição por nenhum deles, não tem nenhum propósito sair por aí proibindo qualquer gesto de perdão para o adversário — mesmo sendo óbvio que o adversário não cometeu crime nenhum para ser perdoado. (O fato é que não há, contra o ex-presidente Bolsonaro, uma única ação penal recebida oficialmente pela justiça — apesar do imenso empenho acusatório do Ministério Público, do STF e dos partidos de esquerda durante os últimos quatro anos.) Mas é contra ele, exatamente, que se destina toda essa história de “sem anistia”, e o ódio por atacado do governo Lula. Na verdade, a sentença de morte se estende a tudo o que é carimbado como “bolsonarista” — o que faz o comportamento gentil do presidente em sua última visita a São Paulo ficar parecendo ainda mais fora da curva.

É nessas horas que vem a pergunta, cada vez mais repetida nas últimas semanas: qual é, no fim das contas, o plano de Lula — se é que ele tem um? O Lula que está na presidência não é um homem que se poderia chamar de normal, levando em conta o que tem feito, dito e resolvido; com certeza não é a mesma pessoa que governou o Brasil durante oito anos, entre 2003 e 2010. É provavelmente uma perda de tempo tentar saber alguma coisa de útil a respeito da situação através dos analistas políticos de mesa-redonda, e da mídia em geral. 

Ficam falando de Kassab, de centrão, de “programas sociais”, de Janja — ou da “democracia”, dos méritos relativos das diversas alas do PT ou de “pautas identitárias”. Continuam, sobretudo, falando de Bolsonaro, como se o seu governo não tivesse acabado e fosse durar para sempre — e disso tudo, naturalmente, nunca sai nada que deixe o público mais bem informado do que está. 

O que interessa é para onde Lula e o Brasil estão indo, e a respeito disso há bem poucas pistas, como demonstra a contradição entre o seu inesperado comportamento diante do governador Tarcísio e o barulho do “sem anistia”. Há várias questões em aberto, mas uma chama mais a atenção que todas as outras: Lula montou um ministério monstruosamente ruim e, pior que isso, sem nenhuma sintonia com o Brasil do trabalho, da produção e de pelo menos 50% dos eleitores. Cada nova nomeação para o primeiro e segundo escalões é um deboche. Seu governo parece uma penitenciária em regime aberto. Que raio ele pretende com isso?

Foto: Wagner Vilas/Shutterstock

É como se Lula estivesse dizendo: “Não estou nem aí se esse meu governo vai dar certo, apresentar resultados ou melhorar o país em alguma coisa. O meu negócio é outro”. De fato, como um presidente da República pode esperar que saia algo de construtivo de um governo que tem a ministra Marina Silva, por exemplo? Não dá. (Sua única realização até agora foi dizer na Suíça que há “120 milhões” de pessoas passando “fome” no Brasil — quase quatro vezes mais que a conta do próprio Lula, que, segundo ele já confessou, é falsa.) 

O mesmo se pode dizer do cardume de extremistas políticos, salteadores do Erário, aventureiros, nulidades comprovadas, piratas, incompetentes fundamentais, defensores de ideias mortas etc. etc. etc. que compõe praticamente a totalidade do seu governo. Não conseguiriam, juntos, organizar um jogo de amarelinha. E então: por que ficou assim? 

O que dá para saber, pelos fatos disponíveis até o momento, é que Lula realmente não parece estar interessado na qualidade do governo que vai fazer; não quer a mesma coisa que você está querendo. Seu objetivo central é cercar-se de militantes que lhe prestem obediência absoluta e de todos os que fazem parte da maior força, disparado, que atua na vida pública brasileira de hoje: o consórcio multipartidário, multiuso e multifuncional cuja grande bandeira comum é eliminar do Brasil qualquer possibilidade de combate sério à corrupção. É a confederação nacional anti-Lava Jato. Lula deve tudo a ela — e quer desfrutar da sua proteção para sempre. Sua prioridade é essa.

Lula sentiu na pele o que significa um Brasil onde os governantes têm de responder pelos atos que praticam; não gostou nem um pouco da experiência. No seu caso, o que fez lhe rendeu 20 meses de cadeia fechada em Curitiba — e só foi salvo pela monumental campanha para destruir por completo a Lava Jato, que ameaçava a todos, dentro e fora da política, e tinha se tornado o maior perigo da história para os que sempre mandaram no Brasil. 

Acabar com o combate à corrupção tornou-se a causa número 1 da vida pública deste país. Por conta disso, tiraram Lula da prisão e até devolveram a ele a presidência da República. Agora, sua estratégia é manter a situação que tem. Lula não quer, nunca mais na vida, estar de novo numa situação na qual terá de responder perante a lei por sua conduta — é aí, e em nenhum outro lugar, que está o coração do problema todo. O ideal, para Lula, seria ser presidente vitalício, como os seus ídolos que controlam as ditaduras da Venezuela ou Nicarágua; nesse caso, estaria seguro para sempre. Trata-se, sabidamente, de coisa mais complicada do que parece — e se não der, ele, o PT e a esquerda vão fazer tudo para obterem a situação mais parecida com isso que for possível.

Não está claro como se pode chegar lá. É certo que um Brasil normal, com as coisas funcionando razoavelmente bem, não ajuda a Lula — ele precisa de um país em conflito, sempre à beira de um colapso nervoso, para ter esperanças. Sua força vem dos abismos que inventa e dos inimigos públicos que cria; se não for o homem que “vai salvar o Brasil”, seja lá do que for, Lula cai de voltagem. É por isso que tem feito tudo, até agora, para criar uma crise por dia; o que interessa é o tumulto, e não o desempenho do governo que está fazendo. 

É certo, também, que o presidente desconfia de eleições. Da boca para fora, diz que voltou ao governo por seus próprios méritos como líder dos “pobres”. Mas sabe muito bem que só foi declarado vencedor das eleições por causa da campanha aberta que o STF e os demais tribunais superiores de justiça, mais a imensa elite que se uniu contra a Lava Jato, fizeram em favor da sua candidatura. Dá para fazer de novo, em todas as próximas vezes? Não se sabe.

O que Lula, a esquerda e as forças que os apoiam acham possível fazer de concreto, neste momento e por via das dúvidas, é tirar Bolsonaro da eleição presidencial de 2026. É isso, e unicamente isso, que significa o “sem anistia” — um instrumento para tornar o ex-presidente inelegível. Lula e o PT, com ou sem razão, têm medo de disputar outra eleição com Bolsonaro; embora não se veja como e por que os tribunais de Brasília dariam a ele, daqui a quatro anos, um tratamento diferente do que deram agora, ninguém parece disposto a correr o risco de mais uma disputa. 

E se Bolsonaro ficar mesmo de fora — vai ser suficiente para Lula? É outra questão à espera de respostas. Por enquanto, apesar da variante que foi o seu encontro pacífico com o governador de São Paulo, o presidente tem apostado tudo na divisão do Brasil. Acha que a tensão permanente é a melhor alternativa para um bom governo, que não conseguirá fazer, e para outra eleição, em que vai depender de novo do STF e dos seus derivados para sair vivo — e comprar mais quatro anos de proteção, até 2031 e os seus 86 anos de idade. 

É condenar o país ao “nós” contra “eles”, daqui até onde a vista alcança. O problema, como sempre acontece nesse tipo de opção, é fazer direito a conta de quantos são os “nós” e quantos são os “eles” — e ver se o Supremo e a Frente Nacional Pela Eliminação Perpétua do Combate à Ladroagem serão suficientes, mais uma vez, para cobrir a diferença, caso os “eles” sejam mais do que os “nós”.

Título e Texto: J. R. Guzzo, Revista Oeste, nº 153, 24-2-2023

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