ContraCultura
Já te roubei metade dos rendimentos em nome do bem comum, e fiz do Ministério das Finanças a mais próspera empresa do país. Já te fiquei com os filhos que não tens vida para criar e fiz do Estado o grande pedagogo. Já te roubei a liberdade a propósito de uma gripe e fiz da Direção Geral de Saúde um comité central.
Hoje fico-te com a casa que
não habitas, para albergar os paquistaneses que não falam a tua língua, e o
Ministério da Habitação vai passar a agência imobiliária.
Amanhã fico-te com o automóvel
que guardas na garagem e a República será uma gloriosa praça de táxis.
Já impossibilitei, de todas as
formas possíveis e imaginárias, a tua independência, o teu pequeno negócio, o
teu livre arbítrio e a hipótese de seres responsável por ti próprio. Já
nacionalizei a imprensa e já falsifiquei a realidade.
Se me deres espaço e tempo e oportunidade, será minha a tua mulher e serão meus os teus sonhos, os teus pensamentos, as tuas opiniões, as tuas emoções, e será nula a tua identidade, que entretanto aniquilei com cento e trinta e cinco géneros e a culpa de seres português.
Não há nada que não possa
fazer por ti, melhor do que tu podes fazer. Para tua segurança, para teu
conforto, para edificação da tua ignorância, por elogio da tua apatia, para
alimento da tua cobardia, tudo permanecerá dentro do âmbito da minha ação
transcendente e revolucionária.
Das minhas misérias, da minha
incompetência, da minha vontade de poder, dos meus sonhos autoritários e da
corrupção de tudo, que instalei meticulosamente durante cinco décadas, farei
razão para o fim da propriedade privada e tu nada nada possuirás e tu serás
feliz.
E juntos, eu na minha
omnipotência e tu na tua insignificância, vamos salvar o planeta.
Título, Imagem e Texto: ContraCultura,
23-2-2023
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