Rui Ramos
Quando chegou a vez de os portugueses se confrontarem com partidos independentistas armados, as outras potências da Europa ocidental já tinham dado muitos exemplos de retirada. Por que não seguiu Portugal esses exemplos?
Ao princípio, os altos
comandos militares temeram uma provável guerra em África e reconheceram
vantagens na “descolonização”. O Ministro da Defesa, general Botelho Moniz, não
teve dúvidas em explicar a Salazar que a defesa de Angola seria uma “missão de
suicídio” (carta a Salazar de março de 1961). Em Angola, em 1961, havia apenas
1500 soldados brancos, com mais cinco mil auxiliares nativos. Como fazer chegar
lá rapidamente milhares de soldados, quando se dependia da via marítima? E, uma
vez lá, como deslocá-los, quando faltava aviação, e como abastecê-los e
dar-lhes assistência médica?
Para piorar as coisas, os EUA,
principais aliados militares de Portugal, pareciam hostis a qualquer esforço
português para reter a soberania em África. Para os americanos em 1961, era
incompreensível que um pequeno país como Portugal não tivesse há muito vendido
as suas colónias, como havia feito a Dinamarca, por exemplo. Animado pela diplomacia
americana, Botelho Moniz pensou mesmo em forçar a saída de Salazar do governo
em abril de 1961 – a primeira “abrilada” inspirada pelo dilema ultramarino.
Salazar venceu com uma plataforma de defesa do ultramar. O sucesso da campanha militar em Angola, entre maio e Setembro de 1961, viabilizou essa opção. Contra todas as expectativas, o corpo expedicionário enviado à pressa e com alguns meios improvisados reconquistou o noroeste de Angola. Sofreu 167 baixas mortais, um número insignificante para uma força de trinta mil homens em ação durante vários meses. Sem esta inesperada vitória em Angola, nunca teria havido quatorze anos de guerra.
As outras potências europeias
entregaram o poder a movimentos de contestação ou a partidos armados por causa
dos custos das operações militares necessárias para os conter. Retiraram, em
suma, por considerarem a guerra inviável. Ora, no caso português, a guerra era
viável. Havia gente e havia recursos para a fazer. Os últimos anos do Estado
Novo foram as décadas de ouro do crescimento económico em Portugal. As despesas
de defesa puderam aumentar em termos absolutos, sem que o seu peso relativo no
Orçamento do Estado aumentasse na mesma proporção. Como fez questão de notar
Marcello Caetano em março de 1974, “não será por falta de dinheiro que nos
renderemos”.
Os soldados portugueses, ainda
maioritariamente oriundos de meios rurais, habituavam-se sem grandes dramas à ação
no mato. As condições em África também tornavam a guerra possível. O tamanho do
ultramar português escondia um facto fundamental: das potências europeias na
África ao sul do Sahara, Portugal era a que menos população controlava. Juntas,
em 1961, Angola e Moçambique pouco mais população tinham do que Portugal. As
classes médias negras ou mestiças, geralmente a fonte principal do sentimento
independentista, eram reduzidas. Também não havia nem grandes aglomerações
urbanas, nem muitas zonas de elevada densidade populacional, onde uma
insurreição colocaria problemas graves de controle.
As zonas de operações, nas fronteiras,
estavam em Angola e em Moçambique a enormes distâncias das principais regiões
de atividade econômica e de povoamento europeu, de tal modo que em Luanda (a
partir de 1961) e em Lourenço Marques era possível ignorar a guerra, como não
foi por exemplo em Argel entre 1954 e 1961 ou em Saigão entre 1965 e 1968. Em
1961, o recurso à resistência militar contra os independentistas em África pôde
ser encarado como uma opção viável pelo governo português — ao contrário do que
acontecera aos ingleses na Índia em 1947, ou já estava a acontecer aos
franceses na Argélia.
Na década de 1960, os
portugueses não tiveram de se haver com populações revoltadas, dirigidas pelos
seus chefes tradicionais, como havia acontecido cinquenta anos antes, durante
as campanhas de ocupação. Desta vez, os inimigos eram partidos liderados por
europeizados, separados pela sua educação das populações locais, e
estabelecidos nas capitais dos Estados independentes de África. Era a partir
destes Estados que tentavam infiltrar grupos armados para flagelar postos
militares portugueses, emboscar colunas de tropa ou minar estradas.
Estes grupos eram geralmente
pequenos, atuavam isolados, e os confrontos que mantinham com as forças
portuguesas eram breves, do género “bate e foge”. Limitavam-se a atuar nas
imediações das fronteiras com os estados que lhes davam “santuário”. Só na
Guiné, cuja reduzida dimensão fazia da província inteira uma espécie de área
fronteiriça, havia atividade em quase todo o território.
Daí a “baixa intensidade” da guerra
para as forças armadas portuguesas, medida pelo rácio de mortes em combate por
cada dia de guerra e por milhar de combatentes: a campanha portuguesa em África
registou um rácio de 0,0075, comparado com 0,0365 da campanha americana no
Vietname, ou 0,0107 da campanha francesa na Argélia. No ano de 1954, em apenas
sete meses, a França perdeu no Vietname, entre mortos, feridos e prisioneiros,
cem mil homens, o equivalente de um terço do seu corpo expedicionário, o que
comprometeu irremediavelmente o esforço militar francês. Entre 1961 e 1974, o
governo português nunca teve de enfrentar desastres militares desta magnitude,
que o obrigassem a repensar a sua posição.
O exército português partiu,
em 1961, para a guerra já modernizado pela integração na NATO e com noções de “contra
subversão”, tal como tinha sido praticada por ingleses e franceses na década de
1950: basicamente, tratava-se de entender as operações militares como parte de
um esforço de integração social e política da população. Em vez do movimento de
grandes colunas de tropa, preferia-se a ação de pequenas unidades de infantaria
ligeira, baseadas em informações, e com um uso discreto da força.
A verdade é que os partidos
armados não obrigaram geralmente os portugueses a fazer mais do que isto. Só atuaram
no mato, e controlaram apenas zonas remotas ou desabitadas. Tiveram sempre as
chefias sediadas fora dos territórios. Em 1974, estimava-se que os 170 mil homens
das forças armadas portuguesas enfrentassem cerca de vinte mil guerrilheiros,
distribuídos pelas três províncias. Faz-se hoje muito caso das dificuldades
portuguesas durante a guerra. Esquece-se geralmente as dificuldades do outro
lado. A história dos principais partidos armados – FNLA, MPLA e UNITA em
Angola, PAIGC na Guiné, FRELIMO em Moçambique – é um complicado folhetim de
desânimos, cisões constantes, ajustes de contas sanguinários, e deserções espetaculares,
tudo agravado pelas interferências dos seus anfitriões nos países limítrofes.
Graças a este ambiente, os portugueses puderam infiltrar os partidos armados, e
adquirir vantagem na guerra das informações. O facto de a população branca ter
aumentado em Angola e Moçambique durante os anos da guerra demonstra a
capacidade das autoridades para garantir a segurança nos territórios.
Rui Ramos é
historiador, professor universitário, coautor do podcast E o Resto é História
[ver o perfil completo].
Independência das colónias: que opções, no Estado Novo?
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