terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Linguagem e ideologia de gênero

Ana Caroline Campagnolo

Enquanto as feministas não convencem todas as mulheres da supremacia da conduta lésbica, necessitam avançar em outras frentes de atuação política. Nesse campo de batalha, Wittig dá inconteste importância à linguagem. Por esse motivo, defende que o gênero [macho e fêmea] seja suprimido da nossa comunicação escrita e falada.

Para Monique Wittig, […] a “mulher universal”, ou mesmo o “feminino”, não existe. A linguagem é absolutamente primeira. Tudo é linguagem. […] Manipulada pelos homens, a linguagem ocidental, segundo Monique Wittig, construiu um universo heterossexista a partir do seguinte raciocínio ideológico: há a ordem natural e normativa; somente o gênero heterossexual está fundamentado sobre essa ordem; então, os outros gêneros são antinaturais; então são desordenados e ilegítimos sob todos os pontos de vista. Esse tipo de raciocínio e de linguagem é imposto à força de repetições compulsivas e encantat6órias. Ela se institucionalizou de várias formas nos diferentes aspectos da vida social, educativa, cultural, política, religiosa. Está historicamente na base de um sistema opressivo e injusto em relação aos outros gêneros e em relação ao próprio autêntico gênero heterossexual. É chegada a hora de sacudir o jugo dessa tirania. É preciso inventar uma nova linguagem e uma nova gramática, substituindo, por exemplo, todos os termos “gênero-específicos” [como pai e mãe] por termos “gêneros-neutros [como cuidadores].

Olivier Bennewijn observou em sua pesquisa sobre ideologia de gênero que o campo da linguagem é fundamental para o sucesso da revolução sexual feminista. Ele explica por que subverter a linguagem importa tanto às revolucionárias:

Elas consideram que uma linguagem expressa sempre, mais ou menos diretamente, as relações de poder que existem entre os diferentes gêneros, seus interesses convergentes e conflituosos. No âmbito de nossas sociedades pós-modernas, a linguagem é o resultado de um posicionamento heterossexista, alienante para as mulheres. […] O mundo está banhado […] num imaginário e em concepções falocráticas.

Convém lembrar que George Orwell (1903-1950) já alertava sobre a primeira meta revolucionária ser uma mudança na linguagem mediante a manipulação do significado das palavras.

Monique Wittig não tenta esconder essa estratégia.

Jorge Scala, escritor, advogado e pesquisador, descreveu em seu livro Ideologia de gênero o modus operandi do movimento:

Essa tática é aplicada através de um movimento envolvente, utilizando para isto os meios de propaganda e o sistema educacional formal. A estratégia possui três etapas:

A) a primeira consiste em utilizar uma palavra da linguagem comum, mudando-lhe o conteúdo de forma sub-reptícia;

B) depois, a opinião pública é bombardeada através dos meios de educação formais (a escola) e informais (os meios de comunicação de massa). Aqui é utilizado o velho vocábulo, voltando-se, porém, progressivamente, ao novo significado;

C) as pessoas finalmente aceitam o termo antigo.

Todos os teóricos não-feministas citados neste contraponto recordam a importância de identificar a linguagem como um dos mais ferrenhos campos de batalha nesta guerra ideológica. A invenção e a difusão de novos termos funcionam como minas espalhadas em terra de ninguém, que, ao menor sinal de descuido, são ativadas e deitam por terra dezenas de combatentes.

Como bem lembrado por Olivier Bennewijn, o movimento feminista ressignifica ou esvazia de significado alguns termos imprescindíveis para qualquer discussão sobre o assunto.

O filósofo Fabrice Hadjadj vai além: explica que o movimento cria palavras com significação vaga demais para serem entendidas e o faz propositadamente.

É precisamente isso o que aconteceu com termos como “sexualidade” 1 ,“homofobia”, “poliamor”, transfobia” e o próprio “gênero”.  Fabrice recorda, a exemplo dessa estratégia, que o termo “heterossexualidade” só surgiu depois que se consentiu em usar “homossexualidade” como sinônimo de sodomia.

Quando um debate público começa sustentado no uso desses termos é invariável que os revolucionários já alcançaram seu objetivo de ressignificação, ainda que sejam brutalmente esmagados pelos argumentos do debatedor contrário.

O professor e presidente da Rede Nacional de Direito e Defesa da Família, Felipe Nery, descreve como esse processo se dá com a expressão “gênero”:

Substitui-se a palavra sexo pela palavra gênero, que passa a ser ressignificada. Como a ressignificação não é divulgada de forma explícita, mas permanece, inicialmente, restrita aos meios especializados de teóricos e acadêmicos, a maioria das pessoas tenderá a aceitar gênero e sexo como meros sinônimos.

Com o passar do tempo, no entanto, sem que ninguém se dê conta de como e quando, a palavra sexo terá assumido um significado totalmente distinto de gênero, e esta, por sua vez, assumirá o significado desejado pelos ideólogos quando a forjaram.

Não é diferente o que acontece com a difusão das acusações de homofobia. O professor Nery completa a análise acerca dessas estratégias afirmando que

O termo homofobia foi um dos que mais sucesso logrou na reformulação mental das sociedades. Em psiquiatria, fobia pode ser definida como um medo irracional diante de uma situação ou objeto que não apresente qualquer perigo. Existem, de fato, pessoas com fobias variadas: de água, de aglomeração de pessoas, de recintos fechados, de certos animais etc.

Uma verdadeira homofobia pode até ser possível, desde que realmente signifique um medo irracional de homossexuais. Porém, como estamos lidando com ressignificações semânticas, dizer que alguém é homofóbico, hoje, não significa que ela tenha medo irracional de um homossexual, mas que faça algum tipo de crítica à conduta homossexual. E, interessantemente, não se procura criminalizar nenhum tipo de fobia, exceto a homofobia.

Por isso, tanto Judith Butler quanto Monique Wittig pregam que a linguagem seja subvertida, pois só assim será possível que a revolução cultural e sexual seja completa: “Insuflar confusão nas palavras e na compreensão dos conceitos; nunca os fixar a priori e para sempre; promover a instabilidade permanente da fala; anuviar todo traço de diferença sexual no simbólico do discurso”. A fim de que essa desordem na língua passe para a vida prática, as mulheres devem mudar em todos os detalhes.

As desconstruções das feministas radicais jogam tudo no fogo. Nenhuma área escapa à sua lógica extremamente rigorosa, que se desenvolve a partir de seu postulado de base: a separação entre o sexo e o gênero e a neutralização dos sexos. Têm como objetivo primeiro provocar o esfacelamento da antiga ordem e favorecer o despertar de um mundo novo. São revolucionárias.

Ser uma feminista é mudar o jeito de se vestir, de se comportar em público, de tratar os membros da família e o parceiro sexual. Ser feminista exige que se apaguem as referências concretas e naturais. A relação com a cultura e a tradição só podem se dar através da suspeição e da dúvida, a razão deve ser desmantelada, pois é ocidental demais, masculina demais.

Ser feminista é mudar o jeito de fazer sexo tanto quanto o jeito de falar ou escrever. Não é incomum encontrarmos jovens acadêmicos e professores universitários pisando nas normas do idioma e fazendo uso de bizarrices, como a substituição dos artigos pela letra “x” ou pelo ideograma “@”. Essas pobres almas já foram convencidas por Wittig mesmo sem terem lido uma única linha de suas teses. Para a escritora, toda vez que obedecemos às regras gramaticais, estamos oprimindo “lésbicas, mulheres e homens homossexuais”.

1 “Com a chegada da psicologia, a sexualidade não se encontra mais em primeiro lugar nos sexos, mas no cérebro, ou no inconsciente, no livre-arbítrio, na língua, ou nas convenções sociai. Ninguém consegue mais entender direito. A questão invade o terreno. Uma nova correção moral vem de todo modo purgar os antigos contos de seu odioso ‘sexismo’, para que a princesa tenha às vezes uma espada e o príncipe encantado limpe a casa dos Sete Anões […]” (Fabrice Hadjadj, A profundidade dos sexos, p. 31).

Título e Texto: Ana Caroline Campagnolo, in “Feminismo: perversão e subversão”, VIDE Editorial, 2019, páginas 244/248 
Digitação: JP, 14-2-2023

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