Ana Caroline Campagnolo
Enquanto as feministas não convencem todas as mulheres da supremacia da conduta lésbica, necessitam avançar em outras frentes de atuação política. Nesse campo de batalha, Wittig dá inconteste importância à linguagem. Por esse motivo, defende que o gênero [macho e fêmea] seja suprimido da nossa comunicação escrita e falada.
Para Monique Wittig, […] a “mulher
universal”, ou mesmo o “feminino”, não existe. A linguagem é absolutamente
primeira. Tudo é linguagem. […] Manipulada pelos homens, a linguagem ocidental,
segundo Monique Wittig, construiu um universo heterossexista a partir do
seguinte raciocínio ideológico: há a ordem natural e normativa; somente o
gênero heterossexual está fundamentado sobre essa ordem; então, os outros
gêneros são antinaturais; então são desordenados e ilegítimos sob todos os
pontos de vista. Esse tipo de raciocínio e de linguagem é imposto à força de
repetições compulsivas e encantat6órias. Ela se institucionalizou de várias
formas nos diferentes aspectos da vida social, educativa, cultural, política,
religiosa. Está historicamente na base de um sistema opressivo e injusto em
relação aos outros gêneros e em relação ao próprio autêntico gênero
heterossexual. É chegada a hora de sacudir o jugo dessa tirania. É preciso
inventar uma nova linguagem e uma nova gramática, substituindo, por exemplo,
todos os termos “gênero-específicos” [como pai e mãe] por termos
“gêneros-neutros [como cuidadores].
Olivier Bennewijn observou em
sua pesquisa sobre ideologia de gênero que o campo da linguagem é fundamental
para o sucesso da revolução sexual feminista. Ele explica por que subverter a
linguagem importa tanto às revolucionárias:
Elas consideram que uma linguagem
expressa sempre, mais ou menos diretamente, as relações de poder que existem
entre os diferentes gêneros, seus interesses convergentes e conflituosos. No
âmbito de nossas sociedades pós-modernas, a linguagem é o resultado de um
posicionamento heterossexista, alienante para as mulheres. […] O mundo está
banhado […] num imaginário e em concepções falocráticas.
Convém lembrar que George
Orwell (1903-1950) já alertava sobre a primeira meta revolucionária ser uma
mudança na linguagem mediante a manipulação do significado das palavras.
Monique Wittig não tenta
esconder essa estratégia.
Jorge Scala, escritor, advogado e pesquisador, descreveu em seu livro Ideologia de gênero o modus operandi do movimento:
Essa tática é aplicada através de um
movimento envolvente, utilizando para isto os meios de propaganda e o sistema
educacional formal. A estratégia possui três etapas:
A) a primeira consiste em utilizar uma
palavra da linguagem comum, mudando-lhe o conteúdo de forma sub-reptícia;
B) depois, a opinião pública é
bombardeada através dos meios de educação formais (a escola) e informais (os
meios de comunicação de massa). Aqui é utilizado o velho vocábulo, voltando-se,
porém, progressivamente, ao novo significado;
C) as pessoas finalmente aceitam o termo antigo.
Todos os teóricos
não-feministas citados neste contraponto recordam a importância de identificar
a linguagem como um dos mais ferrenhos campos de batalha nesta guerra
ideológica. A invenção e a difusão de novos termos funcionam como minas
espalhadas em terra de ninguém, que, ao menor sinal de descuido, são ativadas e
deitam por terra dezenas de combatentes.
Como bem lembrado por Olivier
Bennewijn, o movimento feminista ressignifica ou esvazia de significado alguns
termos imprescindíveis para qualquer discussão sobre o assunto.
O filósofo Fabrice Hadjadj vai
além: explica que o movimento cria palavras com significação vaga demais para
serem entendidas e o faz propositadamente.
É precisamente isso o que
aconteceu com termos como “sexualidade” 1 ,“homofobia”, “poliamor”,
transfobia” e o próprio “gênero”. Fabrice recorda, a exemplo dessa estratégia,
que o termo “heterossexualidade” só surgiu depois que se consentiu em usar “homossexualidade”
como sinônimo de sodomia.
Quando um debate público
começa sustentado no uso desses termos é invariável que os revolucionários já
alcançaram seu objetivo de ressignificação, ainda que sejam brutalmente
esmagados pelos argumentos do debatedor contrário.
O professor e presidente da
Rede Nacional de Direito e Defesa da Família, Felipe Nery, descreve como esse
processo se dá com a expressão “gênero”:
Substitui-se a palavra sexo pela
palavra gênero, que passa a ser ressignificada. Como a ressignificação não é
divulgada de forma explícita, mas permanece, inicialmente, restrita aos meios
especializados de teóricos e acadêmicos, a maioria das pessoas tenderá a
aceitar gênero e sexo como meros sinônimos.
Com o passar do tempo, no entanto,
sem que ninguém se dê conta de como e quando, a palavra sexo terá assumido um
significado totalmente distinto de gênero, e esta, por sua vez, assumirá o
significado desejado pelos ideólogos quando a forjaram.
Não é diferente o que acontece
com a difusão das acusações de homofobia. O professor Nery completa a análise
acerca dessas estratégias afirmando que
O termo homofobia foi um dos que
mais sucesso logrou na reformulação mental das sociedades. Em psiquiatria, fobia
pode ser definida como um medo irracional diante de uma situação ou objeto que
não apresente qualquer perigo. Existem, de fato, pessoas com fobias variadas:
de água, de aglomeração de pessoas, de recintos fechados, de certos animais
etc.
Uma verdadeira homofobia pode até
ser possível, desde que realmente signifique um medo irracional de
homossexuais. Porém, como estamos lidando com ressignificações semânticas,
dizer que alguém é homofóbico, hoje, não significa que ela tenha medo
irracional de um homossexual, mas que faça algum tipo de crítica à conduta
homossexual. E, interessantemente, não se procura criminalizar nenhum tipo de
fobia, exceto a homofobia.
Por isso, tanto Judith Butler
quanto Monique Wittig pregam que a linguagem seja subvertida, pois só assim
será possível que a revolução cultural e sexual seja completa: “Insuflar
confusão nas palavras e na compreensão dos conceitos; nunca os fixar a
priori e para sempre; promover a instabilidade permanente da fala; anuviar
todo traço de diferença sexual no simbólico do discurso”. A fim de que essa
desordem na língua passe para a vida prática, as mulheres devem mudar em todos
os detalhes.
As desconstruções das feministas
radicais jogam tudo no fogo. Nenhuma área escapa à sua lógica extremamente rigorosa,
que se desenvolve a partir de seu postulado de base: a separação entre o sexo e
o gênero e a neutralização dos sexos. Têm como objetivo primeiro provocar o
esfacelamento da antiga ordem e favorecer o despertar de um mundo novo. São
revolucionárias.
Ser uma feminista é mudar o
jeito de se vestir, de se comportar em público, de tratar os membros da família
e o parceiro sexual. Ser feminista exige que se apaguem as referências
concretas e naturais. A relação com a cultura e a tradição só podem se dar através
da suspeição e da dúvida, a razão deve ser desmantelada, pois é ocidental
demais, masculina demais.
Ser feminista é mudar o jeito
de fazer sexo tanto quanto o jeito de falar ou escrever. Não é incomum
encontrarmos jovens acadêmicos e professores universitários pisando nas normas
do idioma e fazendo uso de bizarrices, como a substituição dos artigos pela
letra “x” ou pelo ideograma “@”. Essas pobres almas já foram convencidas por
Wittig mesmo sem terem lido uma única linha de suas teses. Para a escritora,
toda vez que obedecemos às regras gramaticais, estamos oprimindo “lésbicas,
mulheres e homens homossexuais”.
1 “Com a chegada da psicologia, a
sexualidade não se encontra mais em primeiro lugar nos sexos, mas no cérebro,
ou no inconsciente, no livre-arbítrio, na língua, ou nas convenções sociai.
Ninguém consegue mais entender direito. A questão invade o terreno. Uma nova
correção moral vem de todo modo purgar os antigos contos de seu odioso
‘sexismo’, para que a princesa tenha às vezes uma espada e o príncipe encantado
limpe a casa dos Sete Anões […]” (Fabrice Hadjadj, A profundidade dos sexos, p.
31).
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