Pura jactância linguística
Jorge Bacelar Gouveia
«(...) Tenho assistido a decisões
levianas de tudo lecionar em inglês com o argumento – muito primário, diga-se –
de que desse jeito se consegue a internacionalização do estabelecimento. «
(...)»
É nesse contexto que se
assiste à generalização do inglês como língua franca, agora também no plano do
ensino superior, já o sendo noutros “fora”, como o político ou o empresarial.
2. Só que isso está longe
de justificar os excessos que têm sido cometidos no ensino do Direito.
Tenho assistido a decisões
levianas de tudo lecionar em inglês com o simples argumento – muito primário,
diga-se – de que desse jeito se consegue a internacionalização do
estabelecimento para efeitos de melhor avaliação.
Ou ver que essa orientação
assenta num desejo de natureza “comercial” de atrair estudantes estrangeiros,
como se não houvesse estudantes portugueses interessados, colocando-se em causa
a razão de ser – sendo instituições públicas – o investimento que é feito pelos
contribuintes que querem ver o dinheiro gasto, em primeiro lugar, com os seus
concidadãos, alguns excluídos em virtude do numerus clausus.
Quando essa decisão não é mesmo tomada com base em motivos inconfessáveis, ora como manifestação de jactância linguística por quem pretende assim vangloriar-se, ora por haver professores estrangeiros que, contratados por escolas portuguesas, não têm outro remédio senão ensinar inglês, sob pena de ensinarem coisa nenhuma, sendo ilegal que os funcionários públicos não saibam português.
3. Os riscos destas
decisões no ensino do Direito são evidentes por não haver um Direito Positivo
universal, ou sequer inglês, em cujos países até se vive um sistema oposto à
tradição romano-germânica, que é a portuguesa.
O ensino do inglês pode ser
viável em disciplinas marginais ou de teoria geral, mas assume-se problemático
quando as leis pertinentes ou os elementos doutrinários disponíveis são apenas
ou em grande medida na língua de Camões, além de pouco acrescentar porque
muitos conteúdos já são versados em línguas estrangeiras, não passando de um
saloio deslumbramento de comunicação oral.
E o pior é, em cursos
pós-graduados, tornar-se o inglês a língua exclusiva, quando os estudantes que
os frequentam estão num mercado de trabalho de Portugal, duvidando-se do que
isso adianta.
Que vantagem tem um juiz,
procurador, advogado, polícia ou funcionário administrativo frequentar um
mestrado em inglês se na sua profissão aplica leis portuguesas, se defronta com
julgamentos em português ou se relaciona com colegas lusófonos? Nenhuma.
4. Tais decisões são
ainda discutíveis no plano da legalidade aplicável nesse desempenho académico,
uma vez que a língua portuguesa é a língua do procedimento administrativo,
corolário de aquela ser a língua oficial do Estado (e, portanto, dos entes
públicos): as aulas são operações materiais e as avaliações são atos jurídicos
inseridos num procedimento administrativo.
Até basta que um estudante
exija que o ensino seja em português para deitar por terra tal decisão, o mesmo
sucedendo com os docentes, a quem cabe esse direito. Em qualquer destas
situações, a adoção da língua portuguesa é uma concretização da liberdade
académica, bem como da liberdade de expressão e do direito à cultura
portuguesa.
Tudo isto sem esquecer a
ausência de qualquer acreditação dos cursos em inglês, não havendo notícia de
que as comissões de avaliação façam investigação a respeito das competências
linguísticas dos docentes, ou mesmo sobre a coerência dos programas e
bibliografias sob a perspectiva de ser aquela a língua utilizada, cujo anúncio
nesse momento é omitido.
Este panorama é mais um sinal
da pequenez de alguma “elite” jurídica portuguesa: achar que a
internacionalização se obtém por um “golpe de mágica linguística”, ou pensar
que é falando em inglês que passam a ombrear com as melhores universidades do
mundo, sabendo-se que a maioria delas está em paragens não anglófonas, com a
óbvia primazia da doutrina germânica.
Título e Texto: Jorge Bacelar Gouveia, Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, 20-2-2023
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