sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Nossa Intimidade

Aparecido Raimundo de Souza 

QUANDO VENHO de fora e me deito com você em nossa cama, sinto que algo de bom dentro de mim parece renascer com mais vigor e esperança, robustez e dinamismo. Seu abraço me sufoca, me asfixia, e, no calor ardoroso e intenso de seu corpo, me transporto para um sonho que muitos anos me custou realizar. Da mesma forma, quando lhe procuro para matar o meu desejo de homem, você se entrega impetuosa e inflamada, exaltada e impulsiva, como uma deusa prometida. Na verdade, seu “eu” se abre por inteiro num ímpeto angelical e puro, tipo um arroubo (1) que na verdade, não teria palavras nem capacidade para sequer tentar descrevê-lo. 

Mesmo que nessa hora pudesse buscar a luz incandescente das estrelas, o perfume hipnótico e inebriante da noite ou o silêncio misterioso e resguardado das horas, ainda assim, não conseguiria transpor para o papel a sutileza, a galanteria (2), a finura, ou a rima poética e candente do seu amor e o que ele, como um todo representa dentro do amor do amor da minha vida. Com você, me satisfaço interiormente, me encho, me transbordo, me realizo, me alinho, me regozijo, me concretizo e me abandono. Enfim, me basto. Depois da posse, cansada, fatigada, esbaforida (3) e ofegante, seu calor em pingos, seu suor, seu esforço, seu estertor e efervescência, vêm se deitar em meus braços, e, como um ser divinizado, imergida em mansa quietude, ficamos a ouvir o bater de nossos corações. 

Horas depois, o sono se achega de mansinho e nos vence. Nos flagra desprevenidos, improvidentes, desajuizados, despidos... e como num passe de mágica adormecemos embalados pelo acalanto calmo da noite amena e sorrateira. De bem cedo, ainda não manhã, envergonhada, você se levanta e procura ocultar os seus pudores do meu olhar malicioso. À passos não ensaiados, você foge ligeira se metendo, meio sem jeito, numa camisola transparente jogada ao lado da cama. Nela você se sente dona da situação, protegida, escondida, recatada, tímida, como se na realidade, aquele fino pano de nylon representasse, para mim, ou para minhas mãos, algo intransponível e invencível... 

Talvez, para você (às vezes penso com meus porquês) eu não tenha sido aquele homem que na adolescência povoou seus caminhos de menina moça, ou que lhe encheu os olhos de promessas e o porvir de um amor que parecia impossível, invencível, longe de acontecer. Fico imaginando, lado idêntico, que roubei de você o instante mágico, ou talvez, o mais sublime de sua existência, qual seja, o de vê-la, ou de fazê-la feliz, ao lado de um alguém mais abastado, que pudesse lhe dar melhores dias e proporcionar ao seu futuro uma realidade que realmente tivesse tudo aquilo que, de fato, eu não lhe pude dar. Contudo, apesar de carregar essa mágoa dentro de mim, me resta uma última e derradeira esperança. 

E creia, minha princesa, é nessa esperança que me agarro de unhas e dentes (como o náufrago à tábua de salvação) para tentar fazer de você a mulher mais feliz na face da terra. Quero ver seus olhos banhados sempre pelo sorriso da felicidade e o seu sorriso alegre ao se encontrar com a minha solidão. Em você, no seu mais íntimo, na sua vida, no seu hoje-agora, me perco, me esqueço, me confundo como menino sem mãe, abandonado pela vida ao sofrimento das calçadas descalças de aconchegos e carinhos. Em você... e somente no agasalho do seu refúgio, consigo encontrar guarida, asilo, amparo, proteção para me esconder do mundo mau que parece querer me sufocar um grito lancinante (4) dentro da garganta. 

Com você, minha querida, com você eu perco a noção do tempo. Esqueço as coisas do mundo, me descuro das pessoas, me desamarro de mim mesmo... ao seu lado, pareço estar numa concepção de existência divina, onde a vida só consegue descortinar diante de meus olhos o seu lado bom, a sua banda humana e o flanco real. Ao seu lado, o sofrimento e a dor não existem. Simplesmente deixam de ser fatos baldios e precisados de maiores cuidados. Como diria o poeta: — "Nosso futuro começou ontem... nosso amor se fez nas asas de um pássaro ligeiro. Voou para um agora insuperável que não vai terminar jamais". E eu creio, não vai.

NÃO VAI TERMINAR JAMAIS...
NÃO VAI TERMINAR...
NÃO VAI...
NÃO...
J... A... M... A... I... S!...

Notas de rodapé:
1) Arroubo – Arrebatamento, ímpeto.
2) Galanteria – Variante de galantaria, ou seja, uma cortesia, ou uma afabilidade.
3) Esbaforida – Cansaço ou esgotamento.
4) Lancinante – Qualquer coisa que seja martirizante ou torturante.


Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 24-2-2023

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