sábado, 11 de fevereiro de 2023

Lula e a política inflacionária

Politizar o Banco Central para reduzir na marra as taxas de juros é uma ideia tão antiga quanto estúpida


Rodrigo Constantino

Não faltam “especialistas” querendo quebrar o termômetro para curar a febre do paciente. No caso da economia brasileira, eles observam as altas taxas de juros e imediatamente apontam os culpados: os especuladores, o mercado, o Banco Central independente. Essa confusão entre causa e efeito está no cerne de muita ideia equivocada. Politizar o Banco Central para reduzir na marra as taxas de juros é uma ideia tão antiga quanto estúpida. A estupidez, porém, tem sido a marca registrada do lulismo.

“Se os governos desvalorizam a moeda para trair todos os credores, você educadamente chama este procedimento de ‘inflação’”, ironizou George Bernard Shaw. Para compreender o enorme risco do controle político de um Banco Central, talvez seja preciso voltar no tempo até as origens do dinheiro. Segundo o austríaco Ludwig von Mises, o dinheiro não pode surgir por decreto estatal ou algum tipo de contrato social acordado entre os cidadãos; ele deve sempre se originar num processo de livre mercado.

O escambo, que os homens praticam desde os primórdios da civilização, conta com sérias limitações. Um problema crucial é a necessidade de um desejo mútuo coincidente, ou seja, os dois agentes envolvidos na troca precisam concordar exatamente com o que recebem em relação ao que oferecem. Outro problema é o das indivisibilidades, isto é, uma troca teria de ter a mesma magnitude de valor. Basta pensar na situação de alguém querendo trocar uma casa por vários produtos distintos, para mostrar a impraticabilidade desse método. Eis quando surge o dinheiro.

Em The Mystery of Banking, o economista Murray Rothbard [foto] explica melhor a origem do dinheiro e os riscos inflacionários provenientes do papel-moeda. Justamente por conta dessas barreiras do escambo, que atende não mais que as demandas de uma vila primitiva, o próprio mercado criou gradualmente um meio de troca mais eficiente. Foi ficando claro para os comerciantes que o uso de uma commodity amplamente aceita como meio de troca fazia muito sentido. Em vez de um produtor de calçados ter de encontrar um vendedor de carne disposto a trocar exatamente carne por calçado, bastava ele vender no mercado seus produtos em troca dessa commodity, e depois usá-la para comprar os bens que desejava. 

Para atender a esta função, a commodity deveria ser demandada por seu valor intrínseco, ser divisível, portável e durável, além de apresentar um elevado valor por unidade. Durante a história, diversas commodities serviram como moeda, mas invariavelmente o ouro e a prata foram os escolhidos quando possível. Com o tempo, surgiu a demanda por certo padrão homogêneo de commodity usada como moeda. Os reis estampavam seus rostos nas moedas de ouro, garantindo sua qualidade e peso, e em troca cobravam a “senhoriagem”.

Durante a Revolução Americana, para financiar o esforço de guerra, o governo central emitiu vasta quantidade de papel-moeda, os “Continentals”

Automaticamente surgiu o risco de o próprio governo alterar o peso das moedas e embolsar a diferença. Era o começo do “imposto inflacionário”, ou a desvalorização da moeda. Esta prática foi bastante facilitada com a introdução do papel como moeda, servindo no início como um certificado garantindo o peso do ouro. É importante notar que praticamente todas as moedas mais importantes, como o dólar, a libra, o marco ou o franco, começaram simplesmente como nomes para diferentes unidades de peso do ouro ou da prata.

Naturalmente, o risco de falsificar a moeda sempre existiu, e por isso mesmo surgiu a demanda por padrões e selos de governos ou bancos. A falsificação de moeda é uma fraude, que enriquece o fraudador em detrimento do restante dos usuários da moeda. Os primeiros a receberem o dinheiro falsificado se beneficiam à custa dos últimos. O governo tem como função justamente evitar tal fraude, punindo com prisão os criminosos. O grande problema é quando o próprio governo adere à prática de “falsificação”, com o respaldo da lei. A invenção do papel-moeda foi um convite tentador para os governos embarcarem nessa nefasta prática inflacionária.

Em primeiro lugar, o governo deve garantir que os pedaços de papel são resgatáveis em seu equivalente em ouro. Caso contrário, ninguém irá aceitá-los voluntariamente. Em seguida, o governo geralmente tenta sustentar seu papel-moeda através de legislação coercitiva, instando o público a aceitá-lo, incluindo os credores de montantes em ouro, através das leis de “legal tender”. O papel-moeda passa a ser aceito como pagamento dos impostos, e os contratos privados são forçados a aceitar pagamento em papel. Quando a moeda começa a ser amplamente aceita e utilizada, o governo pode então inflar sua oferta, para financiar seus gastos de forma menos escancarada.

A inflação é o processo pelo qual o imposto escondido é usado para beneficiar o governo e os primeiros a receberem a nova moeda. Após um prazo suficiente, o governo adota um passo definitivo: corta a ligação da moeda com o ouro que ela representava antes. O dólar, por exemplo, passa a ter uma vida própria, independente do ouro que ele representava anteriormente, e o ouro passa a ser apenas uma commodity qualquer. O caminho para a inflação está totalmente livre de obstáculos.

O primeiro papel-moeda governamental do Ocidente, segundo Rothbard, foi emitido na província de Massachusetts, em 1690. Sua origem ilustra muito bem o relato acima. Massachusetts estava acostumada a periódicas expedições militares contra a Quebec francesa, e os ataques bem-sucedidos permitiam o pagamento dos soldados com a pilhagem obtida. Dessa vez, no entanto, a expedição perdeu feio, e os soldados retornaram para Boston sem pagamento e descontentes. O governo de Massachusetts, então, precisava arrumar alguma outra forma para pagá-los. Em dezembro de 1690, foram impressas 7 mil libras em notas de papel. O governo garantira que tais notas seriam resgatadas em ouro ou prata em poucos anos, e que novas notas não seriam emitidas. No entanto, já em fevereiro de 1691, o governo declarou não ter recursos novamente, e emitiu mais 40 mil libras em notas para pagar a dívida acumulada. Além disso, as notas não poderiam ser resgatadas pelos próximos 40 anos. As portas do inferno inflacionário estavam abertas!

Pelo menos em três vezes na história norte-americana, desde o fim do período colonial, os norte-americanos sofreram bastante com o sistema de fiat money. Durante a Revolução Americana, para financiar o esforço de guerra, o governo central emitiu vasta quantidade de papel-moeda, os “Continentals”. A desvalorização foi abrupta, e antes mesmo do término da guerra essas notas não tinham mais valor algum. O segundo período foi durante a guerra de 1812, quando os Estados Unidos saíram do padrão ouro, mas retornaram dois anos depois. O terceiro período ocorreu durante a Guerra Civil, com a emissão dos greenbacks, notas não resgatáveis para pagar a guerra. No final da guerra, os greenbacks tinham perdido metade de seu valor inicial. Mais recentemente, pode-se falar numa quarta fase de elevada inflação norte-americana, na década de 1970. Após medidas keynesianas adotadas pelo governo, a inflação medida pelo Índice de Preço ao Consumidor (CPI) subiu mais de 8% ao ano na década, fazendo com que o dólar perdesse metade de seu valor no período entre 1969 e 1979.

O mecanismo encontrado pelos países desenvolvidos para mitigar esse risco da política inflacionária foi justamente a criação de bancos centrais independentes, para separar o ciclo político do econômico. Com quadros técnicos e um mandato estritamente voltado para a preservação do valor da moeda, esses bancos centrais estariam mais protegidos da tentação política de apelar para o imposto inflacionário. Nem sempre essa blindagem funciona, mas ela tem sido razoavelmente eficaz no mundo livre. Já governos populistas invariavelmente seguem pela rota inflacionária, como a Venezuela e a Argentina podem atestar. Esses são os exemplos que Lula pretende seguir.

Título e Texto: Rodrigo Constantino, Revista Oeste, nº 151, 10-2-2023

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