Helena Matos
Patrão. O plano. Eutanásia. As pessoas
grávidas. As palavras tornaram-se na nossa prisão. E um dia vão perguntar-nos
como foi possível deixarmo-nos manipular assim. Mas agora é nisto que estamos.
1. Patrão. Ao usar a
palavra patrão diga sempre “eu não estou aqui a defender os patrões”.
O patrão no século XXI não é
para sanear ou abolir, coisas que só dão trabalho e falências, mas sim para
colocar ao serviço do tempo novo.
Um patrão nunca deve declarar
que para promover o emprego e os salários a legislação devia ser mais flexível,
procurar meter-se menos nas empresas ou ser reduzida. A legislação do trabalho
tem sempre de ser mais e mais. Sobrepor-se em camadas.
Um patrão é mediaticamente
falando um bom patrão se pedir programas de apoio ou crédito a fundo perdido.
Enfim se pedir Estado sob a forma de dinheiro. Querer simplesmente levar o seu
negócio é um crime: aí torna-se um explorador como aconteceu a Nuno Carvalho,
um dos donos da Padaria Portuguesa, que chamou a atenção para o impacto nos
rendimentos dos trabalhadores da presente legislação com as suas carreiras
rígidas e os seus horários pouco flexíveis.
É exatamente para domesticar
esse protótipo de patrão que concebe a empresa como um negócio e não como o
palco do neo-marxismo que deixou de querer acabar com o capitalismo para passar
a exigir ser sustentado por ele, que o legislador não para de criar medidas em
que mostra a sua extraordinária inteligência e bom coração versus a bruteza dos
patrões. Só nos últimos dias tivemos, em Portugal, um aumento de salário mínimo
que não é acompanhado pelo crescimento económico; uma votação no parlamento
sobre o aumento dos dias de férias (chumbado porque PSD votou com PS) e ainda
no parlamento a entrada de vários diplomas sobre o assédio moral no trabalho,
um problema que, dizem os jornais, afeta 16,5 por cento da população ativa,
isto apesar de entre 2011 e 2015, a Autoridade para as Condições do Trabalho
apenas ter detectado 95 infrações por assédio moral.
O que PS, PCP, PAN e o BE preveem
nesta matéria (para mais assaz vaga e tão subjetiva que assédio pode ser
simplesmente mudar um trabalhador de sala) transforma qualquer empregador num
potencial criminoso para o qual, no caso do BE, se chegou a defender a inversão
do ónus da prova. (Espantosamente não se pondera alargar aos grupos
parlamentares e aos partidos o quadro punitivo que está em discussão para o
assédio no trabalho: interdição do exercício de atividade, privação do direito
de participar em arrematações ou concursos públicos e a privação do direito em
candidatar-se a quaisquer medidas ativas de emprego e estágios profissionais.
Não duvido que alguns deles fechariam!)
Como toda esta legislação vem
com o selo mediático do avanço e da proteção aos trabalhadores, quem a critica
passa automaticamente para a categoria do explorador ou do patrão por assim
dizer. Uma categoria profissional que Portugal tolera como um mal necessário.
Mas apenas isso. Fisco oblige!
2. O plano. Corre por aí
que há um plano.
Dizem os perscrutadores de
planos que o plano por excelência é o do Presidente da República que,
explicam-nos, consiste em o Presidente por agora fazer e dizer o contrário
daquilo que pensa e defende. Até que chegue o momento em que então passará a
fazer aquilo em que acredita. Francamente, a ideia pode ser boa, mas não é
original pois planos não faltam. Alguns são realmente estrambólicos como
acontece com os do nosso Presidente ou os do PCP e BE que exigem ao PSD que
está na oposição que aprove aquilo que eles querem chumbar.
Se repararmos estes planos não
são diferentes uns dos outros. Aliás têm todos algo em comum: cada um faz de
conta que é outro e todos acreditam que no derradeiro momento – como se percebe
que um momento é o derradeiro momento? – o seu plano ganhará por antecipação.
Na verdade todos brincam às
escondidas e acham que fazem política.
3. Eutanásia. Repare-se que
a palavra eutanásia vai sendo substituída por “morte digna”. A dos outros será
indigna?
A eutanásia vai ser discutida
no parlamento. Não sei como chegámos aqui mas sei que é assim: assuntos de
extraordinária relevância vão ao parlamento num tropel mal tocam as cornetas da
nova causa. Num ápice os jornalistas passam para o lado certo, tudo são vantagens
e procedimentos rigorosos. É dado como adquirido que aquele novo desígnio terá
de ser cumprido. Uma vez aprovado o tal “avanço”, vamos sabendo que afinal o
rigor não é tão rigoroso. Por exemplo no caso das barrigas de aluguer ficámos a
saber no final do ano passado que depois da aprovação da lei, em julho, o
Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida enviou para o Ministério
da Saúde uma proposta de regulamentação em que é defendido o acesso alargado a
não residentes em Portugal a esta prática. Segundo esta proposta do Conselho
Nacional de Procriação Medicamente Assistida os casais de beneficiários — pais
biológicos da criança — podem ser estrangeiros e a gestante — a ‘barriga’ —
pode ser portuguesa ou vir com eles. Como estamos longe da irmã que ia ter um
filho para irmã! E em que ponto está a regulamentação?
No caso da eutanásia a
discussão ainda foi menor. Já enorme tem sido o desinteresse por notícias que
dão conta da enorme latitude da interpretação das condições para a prática da
eutanásia ou mais propriamente do que se entende por lesão definitiva e
incurável, doença fatal ou sofrimento atroz.
Esperar-se-ia que num mundo
que tanto discute discriminações, agressões e toda a sorte de violência real ou
imaginada se desse grande atenção ao facto de se estar a praticar eutanásia a
crianças, pessoas com depressões ou, como aconteceu na Holanda, a uma idosa
contra a sua vontade simplesmente porque o médico entendeu que ela estava em
sofrimento. Mas na verdade não foi isso que aconteceu.
Tirar a vida tal como prolongá-la
são assuntos que tocam nos valores mais profundos da nossa cultura e devíamos
discuti-los com seriedade, coisa que manifestamente não aconteceu. Um dia vão
perguntar-nos como foi possível deixarmo-nos manipular assim.
Mas agora é nisto que estamos
e não duvido que outra causa virá a seguir. Cada uma mais urgente que a outra.
Quando acabo de escrever leio
que que a British Medical Association
passou a defender que as mulheres grávidas não devem ser designadas como
futuras mães ou sequer como mulheres grávidas, mas sim como pessoas grávidas
pois há que respeitar os direitos dos transgender e dos intersexo que se sentem
discriminados com a associação automática entre as mulheres e a gravidez.
Dentro em breve cá veremos os ativistas do costume avisando-nos que doravante e
para o futuro se deve dizer pessoas grávidas… As palavras tornaram-se na nossa
prisão.
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