Aparecido Raimundo de Souza
E, de certa forma, achou o que
procurava. Embora estivesse acostumado a correr no calçadão de Copacabana, a
tomar banho de mar no Arpoador, a beber água de coco gelada no Leme e a malhar
nas melhores academias do Leblon e adjacências, o pequeno e pacato balneário de
Praia da Ponta Grossa trouxe o campesino almejado, divorciado dos burburinhos
nefastos, dos assaltos constantes e das balas perdidas, tão em moda na mais
linda e perigosa cidade do Brasil. Fredie se assemelhava muito não com o
Freddye Mercury, seu xará. Lembrava mais o Thiago Lacerda de bigode vivendo
Giuseppe Garibaldi, quando atuou na Casa das Sete Mulheres. Contudo, as
opiniões variavam entre as beldades: umas achavam o professor lavado e
escarrado o Murilo Rosa, outras com Keanu Reeves, o sujeito do Matrix.
Se pudessem colocar nele
aquelas roupas do filme, com certeza a sua performance traria, à tona, seus
poderes e segredos escondidos, sem precisarem usar dos meios eletrônicos e da
textura virtual dos computadores mais sofisticados. E “o fenômeno” como se viu
apelidado carinhosamente, provocava um “oh” em uníssono, que ressoava pelos
quatro cantos da movimentada academia.
Qualquer mulher tirava o chapéu, melhor dizendo, a calcinha, diante daquele
tremendo varapau de quase dois metros de altura. Corpo sarado, pele bronzeada,
musculoso e sem barriga, o cidadão Fredie, quando descia da sua BMW branca, de
teto solar, atraía para si, todos os olhares. Nem as velhinhas ficavam em
segundo plano. Pelo contrário. Nessa hora, as idosas recordavam os bons
momentos da longeva juventude esvaída.
Diziam, à voz miúda, que Fredie tivera um caso com a Daniella Cicarelli, e meteu na cabeça da apresentadora a ideia de ser atleta. Mesma sapatada, boatavam pelos encontros das “noviças” nos barzinhos espalhados pela Rua da Graça (local de ajuntamento da galera adolescente), que certa vez o enérgico professor foi flagrado beijando a Angélica na boca, antes, claro, do narigudo Luciano Hulk aparecer no pedaço e fungar no cangote da cantora e atriz levado pelas febres doentias do ciúme. Depois veio à tona, uma suposta incursão relâmpago entre as meninas do Rouge tirando umas casquinhas com a Patricia Lissa, ao som do Ragatanga, em último volume, numa suite de um SPA em Águas de Lindoia, interior de São Paulo. Pelo sim, pelo não, o rapaz de vinte e cinco anos tinha lá seus dotes escondidos na manga da camisa. Fredie não se constituia só músculos e pernas: tinha tutano no cérebro. Apreciava os clássicos da literatura, como os romances policiais de Arthur Conan Doyle, Jorge Amado e Ariano Suassuna.
Ouvia Supla, Alceu Valença,
Nara Leão e Louis Armstrong. Amava, de paixão, Leonardo DiCaprio, Nicolas Cage
e Meryl Streep, passando por Reese Witherspoon e os desenhos do Maguila, o Gorila
e o Coelho Pernalonga. No seu pequeno e confortável loft na avenida principal
de Praia da Ponta Grossa (de frente para um oceano lindo e maravilhoso), ele
colecionava de tudo um pouco, inclusive telas de Albert Eckhout e serigrafias
de Alex Vallauri. Sua vidinha corria às mil maravilhas. As alunas o adoravam.
Ganhava presentes, flores, mensagens de amor, torpedos pelo celular, propostas
de casamento, telefonemas anônimos... até que, numa certa sexta-feira, depois
do expediente normal da academia, duas amigas que malhavam juntas voltaram ao
prédio. Uma delas havia esquecido, no vestiário, uma mochila com as chaves de
casa.
Ao entrarem no saguão, notaram
que a porta da recepção estava só encostada e mais: perceberam luz no final do
corredor em formato de L, à altura da porta envidraçada que acessava uma das
salas de hidromassagens. À medida que avançavam, iam gritando pela Carina e
pelo esposo dela, o Marcinho, esses dois proprietários, junto com a irmã dele,
a Luciana. Isa, a rapariga que atendia na recepção saía exatamente às oito em
ponto e ia embora de moto, com o namorado. Portanto, não poderia ser ela,
aquela hora, ali, sozinha. Apesar disso, e a medida em que ganhavam terreno,
chamavam por ela, como também pelo Marcinho, pela Carina e Luciana. Todavia,
não obtinham nenhum tipo de resposta. A luz acesa, porém, indicava que havia
alguém nos fundos. Quem poderia ser?
Um ladrão? Impossível: o
lugarejo calmo demais. A maioria das
famílias dormia com as portas e janelas abertas. Ao chegarem à saleta onde
ficava o vestiário masculino, as duas deram de testa com uma cena hilariante e
patética. Aliás, nojenta e asquerosa. Fredie, completamente sem roupas, jazia,
prostrado no chão, de quatro. Ambas as mãos se apoiavam num banco de cimento
fixo. O deus grego gemia como um possesso. Por detrás dele, igualmente pelado e
alicerçado em palavras ininteligíveis, Marcinho, de flauta engatada na
retaguarda do seu funcionário predileto, desfrutava tocando as suas partes
pudentes em movimentos de notas cadenciadas. As abelhudas arregalaram as
butucas, se beliscaram uma a outra, ao verem a sua barriga dando, em contínuo,
tremendas cabeçadas à altura de onde o furisco do consentidor ia sendo
furiosamente penetrado.
Os amantes, pelo óbvio da
emoção, não atinaram com as enxeridas. Na verdade, os rapazes se faziam meio
que alheios para a entrada e, naturalmente abafados pelos sons histéricos que
produziam, não perceberam as intrusas no hall que acessava aquele cômodo. O
fato, entretanto, é que as senhoritas
presenciaram tudo até o momento exato em que, extasiados, os
enrabichados, transpirando em bicas, alcançaram o clímax. Boquiabertas, chocadas
e constrangidas pelo que haviam presenciado, trataram de dar o fora, de
mansinho, pé ante pé (inclusive por medo de represálias futuras) até que,
livres, puderam respirar aliviadas, lá fora, no aconchego de uma padaria oposta
à academia. A coisa, porém, não ficou no anonimato. A noticia vazou, sabe-se lá
como. Virou fofoca. Um “disse-que-disse” que não teve quem segurasse. Por
derradeiro, tomou lugar comum e chegou ao conhecimento dos demais
frequentadores e funcionários.
A partir dessa descoberta
espantosa e inédita para os anais da pacífica e ordeira cidade, todas as moças
do pedaço passaram a olhar para o lindíssimo e bem apessoado professor com
outros sentimentos, ou seja, com os esgares de reprovação, de raiva e de
profunda tristeza. Afinal de contas, um homenzarrão daqueles, um pedaço de
caminho que qualquer mulher gostaria de viajar com a beldade à tiracolo,
contrariava todas as regras do bom senso. Além de remar às avessas dos
preceitos sociais e, logicamente, por atirar baldes de água fria nos corações
apaixonados que se despedaçavam por ele. O que foi visto pelas duas alunas, se
espalhou como água morro abaixo, fogo barranca acima. O pior, na verdade
aconteceu depois. Carina se separou do Marcinho. Entrou na justiça em face da
sociedade da academia.
A ala feminina, em coletivo
(ao saber e descobrir que o filho de uma boa mãe não gostava, nem um pouquinho,
de ver as pererecas pulando de dentro das minúsculas pecinhas de nylon numa
variante de formas e cores), debandou em postura melancólica para a academia
concorrente. Resumindo: pelo desequilíbrio insensato de ter se embrenhado no
buraco errado, e "piormente", ser pilhado em agravo, com a boca na
botija, Marcinho bancarroteou. Quatro meses depois se viu obrigado a vender a
academia praticamente por um preço irrisório justamente ao seu maior
concorrente. Na separação proposta pela Carina, perdeu para ela, além dos
cinquenta por cento da academia, o apartamento onde moravam e os dois carros. E
o bonitão do Fredie? O que aconteceu com ele? Ridicularizado por toda a
comunidade, não tendo onde meter a sua pose principesca, voltou, de mala e
cuia, para o Rio de Janeiro.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, do Rio de Janeiro. 15-3-2022
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Juro por tudo quanto é sagrado, fiquei com pena da minha xara Carina. Ainda bem que ela, espertalhona, ficou com os 50% da academia o apê e os dois carros. Essa história de entrar pelo buraco errado... O Fredie deveria ter levado com ele o Marcinho de volta pra o Rio. Besta e tonta, eu, aqui, achei que o desgraçado do professor estava de caso com a secretária Isa, ou com a esposa do proprietário ou com a Luciana. No pior dos mundos, com uma das alunas. Aparecido, como sempre, me surpreendeu, tirando o foco das moças. Fim magnífico e não esperado. A cada dia me surpreende com seus fins trágicos. Além dos parabéns, nota MIL.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
em Vila Velha ES
Aparecido, sempre genial e muito criativo. Adorei o texto. Parabéns!
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