sexta-feira, 11 de março de 2022

[Aparecido rasga o verbo] Além de beldroega com as mãos cheirando a estrume da morte

Aparecido Raimundo de Souza

NESSE EXATO MOMENTO, estou de volta à minha rotina cotidiana. A memória normalizou. São as emoções da idade. Nos meus janeiros vividos, os frêmitos desses impulsos vão e voltam. Se fazem intransponíveis, em face dos abismos que se abrem e custam a se fechar, como uma ferida que não cicatriza. Quando esses entusiasmos se adstringem, eu volto à normalidade do instante em que se fizeram presentes. Como agora, me lembro de tudo. Meu nome é José João Antão. O Antão é do meu falecido pai, de fato, sem tirar nem destirar, um antão-anta meio esquizofrênico no sentido exato da palavra. Deambulo pelas ruas, atravesso avenidas e praças, cruzo lagos e jardins. Estou procurando. E por que faço isso? Ora, bolas, simplesmente por estar procurando. Ok! Até aqui morreu a Maria Vai Com as Outras sem gozar, com o seu atual amado na cama luxuosa de algum palácio imaginário.

Sigo, pois, fuçando aqui e acolá, e, de certa forma, fugindo também. Mas por Deus, procurando o quê? Pior, fugindo do quê? E para quê?! Não vou dizer o que estou à cata, tampouco do que realmente me ponho em rota de escape. Há uma oscilação em minha consciência, que me esfacela os nervos num estrépido enervante e os reduz à frangalhos. Nesses azos, quase piro na batatinha, se é que num distúrbio como o meu se consegue ficar tantã agarrado a um tubérculo comestível, por mais que ele, intimamente, tente me seduzir dando uma de Pabllo Vittar expondo aos meus espeloteados à sua falsa flor de regaço. Posso dealvar, à guisa de explicação, o que procuro. Somente pode ser encontrado em um lugar pouco comum, fora das lojas de fisionomias duvidosas, afastado dos restaurantes granfinos, distante dos parques abertos às classes dos ricaços e poderosos.

Procuro, incansável, alguma coisa rara nas terras devolutas, busco igualmente nos abandonos dos sem tetos, fuço nas tristezas dos que perderam algo valioso e de suma importância. Essa escrutinação inglória tanto pode estar à quilômetros de mim, como enfurnada nos inferninhos onde a prostituição tiver livre arbítrio, como nas cadeiras do Senado e na Câmara, notadamente dos vagabundos que vivem às nossas custas em Brasilia. Dentro em breve, me depararei, com a joia que espiono. Pelo menos, assim espero! Acho melhor abrir o jogo e deixar tudo em pratos limpos. Esses truões que me perseguem, pensam ser os tutores da minha própria vontade. Negativo! Fazem parte de uma cambada enorme de putins e putinhas, chacais e maquiavélicos de meia pataca. Covardes valetudinários que jamais me convencerão a invadir a Ucrânia. Meu ucrânio perdeu o cérebro faz tempo.

Remonta desde que Elvis Presley cantava Roberta Miranda em festinhas de aniversários nos arredores de Tupelo, no Mississípi. Às vezes me sinto como se estivesse desmoronando, me amesquinho no oco de mim mesmo. Não li Kafka, confesso. Estou esperando vir, de Praga, a cidade onde ele nasceu, a sua “Metamorfose” na versão em quadrinhos coloridos. Enquanto não chega, leio os jornais do dia que me trazem notícias esquisas de acontecimentos que nem sei se são verdadeiros ou não. Na verdade, sou meio retrógrado. Perdi a garrula da loquacidade e não atino onde exatamente. Meus sobressaltos, por conta, se parecem com velhos prédios de arrabaldes sendo dinamitados. Lembram do Word Trade Center? Eu era a Torre Norte, que mantinha, no topo, as antenas de televisão.

Noutras, me assemelho às rechãs e encostas, as chapadas e barrancas da imperial Petrópolis, trazendo, à pique, moradores que sofrem, todos os anos do mesmo mal e ninguém consegue espantar a figura do risco iminente —, melhor dito —, do ensejo cataclísmico e obnóxio que avassala por aquelas paragens batizado pelos que resistem a seus adoecimentos, como a figura do velho e tinhoso diabo, visto que sempre o “encapetado” renasce das cinzas. Por ordem dessas coisas meio “neurastênicas”, me quedo um bom pedaço desmantelado. Sofro, padeço como se visse alguém sacrificando um elefante que perdeu o seu apêndice alongado porque o introduziu onde não devia.  Sentado num banco de praça, passo algumas horas olhando os pássaros em busca do que comer.

As pessoas são como aves de arribação. Se matam para poderem ter uma refeição à altura de suas voracidades incontroláveis. Observo o meio-busto de um herói com semblante esgarçado que, em tempos de outrora, exerceu as funções de político honesto e fez fortuna mamando nas tetas das castas abaixo das linhas da pobreza. Com o passar dos tempos, esse herói reconhecido virou pista de aeroporto para pombos heteróclitos em processo de descanso. Entendo que as praças existem para isso. Para imortalizarem os personagens destacados como os “ladrões de ontem”, bem ainda para receberem os passarinhos e pombos, e, igualmente, para acomodarem os longevos com seus olhares cansados e os ajudarem a introspectivarem sobre suas vidas passadas. É possível que muitos desses anciões encontrem os amigos e matem o tempo jogando partidas de cartas e dominós.

Praças que se presam precisam ter árvores, coretos, chafarizes, muitos bancos, estátuas e plantas. As mais diversas flores para que a alegria se personifique. Falando em árvores, por puro milagre, topei com uma bem legal. Excelente no sentido de diferente. Descobri, por acaso da sorte, um abacateiro que dá abacaxis com ares de melancias. Subi nele, tronco acima, me agarrando aos seus galhos. Nessa tentativa quase frustrada, me arranhei todo. A minha pele ficou como a de um gato que perdeu as sete vidas caminhando por roteiros bandalhos. Não bastasse esse imprevisto, fui mordido por formigas pervertidas que cantavam, em cantochão uma antiga do Agnaldo Timóteo. Graças ao céu, tive a sorte de encontrar uma faca abandonada no topo. Um desastrado deve ter esquecido.

De posse dela, desci e me acomodei enquanto me coçava. Malditas formigas. Meu Deus! Na praça? Logo eu, dando bobeira na fervura desse lugar sem papas nos olhos? Devo estar totalmente mentecaptado. Devo não seria o termo correto. Estou. Aqui na praça, mercê de eventos danosos, eles me acharão num abrir e piscar de olhos. Eles quem? Ora bolas, eles, as entidades desconhecidas, os homens das roupas que refletem todos os raios luminosos. Tenho plena convicção que esses filhos da mãe não desistirão de me apanharem assim que tiverem a primeira oportunidade. Eles, sempre eles, os tresloucados, com aquelas vestimentas brancas. Parecem fantasmas assustados tentando pegar um metrô superlotado para voltarem às sepulturas sombrias de onde saíram disfarçados como puxadores de sacos do PT de Lula. Nessa hora de puro aperreio, eu gostaria de poder me esconder na casa de um dos meus parentes.

Os parentes, nem mesmo os mais chegados, me visitavam quando eu mal sabia onde tinha os buracos do nariz. Em tempos de agora, o filme em cartaz que passa na tela do meu existir se modificou. Isso é certo como a morte de Jesus no Calvário. Voltando aos meus consanguíneos (olhando por outra ótica), como iriam me ceder um canto para eu me enfiar? Meus familiares, nem Freud e suas teorias explicariam. Ainda que os tivesse conhecido, as suas observações psicanálicas iriam parar, indubitavelmente na casa do Ciro Gomes. Ciro Gomes é aquele pária que não fala direito dando a impressão de ter um pau entalado na goela. Droga! Eu aqui divagando e me esquecendo do perigo antônimo que me espreita. Esse fato está consumado, como a falência abrupta dos meus sonhos, a cerimônia fúnebre do velório incontestável do meu amanhã e o sepultamento inopinado dos anos passados, onde os arpejos da Felicidade me sorriam de uma forma indescritível e magnânima.

Eu sou um Mané de carteirinha, tipo o João Dória. Pior que ele, me fiz estúpido e apatetado. Sentado nessa praça, olhando os pombos e os passarinhos, atino com a realidade. Rasteiro, me ponho de pé, recolho meus andrajos e começo a debandar. Por precaução, me embrenho por uma viela paralela, à principal. Calçada nua, de rua sem asfalto, é coisa de debiloide. Todavia, nesse instante, me parece mais uma via de tranquilidade e cautela. Eu tenho que estar escondido numa bolha. Nessa senda pela qual me enfio agora, só há um problema. Não existem árvores para que eu dispute o cetro. Tampouco, na praça que me surge do nada, um real escudeiro onde me abrigue sem mais delongas. Compreendo que abri a guarda. Corro perigo. Um perigo iminente. Sempre o mais do mesmo enredado se fazendo a um jogo onde o incerto literalmente prevalece num terreno inacessível de jogo invertido.

De repente, do nada, um furgão com uma cruz maior que a do pagador de promessas que o Dias Gomes enfiou nas cuecas de Zé do Burro estanca perto de mim. A freada do veículo é brusca. Dele saltam três homens. São os miseráveis. Não os de Victor Hugo. Outros pulhas e canalhas saídos de esgotos e boeiros imundos. Se vestem com aquelas roupas brancas. Eles nunca tiram os jalecos brancos. Um deles, o que parece ser o chefão da tropa, me encara como um veado-bicha desmilinguido. De pronto me reconhece. Desmunheca. Com voz de taquara rachada, tipo a Dilma (aquela jumenta que roubousseffsete) avisa aos outros. Berra, com aspereza excessiva para provar aos que o acompanham que é macho de verdade: “É o desgraçado que estamos procurando. Não o deixem escapar”.

A turma parte para cima, como se eu fosse um cervo ferido e condenado. Corro em ziguezague. Desembesto espavorido. Meus calcanhares, nessa empreitada, se alimentam de estuporações e fobias até então nunca sentidos. As debandas, por puro azar, resultam em vão! Um dos brutamontes me segura pelos braços. Os outros dois pelos fundilhos da jeans cheirando à merda. Eles têm uma maneira de grampear a gente pelas partes baixas que não machuca, nem deixa marcas, porém, se tentarmos nos soltar, o desafio do efúgio se torna impraticável. Comigo não poderia ser diferente:

“Vamos, senhor Bezerra, vamos”.
“Meu nome não é Bezerra, é José João Antão”.
“Sim senhor, seu José João Antão. O que me diz se lhe convidarmos para um passeio até a Ilha da Fantasia?.”

Sem preâmbulos eles me atiram para dentro do furgão e eu me vejo como um boi fujão à caminho do matadouro. Não adianta querer me soltar. Acho que me deram uma injeção tipo boa noite Cinderela assim que me deitaram na maca. O fato é que apesar da minha ansiedade crescente, apaguei os filamentos. Vi estrelas. Sonhei Branca de Neve e os sete anões. Cumprimentei nessa quimera, a Chapeuzinho Vermelho antes de ser comida pelo Lobo Mau e o salafrário, depois de se fartar, palitar os dentes com a vovozinha. Socorro, parem o avião —, perdão —, o furgão que eu quero descer. Eles sempre foram assim.  Os homens de jaleco branco sempre foram assim. Gostam de me dar injeções. E o suplício de todo o sempre continua e segue auspicioso, tudo porque não tenho um porto seguro.

Nesse momento amargo, o relógio da parede do quarto para onde me trouxeram, sinaliza uma hora insana. Me olho e percebo que estou com aquela camisola que embora colada como uma segunda pele deixa as costas e o rego do furisco à visitação de curiosos. Deve ser para a bunda pegar uma fresca. Na Ilha da Fantasia um elemento até então desconhecido invade o ambiente. “Está na hora da sua injeção”.

“De novo? Injeção? Que injeção? — Dessa vez para quê?!” Quando dou por mim, quando acordo do pesadelo, pareço emergir de um profundo estupor. A excitação que me acalanta é por demais palpável. Me projeto, a alma em pânico, como um desses rotulados de mais um “sem o juízo perfeito” para um terraço contíguo. Adoidadamente pulo. Sou agora um Ícaro destrambelhado e sem asas tentando aterrissar nas ceras dos colhões do STF.

Em queda livre me defronto com o rulo de um abismo que se imensura à minha frente. O firmamento está azul como a língua do miSInistro Fachim-Chim. Assemelha, essa alma penada, a um mar celestial revolto e pronto para me afogar em suas profundezas. “Tô fora, mano, vá caçar seu rumo!”. Meu corpo pesa umas cinco toneladas, incluindo meus desejos sexuais mais utópicos. Me esborracho feito pudim no cimento frio da calçada que circunda o prédio da Ilha da Fantasia, para onde vim trazido à força. Ei, calma lá, galera. Muita hora nessa calma... dos males, o melhor. Achei, viva, viva! Encontrei... puta que pariu... me esbarrei, me vejo, nesse momento bigode à bigode... topei com a coisa rara, a joia almejada, enfim, o que incansavelmente procurava: a P A Z!

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do Rio de Janeiro. 12-3-2022 

Anteriores: 
[Aparecido rasga o verbo] Óbitos 
Radicalmente eficaz 
Atividade paralela 
Carta a meus filhos (“Nemo inauditus debet damnari”) 
[Aparecido rasga o verbo – Extra] A Estrela de brilho eterno não se foi: apenas virou canção 
Como amansar um companheiro violento? 
Bigode na tuba 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-