Aparecido Raimundo de Souza
Sigo, pois, fuçando aqui e
acolá, e, de certa forma, fugindo também. Mas por Deus, procurando o quê? Pior,
fugindo do quê? E para quê?! Não vou dizer o que estou à cata, tampouco do que
realmente me ponho em rota de escape. Há uma oscilação em minha consciência,
que me esfacela os nervos num estrépido enervante e os reduz à frangalhos.
Nesses azos, quase piro na batatinha, se é que num distúrbio como o meu se
consegue ficar tantã agarrado a um tubérculo comestível, por mais que ele,
intimamente, tente me seduzir dando uma de Pabllo Vittar expondo aos meus
espeloteados à sua falsa flor de regaço. Posso dealvar, à guisa de explicação,
o que procuro. Somente pode ser encontrado em um lugar pouco comum, fora das
lojas de fisionomias duvidosas, afastado dos restaurantes granfinos, distante
dos parques abertos às classes dos ricaços e poderosos.
Procuro, incansável, alguma
coisa rara nas terras devolutas, busco igualmente nos abandonos dos sem tetos,
fuço nas tristezas dos que perderam algo valioso e de suma importância. Essa
escrutinação inglória tanto pode estar à quilômetros de mim, como enfurnada nos
inferninhos onde a prostituição tiver livre arbítrio, como nas cadeiras do
Senado e na Câmara, notadamente dos vagabundos que vivem às nossas custas em
Brasilia. Dentro em breve, me depararei, com a joia que espiono. Pelo menos,
assim espero! Acho melhor abrir o jogo e deixar tudo em pratos limpos. Esses
truões que me perseguem, pensam ser os tutores da minha própria vontade.
Negativo! Fazem parte de uma cambada enorme de putins e putinhas, chacais e
maquiavélicos de meia pataca. Covardes valetudinários que jamais me convencerão
a invadir a Ucrânia. Meu ucrânio perdeu o cérebro faz tempo.
Remonta desde que Elvis Presley cantava Roberta Miranda em festinhas de aniversários nos arredores de Tupelo, no Mississípi. Às vezes me sinto como se estivesse desmoronando, me amesquinho no oco de mim mesmo. Não li Kafka, confesso. Estou esperando vir, de Praga, a cidade onde ele nasceu, a sua “Metamorfose” na versão em quadrinhos coloridos. Enquanto não chega, leio os jornais do dia que me trazem notícias esquisas de acontecimentos que nem sei se são verdadeiros ou não. Na verdade, sou meio retrógrado. Perdi a garrula da loquacidade e não atino onde exatamente. Meus sobressaltos, por conta, se parecem com velhos prédios de arrabaldes sendo dinamitados. Lembram do Word Trade Center? Eu era a Torre Norte, que mantinha, no topo, as antenas de televisão.
Noutras, me assemelho às
rechãs e encostas, as chapadas e barrancas da imperial Petrópolis, trazendo, à
pique, moradores que sofrem, todos os anos do mesmo mal e ninguém consegue
espantar a figura do risco iminente —, melhor dito —, do ensejo cataclísmico e
obnóxio que avassala por aquelas paragens batizado pelos que resistem a seus
adoecimentos, como a figura do velho e tinhoso diabo, visto que sempre o
“encapetado” renasce das cinzas. Por ordem dessas coisas meio “neurastênicas”,
me quedo um bom pedaço desmantelado. Sofro, padeço como se visse alguém
sacrificando um elefante que perdeu o seu apêndice alongado porque o introduziu
onde não devia. Sentado num banco de
praça, passo algumas horas olhando os pássaros em busca do que comer.
As pessoas são como aves de
arribação. Se matam para poderem ter uma refeição à altura de suas voracidades
incontroláveis. Observo o meio-busto de um herói com semblante esgarçado que,
em tempos de outrora, exerceu as funções de político honesto e fez fortuna
mamando nas tetas das castas abaixo das linhas da pobreza. Com o passar dos
tempos, esse herói reconhecido virou pista de aeroporto para pombos
heteróclitos em processo de descanso. Entendo que as praças existem para isso.
Para imortalizarem os personagens destacados como os “ladrões de ontem”, bem
ainda para receberem os passarinhos e pombos, e, igualmente, para acomodarem os
longevos com seus olhares cansados e os ajudarem a introspectivarem sobre suas
vidas passadas. É possível que muitos desses anciões encontrem os amigos e
matem o tempo jogando partidas de cartas e dominós.
Praças que se presam precisam
ter árvores, coretos, chafarizes, muitos bancos, estátuas e plantas. As mais
diversas flores para que a alegria se personifique. Falando em árvores, por
puro milagre, topei com uma bem legal. Excelente no sentido de diferente.
Descobri, por acaso da sorte, um abacateiro que dá abacaxis com ares de
melancias. Subi nele, tronco acima, me agarrando aos seus galhos. Nessa
tentativa quase frustrada, me arranhei todo. A minha pele ficou como a de um
gato que perdeu as sete vidas caminhando por roteiros bandalhos. Não bastasse
esse imprevisto, fui mordido por formigas pervertidas que cantavam, em
cantochão uma antiga do Agnaldo Timóteo. Graças ao céu, tive a sorte de
encontrar uma faca abandonada no topo. Um desastrado deve ter esquecido.
De posse dela, desci e me
acomodei enquanto me coçava. Malditas formigas. Meu Deus! Na praça? Logo eu,
dando bobeira na fervura desse lugar sem papas nos olhos? Devo estar totalmente
mentecaptado. Devo não seria o termo correto. Estou. Aqui na praça, mercê de
eventos danosos, eles me acharão num abrir e piscar de olhos. Eles quem? Ora
bolas, eles, as entidades desconhecidas, os homens das roupas que refletem
todos os raios luminosos. Tenho plena convicção que esses filhos da mãe não
desistirão de me apanharem assim que tiverem a primeira oportunidade. Eles,
sempre eles, os tresloucados, com aquelas vestimentas brancas. Parecem
fantasmas assustados tentando pegar um metrô superlotado para voltarem às
sepulturas sombrias de onde saíram disfarçados como puxadores de sacos do PT de
Lula. Nessa hora de puro aperreio, eu gostaria de poder me esconder na casa de
um dos meus parentes.
Os parentes, nem mesmo os mais
chegados, me visitavam quando eu mal sabia onde tinha os buracos do nariz. Em
tempos de agora, o filme em cartaz que passa na tela do meu existir se
modificou. Isso é certo como a morte de Jesus no Calvário. Voltando aos meus
consanguíneos (olhando por outra ótica), como iriam me ceder um canto para eu
me enfiar? Meus familiares, nem Freud e suas teorias explicariam. Ainda que os
tivesse conhecido, as suas observações psicanálicas iriam parar,
indubitavelmente na casa do Ciro Gomes. Ciro Gomes é aquele pária que não fala
direito dando a impressão de ter um pau entalado na goela. Droga! Eu aqui
divagando e me esquecendo do perigo antônimo que me espreita. Esse fato está
consumado, como a falência abrupta dos meus sonhos, a cerimônia fúnebre do
velório incontestável do meu amanhã e o sepultamento inopinado dos anos
passados, onde os arpejos da Felicidade me sorriam de uma forma indescritível e
magnânima.
Eu sou um Mané de carteirinha,
tipo o João Dória. Pior que ele, me fiz estúpido e apatetado. Sentado nessa
praça, olhando os pombos e os passarinhos, atino com a realidade. Rasteiro, me
ponho de pé, recolho meus andrajos e começo a debandar. Por precaução, me
embrenho por uma viela paralela, à principal. Calçada nua, de rua sem asfalto,
é coisa de debiloide. Todavia, nesse instante, me parece mais uma via de
tranquilidade e cautela. Eu tenho que estar escondido numa bolha. Nessa senda
pela qual me enfio agora, só há um problema. Não existem árvores para que eu
dispute o cetro. Tampouco, na praça que me surge do nada, um real escudeiro
onde me abrigue sem mais delongas. Compreendo que abri a guarda. Corro perigo.
Um perigo iminente. Sempre o mais do mesmo enredado se fazendo a um jogo onde o
incerto literalmente prevalece num terreno inacessível de jogo invertido.
De repente, do nada, um furgão
com uma cruz maior que a do pagador de promessas que o Dias Gomes enfiou nas
cuecas de Zé do Burro estanca perto de mim. A freada do veículo é brusca. Dele
saltam três homens. São os miseráveis. Não os de Victor Hugo. Outros pulhas e
canalhas saídos de esgotos e boeiros imundos. Se vestem com aquelas roupas
brancas. Eles nunca tiram os jalecos brancos. Um deles, o que parece ser o
chefão da tropa, me encara como um veado-bicha desmilinguido. De pronto me
reconhece. Desmunheca. Com voz de taquara rachada, tipo a Dilma (aquela jumenta
que roubousseffsete) avisa aos outros. Berra, com aspereza excessiva para
provar aos que o acompanham que é macho de verdade: “É o desgraçado que estamos
procurando. Não o deixem escapar”.
Sem preâmbulos eles me atiram
para dentro do furgão e eu me vejo como um boi fujão à caminho do matadouro.
Não adianta querer me soltar. Acho que me deram uma injeção tipo boa noite
Cinderela assim que me deitaram na maca. O fato é que apesar da minha ansiedade
crescente, apaguei os filamentos. Vi estrelas. Sonhei Branca de Neve e os sete
anões. Cumprimentei nessa quimera, a Chapeuzinho Vermelho antes de ser comida
pelo Lobo Mau e o salafrário, depois de se fartar, palitar os dentes com a
vovozinha. Socorro, parem o avião —, perdão —, o furgão que eu quero descer.
Eles sempre foram assim. Os homens de
jaleco branco sempre foram assim. Gostam de me dar injeções. E o suplício de
todo o sempre continua e segue auspicioso, tudo porque não tenho um porto
seguro.
Nesse momento amargo, o
relógio da parede do quarto para onde me trouxeram, sinaliza uma hora insana.
Me olho e percebo que estou com aquela camisola que embora colada como uma
segunda pele deixa as costas e o rego do furisco à visitação de curiosos. Deve
ser para a bunda pegar uma fresca. Na Ilha da Fantasia um elemento até então
desconhecido invade o ambiente. “Está na hora da sua injeção”.
“De novo? Injeção? Que
injeção? — Dessa vez para quê?!” Quando dou por mim, quando acordo do pesadelo,
pareço emergir de um profundo estupor. A excitação que me acalanta é por demais
palpável. Me projeto, a alma em pânico, como um desses rotulados de mais um
“sem o juízo perfeito” para um terraço contíguo. Adoidadamente pulo. Sou agora
um Ícaro destrambelhado e sem asas tentando aterrissar nas ceras dos colhões do
STF.
Em queda livre me defronto com
o rulo de um abismo que se imensura à minha frente. O firmamento está azul como
a língua do miSInistro Fachim-Chim. Assemelha, essa alma penada, a um mar
celestial revolto e pronto para me afogar em suas profundezas. “Tô fora, mano,
vá caçar seu rumo!”. Meu corpo pesa umas cinco toneladas, incluindo meus
desejos sexuais mais utópicos. Me esborracho feito pudim no cimento frio da
calçada que circunda o prédio da Ilha da Fantasia, para onde vim trazido à
força. Ei, calma lá, galera. Muita hora nessa calma... dos males, o melhor.
Achei, viva, viva! Encontrei... puta que pariu... me esbarrei, me vejo, nesse
momento bigode à bigode... topei com a coisa rara, a joia almejada, enfim, o
que incansavelmente procurava: a P A Z!
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, do Rio de Janeiro. 12-3-2022
Anteriores:
[Aparecido rasga o verbo] Óbitos
Radicalmente eficaz
Atividade paralela
Carta a meus filhos (“Nemo inauditus debet damnari”)
[Aparecido rasga o verbo – Extra] A Estrela de brilho eterno não se foi: apenas virou canção
Como amansar um companheiro violento?
Bigode na tuba
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não aceitamos/não publicamos comentários anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-