Nelson Ribeiro Fragelli
Em outubro de 2016 uma
sondagem de opinião do prestigioso instituto francês IPSOS fazia uma revelação:
88% dos franceses estão profundamente insatisfeitos com os rumos do país.
Em maio deste ano, novo estudo
de opinião — o relatório anual do Conselho econômico, social e ambiental (CESE)
— agravou ainda mais o ânimo nacional. “Le Monde” (24-5-17) cita trechos desse
estudo, revelador do atual pessimismo dos franceses que, desorientados, não
sabem o que fazer. Não se mobilizam e se consideram condenados a viver dias
ainda piores. O estudo acrescenta que se torna urgente um despertar coletivo.
À guisa de resumo de suas
conclusões, o relatório põe em destaque uma frase do socialista histórico Jean
Jaurès, pronunciada pouco antes de seu assassinato em 1914: “Há na
França, a propósito dos problemas vitais, uma inércia do pensamento, uma
sonolência do espírito.” As recentes eleições presidenciais e
legislativas confirmam esse diagnóstico.
*
* *
Diante desse quadro, tudo se
arranja na política francesa para que o recém-eleito jovem presidente Emmanuel
Macron erga a cabeça de seu país entorpecido. O esforço publicitário para
apresentá-lo revestido de grandezas passadas é imenso. Jornais e revistas, de
esquerda e de direita, apresentam-no vistosamente em uniformes de Napoleão ou
sentado com majestade num trono.
Vladimir Putin veio
homenageá-lo. O encontro foi no majestático cenário do Palácio real de
Versalhes [foto ao lado], cujos suntuosos corredores e salões ambos
percorreram. Na Galeria das Batalhas eles se cercaram de pinturas magníficas de
combates legendários. Quinze séculos de heroísmo os emolduravam, desde Clóvis,
vencedor de Tolbiac em 496, até as vitórias de Napoleão em Austerlitz e Wagram.
Seriam os dois vivazes políticos, de passado desconhecido, emanações modernas
daqueles heróis? A encenação o sugeria. Mas os personagens não cabiam no papel…
Os jardins de Versalhes
acolheram seus passos. Putin, habitualmente inexpressivo, olhava para Macron
como um ajudante de ordens poderia olhar seu general após a vitória. E Macron
parecia não vê-lo. Fitava o longínquo horizonte em sonhos grandiosos…
A representação não está
convencendo. Apenas eleito, Macron deveria ser confirmado pelo voto popular no
primeiro turno das eleições parlamentares, em 11 de junho. Seu partido saiu
favorito, mas com o menor número de votos já obtidos por um governo na V
República. A abstenção bateu recorde histórico. Não houve o “despertar
coletivo” desejado pelo CESE.
Em 18 de junho deu-se o
segundo turno. Novo recorde de abstenção: 57%. Somados aos votos em branco,
temos 64% dos eleitores que não se importam com Macron, nem com os rumos da
Nação. No dia seguinte, o jornal alemão “Die Welt” escreveu que a encenação
tentava pôr Macron no trono de Júpiter, o pai dos deuses. Mas, a olhos vistos,
não está dando certo. Apesar do pouco caso dos eleitores, Macron obteve maioria
parlamentar. Só que seu trono tem apenas as duas pernas de trás. As duas da
frente são as dele mesmo.
Título, Imagens e Texto: Nelson Ribeiro Fragelli, ABIM,
30-6-2017
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-