Helena Garrido
O regime está muito mais doente do que
parece. Casos como a TAP, Carlos César ou EDP são apenas a ponta do iceberg. Os
políticos e a justiça andam a brincar com o fogo. O povo não é estúpido.
Até António Costa assumir a
liderança do Governo, com o apoio da esquerda, o regime tinha no PCP e no Bloco
de Esquerda os principais guardiões do regime. Sendo contra o sistema eram, na
prática, o seu seguro de vida com a denúncia dos abusos de poder do bloco
central, protagonizados pelo PS e PSD.
Neste momento, comunistas e
bloquistas começam de novo a apontar o dedo ao assalto à administração pública
e a algumas empresas, mas estão completamente manietados pelo PS. As suas
críticas existem, mas a sua eficácia é bastante reduzida, desconhecendo-se se é
por puro cálculo político ou se existem outras razões. O PSD de Pedro Passos
Coelho acaba por ser o que grita mais alto “é uma vergonha”. Mas ninguém o quer
ouvir, quer porque os sociais-democratas também têm um passado longe de estar
limpo, quer porque Passos deixou cair nas suas costas a responsabilidade pelos
anos de chumbo da troika.
Do lado da justiça estamos a
percorrer um perigosíssimo caminho, como alerta Nuno Garoupa, um dos
economistas portugueses que conhece mais profundamente o sistema português.
Sucedem-se os casos, há uma generalização de arguidos no PSD, no PS e entre os
gestores de empresas com ligações diretas ou indiretas a negócios com o Estado.
O caso mais grave é o de José Sócrates por ter sido primeiro-ministro. Mas
continuamos a ter os casos BPN e BES juntando-se agora a EDP.
Ter arguidos, ou mesmo
acusados, sem condenações será tanto ou mais grave do que não iniciar os
processos contra os “poderosos”. Claro que não se está a defender que a justiça
force condenações para se salvar a ela própria. Mas investigadores,
procuradores e juízes têm de ter consciência do enorme desafio que têm pela
frente. E têm de ter a noção da ameaça ao regime que constituem processos menos
cuidados contra figuras mediáticas vistas como poderosas pela opinião pública.
Já vai longe o tempo em que
António Guterres se demitiu por considerar que vivíamos num “pântano”. Desse
ponto de vista foi visionário. Não conseguindo secar o pântano foi-se embora,
como depois fez o mesmo José Manuel Durão Barroso. Cada um tratou da sua vida à
sua maneira. Tendo estes exemplos como referência, resta-nos agradecer a quem
ficou, a Pedro Passos Coelho e agora a António Costa. E não é ironia.
O país está neste momento
demasiado polarizado para perceber que há políticos que se dedicam de facto à
causa pública. Podemos não concordar com eles mas quer Passos Coelho como Costa
têm uma carreira que nos mostra que procuram o bem público – tal como Jerónimo
de Sousa, Catarina Martins e Assunção Cristas.
Dito isto, aquilo a que
assistimos são a escolhas ditadas por convicções, circunstâncias ou
condicionalismos diversos tendo como pano de fundo a manutenção do poder.
Alguns exemplos. A oportunidade perdida na redução das rendas da EDP foi em
grande medida ditada pelo estado de necessidade financeira em que o país
estava: para entrar dinheiro em grande na privatização vindo do exterior, neste
caso de chineses, para um país que estava na bancarrota. A reversão da venda da
TAP é um caso que ainda hoje está muito mal explicado. Muitos limitam-se a
dizer que a razão é ideológica. Ideológica quando temos a rede eléctrica e a
produção e distribuição de eletricidade privatizada? O tempo mostrará a razão
pela qual se reverteu a privatização de uma empresa com uma dívida monumental.
Outras reversões são compreensíveis à luz da conquista do poder. É o caso dos
transportes. Basta colocar-nos no lugar do PCP e da CGTP para perceber que a
reversão da concessão dos transportes era uma questão de sobrevivência. Entre
sobreviver e fazer uma aliança com o seu adversário histórico escolhe-se
sobreviver.
Onde está aqui então o
interesse público? Parece haver uma contradição com o que se escreveu uns
parágrafos antes, mas não há. As ações, privatizações, renacionalizações ou
reversões, são meios para atingir fins. Cada um à sua maneira considera que
está a defender o que é melhor para o país. O problema é que os meios começam a
revelar-se cada vez mais degradantes aos olhos da opinião pública.
É o caso dos empregos para os
amigos e familiares. O caso que tem estado na atualidade neste momento é dos empregos da família de Carlos César. Claro que os familiares de
políticos não estão impedidos de aceder a cargos de nomeação política quando
têm qualificações. O problema, neste caso, é o número de familiares envolvidos.
E o facto de boa parte dos portugueses, com ligações à administração pública,
saber que está generalizada esta prática de empregos para os amigos, familiares
e militantes partidários.
O regime está muito doente e
sob uma séria ameaça. Os partidos de poder andam há demasiado tempo a brincar
com coisas sérias, convencidos que com papas e bolos vão enganando os tolos dos
eleitores. França mostrou que não é assim. Um dia o povo diz basta. Resta-nos
esperar que o nosso “basta” seja à francesa, mesmo não se sabendo ainda muito
bem o que traz Macron.
Título e Texto: Helena Garrido, Observador,
15-6-2017
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