Os quereres do Governo que pouco faz, mas muito quer se forem os outros a pagar. O plenário da Transtejo uma empresa que às vezes trabalha. E a carnificina climática de António Guterres
Helena Matos
Noutros momento quer sem ter
meios para querer e portanto o esbulho é o meio mais direto para exercer esse
querer: Plano Nacional de Habitação. Governo quer chegar às 300 mil
casas para arrendar. Ora como não tem casas que lhe permitam aumentar
o parque habitacional público, não só porque não as consegue construir, mas
também porque nem consegue sequer contabilizar as que são propriedade pública,
o Governo prepara-se para obrigar/pressionar os privados a colocarem as suas
propriedades nos programas invariavelmente falhados de arrendamento estatal. O
delírio neste domínio é tal que os ativistas do costume já sonham com posses
administrativas de casas, o Estado a fazer aí as obras que entende pelos valores
que lhe apetece e no fim tudo somado abate no valor das rendas que talvez
consiga cobrar. Quando a diferença for zero (ou seja, nunca) devolve a casa aos
proprietários.
Mas mudemos de assunto que os senhorios estão habituados a esperar e ainda temos vários quereres governamentais para tratar: o “Governo quer que deslocações a pé entre casa e trabalho aumentemum terço até 2030”. Como não podia deixar de ser “Vai ser criado grupo para executar esta estratégia e a da mobilidade ciclável” . Depois temos este piedoso para não dizer místico Governo “quer acreditar” que Nigéria vai cumprir entregas de gás mas admite risco É caso para perguntar: não nos mandou o Governo acreditar que íamos ter gás a preços baixos? Não garantiu o secretário de Estado, João Galamba, que estava tudo previsto e acautelado? Um simples passe de mágica com a passagem para o mercado regulado e ficávamos a salvo das subidas do preço do gás e agora o Governo quer acreditar que a Nigéria vai cumprir entregas de gás! Nós também queremos acreditar que o Governo tem um mínimo de siso. Mas neste domínio do querer como projeção de desejo nada bate a formulação para o debate sobre as pensões: “Governo quer reflexão mas não imediata sobre cálculo das pensões“. Portanto, está o leitor preocupado com o valor da sua pensão? Espere aí um bocadinho que o Governo logo lhe diz quando deve refletir nesse assunto. Agora não pode ser. Espere um pouco. Tire senha. Espere pela sua vez. Faça marcação. O melhor é agendar… A insustentabilidade da Segurança Social agradece.
A carnificina climática
António Guterres essa espécie
de profeta que começa por nos prometer o paraíso caso o escolhamos e acaba a
anunciar-nos o inferno mal se vê nos cargos para desse modo justificar a sua
inoperância, declarou ao ver o Paquistão inundado que se estava perante
uma carnificina climática. Noutros tempos, perante os
então chamados desastres naturais, queria saber-se o que poderiam ter feito os
governos para minorar os efeitos, agora invocam-se as alterações climáticas e
expia-se a culpa por se ter ofendido o planeta. O clima fator constante de
medos e inseguranças na humanidade transformou-se na trave-mestra desse neopaganismo
elevado a religião dos estados.
Recordo que as alterações
climáticas sucedem ao aquecimento global que por sua vez sucedera ao efeito de
estufa como arquétipo do detonador do apocalipse. Como sucede nos
momentos de grande fervor religioso, desde que se invoque o propósito de
combater o Mal, neste caso as alterações climáticas, qualquer proposta
por mais descabelada que seja (como a greve climática da passada semana exigindo o fim do
consumo dos combustíveis fósseis) é apresentada como positiva porque,
dizem, pretende salvar o planeta. Simultaneamente as perguntas passam a
heresia. Logo ou não se fazem ou são ignoradas. Veja-se o caso da
inquestionável e inquestionada transição energética que levou ao
encerramento de centrais nucleares e a carvão (mesmo quando muito modernas e
eficientes como sucedia com as centrais a carvão encerradas em Portugal). O
resultado dessa transição energética sem fonte de energia para onde transitar à
excepção do gás russo alimentou Putin. Mas as denúncias que foram feitas deste
logro que posteriormente se revelou uma armadilha não só não foram ouvidas como
suscitaram em muitos o mal-estar de quem sabe estar a ouvir algo que, podendo
ter fundamento, não faz parte dos tópicos fofinhos de quem quer ficar bem na
fotografia de cada momento.
O plenário da Transtejo
Foi na quinta-feira. Mais um.
Os plenários dos trabalhadores da Transtejo são como os pastéis de nata: todos
já experimentámos um. São aliás tão frequentes que, em Lisboa ou Almada,
milhares de pessoas nem sabem já viver sem resolver o quebra-cabeças semanal:
como ir trabalhar no dia de plenário da Transtejo? Melhor ainda: como chegar a
tempo de ir buscar os filhos à escola em dia de plenário da Transtejo? Um
plenário da Transtejo tem o seu ritual: implica uma interrupção dos trabalhos
por três horas (pode parecer irónica esta referência à “interrupção dos trabalhos”,
mas na verdade o trabalho dos trabalhadores da Transtejo não é fazer plenários,
mas sim assegurar a ligação fluvial entre as duas margens do Tejo). Note-se que
três horas nem é muito tempo se tivermos em conta o esforço intelectual exigido
a quem participa nos tais plenários (infelizmente não sabemos quantos trabalhadores
participam nesses plenários, mas ainda não perdi a esperança de que tal
contabilidade venha a ser revelada). Mas vamos aos assuntos tratados nos
plenários propriamente ditos. Informa a CGTP que o plenário desta semana
analisou “todo o processo reivindicativo, bem como a situação caótica do
transporte fluvial no Tejo”. Um leitor menos conhecedor do universo
Transtejo seria levado a acreditar que no plenário se tinham analisado os
contributos das ameaças de greve, greves propriamente ditas e interrupções por
causa dos plenários na criação da tal situação caótica, mas não foi nada disso
que aconteceu. Segundo explica a convocatória para o referido plenário “a situação caótica do transporte fluvial no Tejo” agrava-se
“de ano para ano devido à falta de embarcações e de posições de gestão que
garantam o serviço público de transporte fluvial aos utentes e dignas condições
de trabalho aos trabalhadores.” Portanto após mais um plenário e
consequente interrupção das ligações outro plenário virá. Como os mesmos contribuintes
que pagam a Transtejo pagam também vários planos de mobilidade sugiro que estes
no meio da culpabilização de quem opta pelo transporte individual reservem umas
linhas ao impacto dos plenários da Transtejo na degradação da imagem dos
transportes públicos.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
25-9-2022, 4h08
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