Luciano Trigo
Seja qual for o resultado da
votação do próximo domingo, o fato é que esta eleição já está marcada por uma
série de aspectos inéditos e altamente preocupantes.
Mesmo os eleitores mais
fanáticos do candidato da oposição hão de reconhecer que nunca antes na
história deste país o Poder Judiciário e a grande mídia se uniram tão
abertamente para favorecer um candidato em detrimento do outro.
Sem qualquer cerimônia, atores
que deveriam se comportar como fiadores da neutralidade, da limpeza, da
transparência e da isonomia do processo eleitoral agiram em diversos momentos
como militantes partidários.
Foi esse comportamento, aliás,
que alimentou a desconfiança, a meu ver infundada, em relação à segurança das
urnas eletrônicas. Quando o responsável pela contabilização dos votos faz
questão de deixar claro, em atos e palavras, qual é a sua preferência, vem à
lembrança a declaração falsamente atribuída (mas nem por isso menos verdadeira)
a Stálin: “Quem vota e como vota não importa nada: quem conta os votos é o que
realmente importa”.
Em qualquer democracia (o que,
vale lembrar, não era o caso da União Soviética de Stálin), a credibilidade do
órgão que conta os votos é crucial, não bastando, como à mulher de César, ser
honesto: é preciso parecer honesto. Quando não é assim, mesmo que nem uma urna
sequer seja violada, está plantada a semente da desconfiança.
Também é inédita a
sem-cerimônia com que personagens coadjuvantes da trama eleitoral desdizem tudo
que disseram em um passado recente, a começar pelo candidato a vice da chapa da
oposição (movido, talvez, pela expectativa de assumir o poder em algum momento?
Como escrevi no artigo “A maldição do vice”, três dos oito presidentes que
tomaram posse desde a redemocratização foram vices que herdaram o cargo...).
Mas não foi só ele: jornalistas, banqueiros, políticos, empresários e até ministros do STF que denunciaram com indignação os escândalos de corrupção que resultaram em prisões e em impeachment hoje se aliam a tudo que eles condenaram veementemente no passado. Um brasileiro que tivesse entrado em coma cinco anos atrás e acordasse agora acharia que enlouqueceu.
Durante
quatro anos (talvez menos, porque no Brasil até o passado é imprevisível), quem
ganhar sofrerá o escrutínio diário e severo do eleitorado de quem perder
Nunca houve, tampouco, um
abismo tão grande entre as ruas e as pesquisas de intenção de voto dos
principais institutos. Ao longo da campanha, e especialmente no Sete de
Setembro, por onde passou o candidato à reeleição arrastou multidões às ruas,
enquanto o candidato da oposição praticamente se limitou a eventos fechados.
Será a tal da democracia sem povo?
A economia também apresentou
uma recuperação espantosa nos últimos meses. Em diversos indicadores – evolução
do PIB, inflação, desemprego etc – o Brasil está melhor que muitos países do
Primeiro Mundo, para desespero de quem torce contra, porque prefere ver o país
destruído a ver o país dar certo com outro grupo no poder.
Mas, semana após semana, as
pesquisas continuam cravando uma vantagem avassaladora do candidato que não foi
às ruas. Resta saber se, desta vez, esses institutos – que já falharam
miseravelmente em eleições passadas, sempre beneficiando o mesmo lado, como
escrevi no artigo “O ibope deve uma satisfação aos eleitores” – apostaram com
êxito na profecia auto-realizada ou se vão passar vergonha, caso esta profecia
não se cumpra.
Em alguma medida, tudo que foi
exposto acima contamina o processo eleitoral, o que é grave. Mas nada do que
foi exposto acima muda o fato de que os dois principais candidatos contam
objetivamente com o apoio fervoroso de dezenas de milhões de brasileiros. E – o
que também é algo inédito – tanto uns como outros têm certeza absoluta de que
seu candidato vencerá as eleições, quiçá no primeiro turno.
Em um grau nunca visto, isso
levará a uma situação na qual o candidato vencedor terá que lidar com a
frustração, a antipatia e o desprezo de dezenas de milhões de brasileiros. Não
é um desafio trivial. Durante quatro anos (talvez menos, porque no Brasil até o
passado é imprevisível), quem ganhar sofrerá o escrutínio diário e severo do
eleitorado de quem perder.
Seja qual for o vencedor,
parece evidente que essa frustração, essa antipatia e esse desprezo serão
potencializados caso a eleição seja decidida no primeiro turno – o que
seguramente dificultará a governabilidade. Em um segundo turno, o resultado
tende a ser mais digerível e assimilável por parte de quem perder.
Mas há outros motivos para
torcer pelo segundo turno, a começar pelo fato de que ele dará aos dois lados
uma lição de humildade, e humildade é sempre bom.
Nas quatro semanas que
antecederão o segundo turno, os dois eleitorados terão tempo para se acostumar
com a ideia de que podem perder – e precisarão lidar emocionalmente com isso.
Poderão, também, assistir ao embate direto entre os dois candidatos, o que é
importante para esclarecer quais são os planos de cada um, sem cheque em
branco, e para exigir compromissos a serem cobrados mais tarde.
Os dois candidatos, por sua
vez, terão que admitir que não contam com a preferência absoluta de mais da
metade dos eleitores. Reconhecer a existência, os valores, os interesses e as
motivações da imensa parcela da sociedade que o rejeita e pensa de forma
diferente da sua é atributo fundamental de um presidente – que precisa governar
para todos, sem ressentimento nem gestos de degola, e não apenas para quem votou
nele.
Título e Texto: Luciano
Trigo, Gazeta do Povo, 29-9-2022, 13h44
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