Alexandre Homem Cristo
Os bloquistas sempre se idealizaram moralmente superiores aos seus
adversários e os titulares do único projeto político verdadeiramente legítimo.
Não o são e não o têm. Agora, ficaram-no a saber.
É próprio do populismo que,
mais dia menos dia, este se vire contra o populista. A história dos partidos
políticos está repleta de casos de quem abusou da arrogância moral e advogou
comportamentos sociais que depois não foi capaz de cumprir (à direita e à
esquerda). Por isso, o episódio de Ricardo Robles, cujo moralismo na habitação
lhe valeu notoriedade, nada tem de inovador: ele foi vítima do seu próprio discurso populista sobre a habitação,
aparecendo agora como um hipócrita. Enquanto criticou o aumento especulativo do
preço da habitação, adquiriu e recuperou um prédio que tentou vender por quase
6 milhões de euros, valorizando cinco vezes o seu investimento inicial.
Enquanto perseguiu a explosão no alojamento local em Lisboa, colocou o seu
prédio à venda anunciando-o para alojamento local. Enquanto acusou a lei das
rendas do governo PSD-CDS de promover despejos de inquilinos, ele próprio
aumentou a renda dos apartamentos e negociou a saída de inquilinos do prédio
que adquiriu. Enquanto responsabiliza políticos pela crise de habitação na
capital, lava as mãos de responsabilidades no seu caso, apontando à agência
imobiliária a decisão sobre os valores do negócio. A lista de contradições é
extensa e insanável.
Tanto quanto se sabe, o
negócio de Ricardo Robles enquanto proprietário é legal e legítimo – a
valorização do imóvel mostra que foi, aliás, um bom negócio. Só que,
simultaneamente, tudo isto corresponde ao comportamento que, no debate
político, o BE e Ricardo Robles criticam, qualificam de “especulação
imobiliária” e definem como alvo a abater. Pelos padrões do projeto político do
BE, o que Ricardo Robles fez é fator de dano social para a comunidade. A raiz
do problema está aí – e diz mais sobre o BE do que sobre Ricardo Robles.
É este o ponto: a hipocrisia
pessoal de Ricardo Robles é gritante, mas o foco deve estar no moralismo do seu
partido, que contamina o seu projeto político e que promove a desqualificação
violenta dos seus adversários. Um moralismo que, agora, colidiu com a atuação
do seu vereador lisboeta e que destapou as incoerências pessoais dos
protagonistas do BE e da natureza do seu projeto político. Destapadas essas
incoerências, não restam agora muitas hipóteses aos bloquistas. Ou o BE as
assume e age em conformidade em relação a Ricardo Robles, censurando
publicamente a sua atuação. Ou o BE assume que as incoerências estão enraizadas
no seu projeto político, por este ser incompatível com as aspirações legítimas
dos indivíduos, e altera a sua agenda política. Ou, então, o BE simplesmente
nega a realidade, evitando rever o seu projeto político ou sequer ponderar
consequências internas para Robles.
Catarina Martins preferiu a
terceira opção: perante as acusações contra Ricardo Robles, a líder do BE ripostou que as notícias eram falsas,
criticou a comunicação social, contestou as críticas e lançou uma teoria
da conspiração – o Jornal Económico, que publicou a investigação
inicial, repudiou (e muito bem) as acusações de Catarina
Martins. Ora, mesmo que errada, a opção da líder do BE não constitui qualquer
surpresa. É que é assim mesmo que todos os partidos se comportam: têm olhos de
falcão para as falhas dos outros, mas ficam cegos perante as suas próprias
incoerências.
A moral da história é essa: o
BE é um partido como os outros, igualmente contraditório, igualmente cheio de
vícios e igualmente repleto de incoerências internas. Dito assim, parece que
isto apenas sublinha o óbvio. Mas, para a retórica do BE, este óbvio é fatal:
equivale à queda do seu castelo e a uma facada no seu projeto político. Os
bloquistas sempre se idealizaram moralmente superiores aos seus adversários
políticos e os titulares do único projeto político verdadeiramente legítimo.
Não o são e não o têm. Quem tem juízo, já o sabia. A partir de agora, o próprio
BE ficou a saber.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
30-7-2018
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E há grandolada ou não?
ResponderExcluirO BE mais o PCP com o coro do PS já grandolaram o Robles ou não? É que depois de anos a ouvir grandoladas de repente dei por este vazio: os grandoleiros já não grandolam!!!
Helena Matos