sábado, 15 de junho de 2024

Manuel Zora (Captain Manny Zora)

António Paula Brito

Manuel do Nascimento Zora (embora muitas vezes em Portugal lhe chamem Manuel Zorra e nos EUA, Captain Manny Zora) nasceu em Olhão no dia 4-10-1894 e faleceu na mesma terra em 20-04-1979, com 84 anos.

Zora, agosto de 1940, fotografado por Edwin Rosskam em Cape Cod

Tornou-se célebre pela sua astúcia como contrabandista marítimo na costa leste dos Estados Unidos, na perigosa mas excitante época da Lei Seca.

Com cerca de 12 anos, ainda em Olhão, foge da alçada da família e tenta emigrar a bordo de um barco de pesca, cheio de contrabando, para Gibraltar, mas acaba por ser apanhado e mandado para casa sob escolta policial. A família, na tentativa de o domar, manda-o para Lisboa mas Zora convence o pai que a sua vocação era segui-lo, ou seja, tornar-se um homem de mar. Assim, abandona os estudos por volta dos 13 anos e aos 15 (em 1910), já com o beneplácito familiar, arrisca salto maior, para a América. No porto de Nova Iorque espera-o um tio, e vê neve pela primeira vez.

Trabalha na escuna do tio e torna-se um dos maiores pescadores de Cape Cod, fisicamente poderoso, rápido em esperteza, com um fácies inconfundível, extraordinário contador de histórias e anedotas, torna-se muito popular em Cape Cod.

O livro de Scott Corbett The Sea Fox, The Adventures of Cape Cod’s most colorfull rumrunner, datado de 1956, conta o que lhe aconteceu sobretudo nos anos americanos: a chegada, os biscates, a pesca, a Depressão e a Máfia, os festins e as raparigas, as misérias e as glórias. Nunca traduzido, narra como ele consegue fintar a fome e a Lei Seca (1920-1933), vendendo engenho e astúcia aos homens de Al Capone, enganando a Guarda Costeira e o FBI, e conquistando as americanas de Provincetown.

Nesses anos, muitos eram os barcos ingleses e irlandeses que, ainda fora das águas territoriais americanas, descarregavam o precioso álcool para pequenas embarcações de contrabandistas que, por sua conta e risco, se encarregavam de enterrar a carga nas praias mais solitárias e à noite. Posteriormente, homens a soldo de Al Capone, desenterravam e transportavam o álcool com grandes lucros para a então, ainda incipiente, Cosa Nostra.

Zora foi um dos mais astutos mareantes contrabandistas que, no seu barco de 38 pés, The Mary Ellen, sempre conseguiu ludibriar a Guarda Costeira. O seu conhecimento das correntes marítimas, as saídas só em noites de Lua Nova, o isolamento acústico cuidado do seu motor  e muitos outros conhecimentos e astúcia transformaram-no, aos olhos da Guarda Costeira norte-americana, numa autêntica raposa dos mares.

No entanto,  sobre ele não pesa o ónus de ter cometido crimes de sangue. Os amigos, os intelectuais com quem privou e as próprias autoridades respeitam-no e preservam a sua memória como um indivíduo de carácter leal e solidário.

Manuel Zora depois de se reformar do perigoso contrabando desses tempos da Lei Seca torna-se pescador de lagosta e líder sindical.

Conhece e priva com a família Kennedy. Diz-se que Joseph Kennedy Sr. começou a fortuna graças a pescadores portugueses (e não só), que contrabandeavam scotch durante a Lei Seca, sendo o mais afoito o capitão Manuel Zora, que se vangloriava de, a pedido do pai, ter ensinado John Kennedy, 35º presidente dos Estados Unidos, a velejar. Terá sido em 1932, quando o futuro presidente contava 15 anos de idade e os pais ofereceram-lhe o barco Victura, de 26 pés, que está em exposição à entrada da Biblioteca Presidencial John Kennedy, em Boston, de Março a Outubro.

Após a guerra são muitos os intelectuais que começam a passar o Verão em Provincetown, alugando ou mesmo comprando casas aos pescadores. Manuel Zora começa a passeá-los no seu barco e torna-se um famoso contador de histórias, fazendo amizade com John dos Passos, Eugene O’Neill, Ernest Hemingway, Truman Capote, etc. Foi nesta época que Scott Corbett escreveu o livro The Sea Fox, The Adventures of Cape Cod’s most colorfull rumrunner.

Interessa-se por política e participa na campanha do candidato do Partido Progressista em 1948, Henry A. Wallace, de quem se torna amigo. Mais tarde, conhece o grande senador republicano Robert Taft, em Washington, na tentativa de conseguir apoios federais para a construção de um grande porto em Provincetown.

Mas em 1962, Manuel Zora abandona Provincetown e volta a Olhão. Deixou na América uma filha, Mary Ellen Zora.

Em Olhão é visto sobretudo nos Café Comercial e Danúbio, este último já desaparecido. Homem grande, mãos de gigante e nariz pronunciado, espanta os locais com as suas histórias de gangsters e garotas libertinas, a que soma a distinção do porte e a elegância das fazendas italianas.

Casa-se com uma prima de Olhão, provavelmente para amenizar a velhice. À mesa do café, dá aulas de inglês (oral) com pronúncia americana e acode os poucos turistas que se aventuram na vila.

Nos primeiros anos, a filha e vários amigos norte-americanos ainda vêm a Olhão visitá-lo. Com o tempo, o fascínio que exerce começa a esmorecer e definha em silêncio. Alguns jornalistas chegam a entrevistá-lo. Vera Lagoa transcreveu encontro memorável, grand finale no cemitério, ela, ele e o coveiro, dado a tertúlias. A Baptista Bastos, no Diário Popular, confessará, melancólico, em conversa regada a uísque, na ilha da Armona: «O que eu aprendi nos anos americanos. Santo Deus, o que aprendi! Queria ser grande, queria ser famoso, queria ser conhecido na América. E, para isso, precisava de ser um homem com dólares (...) é muito importante ter dinheiro, o dinheiro dá poder, é necessário para um homem ser feliz. A fome só é boa até uma certa altura da vida: permite-nos ter cautela, ensina-nos a ser hábeis; é a melhor companheira da maturidade daqueles que se tornam ricos». Quando morreu, em 1979, Manuel Zora tinha 84 anos. Sepultado em Olhão, foi-se em silêncio e sem deixar lastro...

No entanto, a sua história foi imortalizada pelo livro de Scott Corbett, que tarda em ser traduzido para português.

Manuel Zora foi, afinal, mais um português da diáspora que, mais ou menos anonimamente, sempre estiveram lá emprestando o seu engenho, enquanto o Mundo girava e mexia...

No final desta breve informação encontra-se a transcrição em inglês do capítulo sobre Manny Zora do livro PROVINCETOWN PROFILES And Others On Cape Cod, de FRANK CROTTY (1958).

Bibliografia:

• Eurico Mendes in Portuguese Times (http://www.portuguesetimes.com/)
• Ana Cristina Leonardo in http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.com

Agradecimentos a Francisco Carapucinha e Hélder Diogo pelo fornecimento de informações e fotografias.

Título e Texto: António Paula Brito, Associação de Valorização do Patrimônio Cultural e Ambiental de Olhão, 2009, Olhão Cubista 

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