Aparecido Raimundo de Souza
Para Narjara Laranja de Souza, com a emoção de um pai de amanhã esfacelado.
Na verdade, corria o dia 30 de junho de 1989, uma sexta-feira igualmente inesquecível e magnânima, além de esplendorosa e imutável. Me lembro perfeitamente. Você num ilusionismo ímpar, numa batida da varinha de condão, transbordou o quarto onde estava eu e Carla, sua mãe, entremeados à familiares. Veio devagar, a passos poucos, trazida pela enfermeira. Sem pressa, foi se aproximando, linda e ardente, rutilante e fausta e com seu rostinho cheio de pintinhas vermelhas nos inebriou. Em cada uma dessas pintinhas vermelhas, se viam estampadas as suavidades de muitas esperanças e alegrias. Você fundeou no meio de nós como uma princesinha saída dos contos de fadas. Se fez gloriosa e notória na minha imaginação de pai coruja.
Bobo, me desfiz em um riso escancarado que se estendeu de um canto a outro da boca. Chorei por dentro, copioso num silêncio mudo. O coração, naquela hora, se agigantou em batidas de disparos invulgares, o sangue fervilhou, as minhas mãos tremularam, mal podendo segurar você –, ah, você, aquele tiquinho de gente embrulhado em vestimentas brancas e azuis. Enquanto a sua mãe recebia os parabéns dos parentes próximos, sua avó, tia, irmãs, e eu, especificamente, esperava o momento de poder levar você para a nossa casa. Sua mãe e eu, estávamos num começo de vida à dois, tentando sobreviver às intempéries de uma longevidade sem muitas perspectivas de um porvir mais bonançoso.
Tudo ao nosso entorno se consubstanciava em sonhos emergentes, e resplandescências sem muitas forças de sobrevivência. Sem falar no peso crescente de quimeras outras; picuinhas e desacertos que careciam de ser vistos e coordenados; colocados nos trilhos o mais urgente possível em nome de um amor que se fizesse duradouro. Que se entrelaçasse amarrado e fecundo, visando; num porvir “logo ali nos atropelando” não descambasse para as raias comuns de um desenredo sem a opção de volta. Infelizmente não conseguimos. Embebidos na pior das desgraças, uma atmosfera forte de energia negativa (não sei vinda de onde) entrou em nossas vidas.
Se misturou ao nosso cotidiano. Pouco tempo bastou daquela união que parecia, ou que se fazia, aos nossos olhos, convivial e pujante, nitescente e arrebatador. Em peleja oposta, do nada, num instante de precipitação asquerosa, se deteriorou o nosso amor ao nada. Em questão de um abrir e fechar de pálpebras, se sacramentou inteiramente numa deflagração medonha que nos levou às raias obscuras de um divórcio malparido. A água à baixo se fez real. Inundou. Transbordou. Se materializou. Entramos num desfiladeiro sem bússola indicando um norte atulhado de boa terra para podermos voltar. Pirambeira sem retorno nos tragou num amplexo não programado. Dias obscuros, amores desfeitos, planos de vida deteriorados, horas pesadas, semanas obumbradas de solidão contumaz. Tudo assim, como um relâmpago riscando o firmamento.
Da vida à dois, daquele belo casal, restou somente lembranças de dias opulentos, de horas inesquecíveis, de pequenos pedaços, de momentos à conta-gotas. Por assim, pingo após pingo, o nosso romance tão real dentro de um irreal se perdeu num redemoinho ilógico. De nossos escassos anos que compartilhamos o mesmo teto, as roupas em comum nos cabides dos armários, as escovas de dentes sorrindo na prateleira do banheiro, os sapatos e bolsas elegantes descansando na sapateira, pratos e talheres na mesa da cozinha, a contexto de uma família de formação feliz e próspera, do nada, num espasmo de contração dolorida, toda a abastança se foi por água abaixo.
Para mim, a princípio, confesso, filha minha, ficar sozinho, sem teto, sem o esteio de uma família, e o mais “mau” de tudo, seguir adiante sem um reduto daquilo que conquistamos juntos, o seguir sem você, como num apagar de luzes, a minha vidinha cheia de planos os mais mirabolantes viraram sacos enormes abarrotados de fiascos. Um deserto –, tipo assim –, um pesadelo de agouro tresloucado vincou. Criou asas. Em dias de agora, me vejo como fantasma insone. Uma espécie esquisita de mim mesmo. Cadáver de concepção pergível e caduco, impertinente e efêmero, descontinuado e avesso, sigo ao léu vagando por estradas de calamidades insuportáveis.
Para aumentar a minha agonia, triplicar meus desejos sem um local para a erguida da construção, Narjara, minha filha, eu recito para você, num choro sem lágrimas, num olhar sem visão, usque, numa picada sem destino, eu escancaro aos berros meu desespero. Eu sigo... sigo, assim, meio desesperançado, vazio, oco, porém, na espera de um milagre. Que você, minha flor encantada, não me esqueça, ou via outra, não me deixe ao descaso de um “para trás” sediado num gesto blasfemo. Narjara, minha filha, não me deixe num desses desvios da vida. Para seu velho pai, o amanhã não conta, em face de um ontem... em face de um ontem –, repito –, de um ontem que simplesmente não prosperou.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 30-6-2024
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Rapaz q mensagem mais linda e emocionante.
ResponderExcluirPura emoção, e vinda do coração de um pai q não teve a oportunidade de crescer e aprender a ser amado.
Na vida tomamos decisões ou, somos levados a decisões q achamos q é a correta, e ao longo da vida percebemos q naquele momento, foi a melhor forma de resolver nossos destino de pai e filha, mas hj, depois de velho, percebemos o qto perdemos de não ter aproveitado amor de filha q ficou p traz.
Porém não tivemos escolha pq foi a única decisão a ser tomada naquele momento.
Amigo , com está mensagem acredito q vá recuperar muito, o q vcs não puderam construir no passado.
Com este texto foi a melhor forma de rescrever o passado q não volta mais. No entanto, fica o futuro td pela frente p fortalecer o amor entre filha e pai e curar as mágoas e se perdoarem.
Não houve erros, foram situações, decisões e caminhos q foram tomados e q outrora, foi o correto.
Parabéns pela linda mensagem e tenho certeza q servirá p muitos pais, q desgraçadamente tiveram q tomar decisões e q hj, tentam recuperar este vazio.
Parabéns amigo , tenho certeza q Deus está abençoando sua vida p q tds os seus filhos estejam ao seu lado, c seus erros e acertos, pq a vida é e sempre será um caminho com retas, desvios e curvas.
Muito grata por ser sua amiga e gratidão por poder participar um pouco dos seus lindos textos.
Gratidão 🙏