sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Pela fruta do pecado, o fatal se engrandeceu

Aparecido Raimundo de Souza 

O BENGALO LUCIOMAR todo santo dia tomava seu dejejum na lanchonete do Picadinho Salgado. Até aí, tudo normal. O ponto era maravilhoso, o café excelente, as balconistas atenciosas e prestativas, sem falar nos bolos os mais variados sabores e os pães de queijo quentinhos, saídos na hora. A bem da verdade, um particular digno de registro. Num desses dias, melhor dito, uma semana depois, chamou a atenção do Bengalo Luciomar, uma encantadora moça dos cabeços vermelhos, aí pela faixa dos vinte e poucos.  A deusa sentava sempre na mesma cadeira, cuja mesa se fazia frenteada para o nosso solitário personagem. 

Verdade seja dita: custou para o desligado do boca-aberta perceber que a Rita Vulcão (esse o nome da gostosona) deixava à mostra à porta desimpedida do Éden, precisamente aquela que levava direta à gruta latente do fruto desejado. Claro, a maldosa agia assim, para chamar a atenção, mas o idiota do Bengalo não via –, ou –, fingia não dar importância e ficava na dele. Para ela, com seus pensamentos sujos, o “fuça-tapada” não ia além de um boboca. Se fazia óbvio que dissimulava não perceber a racha exposta e escancarada em toda a sua desobstruída vontade de ser sumariamente engolida. 

Desde o dia em que a Rita Vulcão percebeu que seu vizinho de lanchonete havia, finalmente, dado de nariz com a transgressão, e levando em conta o fato de que ele nada fazia no sentido de partir para cima, seguiram, os dois, a rotina do sem um falar com o outro (apenas trocando “bom dia,” e um relambório e frio “até logo.”  A pervertida não se fez de rogada. Seguiu atiçando o fulano. Bengalo chegava e sentava na mesma posição. Minutos depois, a Rita Vulcão ocupava a sua cadeira, de onde bolinava os brios dos pendurados do sujeito na maior cara dura, como se esses seus gestos fossem iguais ao deglutir os pães de queijo e beber alguma coisa gelada para esfriar o seu fogo cada dia mais acentuado. 

A peleja foi tão longe, que a rapariga mudou a tática para perturbar mais acentuadamente os desejos para lá de ansiosos do desgraçado. Em dias que se seguiram, passou a vir de sainha curta e na hora que se acomodava, abria as pernas e descia a calcinha e a retirava devagar, como se estivesse na tranquilidade de uma suíte reservada. Bengalo com o passar dessas investidas, também se atreveu a apimentar a sua falta de tino. Depois de pedido o café, intercalava o matinal ao tempo em que manuseava a sua arma de artilharia e a flexionava, devagar, os esbugalhos grudados nos arregalados da sem vergonha. 

Não demorou, a caixa d’água estourou. A torneira pingou. Esborrou agua para todos os lados. Bengalo, nesse dia se fez tão duramente apressurado, que a merda fedeu, e, no instante abrolhoso, ´mandou vê num “cinco contra um” deixando fluir uma gozada violenta sujando o chão e, para azar da sua desdita, parte do descarrego espirrou na perna de uma das garçonetes, obviamente sem que ele quisesse ou pretendesse esse final infame e trágico. O fato é que a válvula dos seus endiabrados saiu arrebentando num jato espalhafatoso trazendo em nome de um desejo tresloucado, toda a tara acumulada que o “seu eu” desorientado sentia por aquela garota vagabunda que ele sequer sabia o nome, ou o local onde estava acomodada. 

Sem falar que a piranha o incitava, fazia tempo. A garçonete atingida, pê da vida, soltando palavrões aos borbotões, chamou o patrão aos gritos. Picadinho Salgado, o proprietário, diante dos berros de sua funcionária e também daquele fato atípico, ligou para a polícia. A lanchonete (tirando os que pelo horário lotavam as suas dependências), em questão de milésimos de segundos, se encheu de curiosos que passavam na calçada movimentada. No geral, tinha gente em cima de mesas e outros tantos dependurados nos balcões filmando a baixaria. Alguém deu a ideia de pegar o Bengalo de porrada. 

Foi por pouco. A militar chegou, sirene ligada, fazendo um estardalhaço dos diabos. Quatro agentes parrudos desceram aos trambolhões, em tempo de imobilizarem os choros de desespero de Bengalo e abafar os brados da plebe, bem ainda, de roldão, o coro em uníssono do “vamos dar um pau nesse tarado.” Bengalo Luciomar, apesar da escolta forçada, levou uns tabefes nas costas e tapas na fuça provindos de casais recém nupciados e senhores e suas esposas mais afoitas. Acabou o azarado algemado e jogado no cofre da viatura sem tempo de colocar de volta no adequado do escondido a sua vara ainda na “meia engorda,” o pivô de toda aquela encrenca. 

Passada a fuzarca, Bengalo se viu levado juntamente com uma multidão seguindo a pé atrás dos fardados até os cafundós da delegacia. O pobre e indefeso encaiporado, ainda agora, segue na tranca. A localidade – um paraíso à beira mar – em vista de ser uma cidade mansa e pacifica, repleta de endinheirados, frequentada por abastados de bolsos, não tem fórum, nem juiz.  Carece que um magistrado venha da capital. Bengalo, em razão dessa falha, perdeu o emprego temporário de “faz de tudo” num dos vários hotéis com SPAS de luxo e toda a mordomia que um cinco estrelas oferece a quem nele se hospeda. Mofa os ossos, ridicularizado num cubículo – o coração impaciente esperando que no mais breve possível seja marcada uma “audiência de custodia” para que possa se explicar ao homem da capa preta. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 20-12-2024 

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