terça-feira, 17 de dezembro de 2024

[Aparecido rasga o verbo] A euforia de um barco regressando

Aparecido Raimundo de Souza

AS GIGANTESCAS ondas do mar pareciam bailar numa dança de alegria incomensurável, como se soubessem que algo especial estava para acontecer. De fato, estava. No horizonte, um pequeno ponto começou a se transformar em uma figura imponente: um barco enorme retornava ao porto após uma longa jornada de vinte e três dias onde só prevalecia a lembrança de céu e água, como se nada mais existisse em toda face da Terra. 

Os pescadores (num total de doze homens jovens e velhos) cansados e exaustos mantinham os olhos (apesar de afadigados e obnubilados), brilhando pela alegria da expectativa do retorno. Tirando os remadores, todos os demais a bordo, observavam o longínquo cais de onde haviam saído se aproximar gradativamente. Cada remada, um passo mais perto de casa, um trajeto direto para o acolhimento adjacente do seio das famílias que esperavam ansiosas por seus maridos e filhos. 

As velas, desgastadas pelo sol e pelo sal, ainda tinham forças para se erguerem com orgulho, impulsionadas pelo vento ameno que soprava cantante e parecia partilhar da euforia atrevida e insofismável daquele momento sagrado. No cais, um bando de crianças corria de um lado para outro, pulava e gritava numa alegria prolífera e condexamente barulhenta. Seus risos se misturavam ao som das gaivotas e ao murmúrio das ondas se quebrando na areia. Mulheres e namoradas mães, sogros e sogras acenavam com lenços coloridos, além de alimentarem as lágrimas de alegria e felicidade escorrendo em seus rostos cansados de espera e intensas horas da mais pura e sofrida solidão. 

O dia da manifestação de cada pescador ao seu lar, se fazia num evento grandiosíssimo. As companheiras mais velhas, sentadas em cadeiras e bancos, contavam histórias de outras delongadas e cansativas vezes, dependendo sempre do local onde seus entes queridos se encontravam, ao passo que as ausências e as incertezas contribuíam para aumentar as loucuras da tão aguardada empreitada. Cada corrida ao alvo de chegada, se fazia a um só tempo alegre e torturado, porquanto as viagens longas demais, sempre um ocupante do barco, não regressava com vida.

Por conta disso, os confrangidos que vinham receber as suas metades faltosas, ou seja, as meias esvaídas, os pratos de comidas a menos na mesa, os vazios das alcovas em noites longas e frias, não deixavam fenecer as esperanças nas animações atiçadas de cada nova aportada. A comunidade, numa só celebração da vida, marcava presença a comemorar os benfazejos da sobrevivência, e, sobretudo, das intimidades que em cada chegada se aquilatavam em um novo avivamento para glorificar a partida seguinte, dias depois. À medida que o barco se aproximava, os peitos arfavam, os corações batiam mais rápido. O cheiro do mar se misturava ao aroma de café quentinho e do pão fresco vindo das casas próximas, prometendo um banquete de boas-vindas. 

Os homens a bordo sorriam e, ainda do distanciado, viam nitidamente os perfis de suas esposas e namoradas. Suas vozes ecoavam em gritos e berros de saudação. Quando finalmente o barco tocava o cais, um rugido de euforia tomava conta da torcida. Abraços apertados, beijos longos e olhares afogueados de gratidão marcavam o reencontro. A festa se fazia mais do que apenas o retorno de um barco; se firmava, igualmente, na exaltação de um círculo completo dos aconchegos da casa reencontrada, e da certeza edificante de que não importava o quão longe se viajasse. Sempre haveria um porto seguro esperando com as efusividades do mais puro amor e da sagrada e alvissareira alegria. 

Bastião Sereno estava doido para pular fora do barco e pisar o chão firme. Nossa, não era para menos. Sofia, a sua amada esposa lhe esperava, nervosa, aflita e ao mesmo tempo eufórica junto de outras jovens e namoradas numa ebulição cada vez mais obstinada de se consumirem nos braços de seus pares. No cais, as crianças corriam e gritavam. Seus risos se misturavam ao som das gaivotas e ao murmúrio das ondas. Mulheres acenavam lenços brancos, seguidas de lágrimas da mais pura alegria escorrendo em rostos cansados pela dilatação da dor ingrata da espera. 

As mais velhas, sentadas em bancos de madeira, contavam histórias de outros retornos, lembrando que cada volta terminava numa celebração da vida, bem ainda na sublimação da sobrevivência e no júbilo aprazível do gozo da esperança renovada. Bastião Sereno avistou Sofia no meio da multidão. Os olhos dela brilhavam de alegria com lágrimas correndo por toda a face. Ao se ver fora da embarcação, o rapaz correu para ela, e quando seus corpos se encontraram, a saudade acumulada se transformou em choro duplo, risos e palavras de amor sussurradas em estado ensandecido. 

Se entrelaçaram e assim ficaram até quando ao se despedirem dos demais, seguiram para casa, colados, os corpos suados, abrasados, como se nunca mais fossem se separar. Sentindo o calor do macio pecaminoso de sua mulher, o cheiro dos seus cabelos e a suavidade do seu toque, Bastião Sereno se quedou eletrizado numa espécie de regalo indescritível. O mundo ao redor deles parecia desaparecer sobre os pés. Por um momento, os pombinhos se esqueceram dos demais e se transformaram em apenas dois seres enamorados, apaixonados, sequiosos e saudosos pela febre flamante e ardorosa, irrequieta e chamejante do sexo em atraso. 

Finalmente, depois de um banho caprichado e de um lanche rápido, se deitaram reunidos no leito do amor divinal. Esta cena se expandia mais do que apenas o retorno de um barco; se coadunava na decantação de um círculo completo, às sendas do lar modesto repaginado, e, de outra banda, a certeza de que, não importava o quão longe iriam ficar desligados por conta da próxima jornada. Bastião Sereno sabia que em cada volta ao seu pequeno mundo encantado e aos afagos de sua bela e estonteante esposa, sempre haveria um porto seguro, um cantinho cheio de amor, uma mulher carinhosa e meiga, dócil e complacente. 

Também, mesma lista, uma companheira dedicada e cheia de vida esperando por seu marido e amante com um amor incondicional acima de qualquer suspeita e uma alegria que nem o mar, por mais furioso que se mostrasse conseguiria apartar aquelas almas apaixonadas e calientes.
— Amor – disse Bastião Sereno enquanto beijava sofregamente as partes íntimas de sua esposa. Desta vez eu vou colocar dentro de você exatamente nesta grutinha adocicada a quentinha, a sementinha do nosso futuro bebê...
E a esposa Sofia, se abrindo igual mala velha. Se entregando toda, numa excitação que não deixava dúvidas às palavras do seu macho e senhor.

— E o que você quer? Um menininho ou uma menininha?
— O que vier, minha princesa Sofia... saiba que alegrará grandemente o meu coração e esta casa se regozijará quando ele, ou ela, estiver correndo por todos os cantos.
— Então venha, amor. Coloca em mim a sementinha e eu prometo que farei de você o homem-papai mais feliz da face da terra. Eu te amo, Tião Sereno...
— Eu também te amo, Sofia. Você não tem ideia quanto...
— Me ataque. A sua potranca quer você por cima...
— Nada disso, sua égua assanhada. Eu é que vou por cima e cavalgarei em você até a exaustão...

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 17-12-2024

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