Frederico R. de Abranches
Viotti
Imerso em um pacifismo relativista, o Ocidente assiste
a uma nova expansão do Islamismo enquanto se multiplicam os atos de terrorismo
“Tínheis a
escolher entre a vergonha e a guerra; escolhestes a vergonha e tereis a guerra”.
Com essa frase, Churchill advertiu Chamberlain, então Primeiro-ministro da Inglaterra,
após este celebrar o “acordo de Munique” e permitir à Alemanha nazista invadir
a região dos sudetos, em território tcheco.
A Tchecoslováquia era aliada
da Inglaterra, mas o comodismo da paz falava mais alto a muitos dos
contemporâneos de Churchill, ébrios de não ver o perigo crescente de um Estado
totalitário e expansionista. Meses depois, a Alemanha invadia a Polônia. A II
Guerra Mundial começava…
Em 1971, comentando a frase de
Churchill e o acordo de Munique, afirmou Plinio Corrêa de Oliveira em artigo
para a imprensa diária: “Munique não foi apenas um grande episódio
da História deste século. É um acontecimento-símbolo na História de todos os
tempos. Sempre que haja, em qualquer tempo e em qualquer lugar, um confronto
diplomático entre belicistas delirantes e pacifistas delirantes, a vantagem
ficará com os primeiros e a frustração com os segundos.” (1)
Os atentados na capital francesa
A França, Filha Primogênita da Igreja, sofreu uma série de atentados empreendidos por terroristas islâmicos no dia 13 de novembro último. As vítimas não podiam estar mais despreocupadas e despreparadas. Assistiam a uma partida de futebol, jantavam em um restaurante, participavam de um espetáculo de rock numa casa de shows… Tudo indicava mais um dia comum na noite parisiense, mais um dia sem preocupações para os homens de nossa época, tão acostumados a uma paz aparente e tão pouco afeitos ao sacrifício.
No começo deste ano, a própria
França já havia sofrido outro atentado, contra jornal “Charlie Hebdo”.
A esses atos do terrorismo
islâmico em território francês somam-se diversos outros, realizados nas últimas
décadas, sendo o mais paradigmático o que ocorreu nos Estados Unidos em 11 de
setembro de 2001, quando terroristas sequestraram aviões e os lançaram contra
as torres gêmeas do World Trade Center e o edifício do
Pentágono.
O Estado Islâmico ainda
assumiu a autoria de outros dois atentados nas duas semanas anteriores ao
ataque em Paris, um dos quais consistiu na derrubada de um avião russo no
Egito.
O pacifismo relativista
Vivemos em um mundo nascido
dos escombros das duas grandes guerras. Um mundo desejoso do pacifismo mais do
que da verdadeira paz; do irenismo ecumênico, mais do que da verdade.
Imerso no relativismo
nascente, o homem dessa época buscou criar um pretenso paraíso natural, onde
Deus foi eliminado da esfera pública e a religião substituída pelo laicismo. (2)
Imaginando um mundo sem
fronteiras e sem ideais, até mesmo sem religião, nas palavras de um conhecido
hino pacifista, (3) a sociedade ocidental foi se afastando do cristianismo e
mergulhando no relativismo.
Para evitar as surpresas
inerentes à vida nesta Terra, criaram-se seguros e resseguros contra todo tipo
de imprevisto. Mas o mundo securitário acordou inseguro após mais um encontro
entre duas civilizações tão diversas como diversa é a luz das trevas, a verdade
do erro.
Não que a França — ou qualquer
outro país do Ocidente — seja exemplo de civilização cristã, sobre a qual
estamos a nos referir, mas sim que os países ocidentais representam o resto
dessa civilização ainda presente em nossos dias, como presente está o perfume
em uma flor já quase morta ou nas folhas restantes de uma árvore recém-partida.
O que é a verdadeira paz
A paz — ensina Santo Agostinho
— é a tranquilidade da ordem. Em outros termos, é a disposição das
coisas segundo sua natureza e finalidade. A paz não é o pacifismo, não é a
atitude de indiferença mole e sentimental para com o erro e seus cúmplices. Por
isso, disse Nosso Senhor: “Eu vos dou a minha paz. Não vo-la dou como o
mundo a dá” (Jo 14,27).
Só pode existir verdadeira
paz, portanto, se existir uma clara noção da natureza e da finalidade do homem.
E isso é impossível sem a verdadeira Religião. O relativismo, nesse sentido, ao
invés de criar uma paz verdadeira, desmobilizou o Ocidente e criou as condições
psicológicas para a expansão do Islamismo.
Diante dessa expansão violenta
de um inimigo beligerante, como foi o nazismo e o comunismo outrora ou como é o
Estado Islâmico em nossos dias, não é possível ficar inerte, saudosista de um mundo
pacifista irreal.
“Amamos a morte mais do que vocês amam a vida”
Em recente entrevista, um
militante do Estado Islâmico afirmou, com uma calma “desconcertante”segundo
o entrevistador: “Estamos indo atrás de vocês, com homens que amam a
morte tanto quanto vocês amam a vida. Vocês nunca estarão seguros enquanto
estivermos vivos.” (4)
De um lado, otimismo e
pacifismo. De outro, um “belicismo místico” e fundamentalmente antiocidental.
Enquanto os que adotam o primeiro preferem recuar e ceder, sorrindo
despreocupadamente e se afastando cada dia mais do cristianismo, os que abraçam
o segundo ameaçam e intimidam através da propaganda e do terror em nome de sua
religião.
“É próprio ao belicismo fanático delirar e
agredir. É próprio ao pacifismo fanático fechar os olhos, ceder, recuar.”
(5)
Tolerância mal compreendida: vulnerabilidade e
ditadura
Um dos paradoxos do
relativismo é de se pretender absoluto. Quanto mais relativista é a pessoa,
mais ela defende esse relativismo como a verdade, a única verdade.
Isso, em grande parte, explica
a constante acusação de fanatismo — e não rara perseguição — lançada pelos
“liberais” contra aqueles que se opõem doutrinariamente ao aborto ou à agenda
homossexual. Para quem vive no século do relativismo, é preciso ser intolerante
para aquele que é coerente na doutrina.
Esse relativismo para com a
verdade, por outro lado, leva os Estados laicos a promover um multiculturalismo
mal definido e indiscriminado, tornando-os profundamente vulneráveis em relação
ao Islã. Por não possuir uma doutrina objetiva, o relativismo é incapaz de
julgar os “diferentes”, (6) recebendo-os sem os critérios necessários para
proteger sua própria cultura e civilização.
Em consequência, a
“tolerância” rapidamente se torna intolerante para com todos aqueles que são
firmes na doutrina, independentemente de estarem certos ou errados, e se torna
muito vulnerável em relação às novidades, para com o multiculturalismo, ainda
que isso coloque em risco a sua própria identidade.
O processo revolucionário e a desestabilização do
Ocidente
Desde que se operou a Redenção
do gênero humano e a Cristandade produziu seus frutos, renovando a face da Terra,
(7) jamais essa monumental obra evangelizadora, mesmo em meio às piores
heresias, tornou-se tão vulnerável como nos dias de hoje.
Não é a primeira vez que a
expansão do Islã ameaça o Ocidente — e, provavelmente, não será a última — mas
a Igreja Católica sempre enfrentou o perigo externo conservando uma razoável
unidade interna. Tal unidade interna, infelizmente, não mais existe nos povos
cristãos (ou ex-cristãos). Hoje, não temos um São Pio V ou mesmo um D. João
d’Áustria, heróis, a títulos diversos, da gloriosa batalha naval em Lepanto
quando o Islã tencionava invadir a Europa.
Amolecidas pelo Renascimento e
divididas pela heresia protestante, as nações do Ocidente se deixaram seduzir
pelo mito igualitário da Revolução Francesa e do comunismo.
Durante séculos, a Revolução
minou os fundamentos do cristianismo dentro da própria civilização cristã. (8)
Esse processo multissecular gerou um vazio religioso nas sociedades ocidentais,
tornando o islamismo ainda mais perigoso.
Os recentes acontecimentos
terroristas, bem como a atual imigração para o continente europeu de
comunidades inteiras praticantes do islamismo, (9) contribuem para
desestabilizar ainda mais a Europa, já enfraquecida pela sua própria crise
religiosa.
Uma situação como essa só
encontra precedente na queda do Império Romano, quando os bárbaros transpuseram
as fronteiras de um império já em decadência.
O maior perigo é a crise interna do Ocidente
O maior perigo, nesse sentido,
não está nos terroristas, boa parte deles vivendo nas montanhas ou em desertos
e que utilizam armas, celulares e transportes ocidentais. De si, são eles
praticamente incapazes de progredir em sua própria cultura. O perigo consiste,
sobretudo, nessa decadência religiosa dos povos do Ocidente.
Grande parte dos líderes desse
ressurgimento árabe-islâmico, ademais, estudou e viveu no Ocidente. Foi em
nossa área de civilização que esses militantes receberam a formação revolucionária
que depois aplicaram em seus países. (10)
Enquanto os “Chamberlains”
ditarem os rumos do Ocidente, o terrorismo islâmico continuará crescendo e
poderá até mesmo, em futuro não muito distante, vir a ocupar porções do
território ocidental. Mas ainda que um novo “Churchill” surgisse e que o
Islamismo fosse enfrentado com vigor, mesmo assim seria uma solução temporária
e superficial, caso não houvesse uma autêntica conversão interior das pessoas e
das nações.
Restaurar a civilização, única solução
Sem restaurar a verdadeira civilização,
(11) não há solução viável para o Ocidente laico e relativista, dominado por um
pacifismo hedonista, diante de um oponente convicto e fanático, militarmente
disposto a enfrentar a civilização.
O Papa São Pio X focalizou esse
tema com sábias palavras: “A civilização não mais está para ser
inventada, nem a cidade nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu, ela
existe: é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de
instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos
contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da
impiedade.” (12)
Em Paris, no último dia 13 de
novembro, a impiedade golpeou o Ocidente mais uma vez. Contudo, é em momentos
como esses que a graça suscita nos homens um desejo de Ordem, (13) condição
prévia para a obtenção da verdadeira paz.
É com essa confiança na Divina
Providência que repetimos as palavras com as quais Plinio Corrêa de Oliveira
encerrou seu artigo A Cruzada do Século XX, publicado no primeiro
número de Catolicismo:
“Caminhamos para a
civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos
escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a
conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar
e vencer todos os obstáculos com que os cruzados marcharam para Jerusalém.
Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de
Cristo, como não queremos nós — filhos da Igreja como eles — lutar e morrer
para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro
do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou
e salvou para O amarem eternamente?” (14)
Notas:
1. Churchill, o avestruz e a América
do Sul, “Folha de S. Paulo”, 31-1-71.
2.
O laicismo, embora não se pretenda uma religião, erige-se como tal ao definir
as práticas religiosas socialmente aceitas. Não raramente, degenera em
perseguição religiosa.
3.
A música Imagine de Jonh Lennon se tornou um dos
símbolos desse novo mundo e não por acaso foi tocada, no dia seguinte aos
atentados, em frente a um dos locais atingidos pelos terroristas.
4.
“BBC Brasil”, 22-5-2015.
5.
Plinio Corrêa de Oliveira, op cit.
6. “Examinai tudo. Retende o
bem“ (1 Tessal. 5, 21).
7.
Vide Leão XIII, Encíclica Tametsi
futura prospiscientibus, 1-11-1900.
8.
Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução
e Contra-Revolução.
9.
Fala-se em quase um milhão de árabes, apenas neste ano, a imigrar para a Europa.
10. A esse
respeito, vide Catolicismo, novembro/2001.
11. “Não
há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira
civilização moral senão com a Religião verdadeira” (São Pio X, Carta ao Episcopado Francês, de
28-8-1910, sobre “Le Sillon”).
12. Notre Charge Apostolique,
25-8-1910.
13. “E por
ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização
cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e
antiliberal” (Plinio Corrêa de Oliveira,Revolução e Contra-Revolução,
Parte II, cap. II, 1).
14. Plinio
Corrêa de Oliveira, A Cruzada
do Século XX, Catolicismo, nº 1, Janeiro/1951.
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