Alberto José
Nos anos 50, eu morava em uma
rua de terra, como a maioria das ruas de subúrbio. Ficava próximo à linha do
trem (EFCB, atual Supervia). Naquela época, os meus limites eram marcados pela linha
do trem. As locomotivas Maria Fumaça passavam expelindo vapor e uma fumaça bem
agradável que não era óleo e deixava no ar o cheiro forte de lenha queimada.
Ela puxava grandes vagões de madeira que transportavam passageiros entre Rio/São
Paulo e Belo Horizonte. Para ir ao Nordeste ou ao extremo Sul tinha que fazer
conexão na Estação da Luz, em São Paulo, onde era o "hub"
ferroviário.
O apito dessas locomotivas, produzido pelo vapor de alta pressão
era romântico e mexia com os sentimentos de quem pensava em poder fazer uma
viagem. Depois, elas foram sendo gradativamente substituídas por locomotivas a
diesel importadas e, finalmente pelas modernas e aerodinâmicas General
Electric, elétricas que não poluíam, eram velozes e tinham uma buzina americana
diferente, que não mexia com os sentimentos. Tracionavam modernos vagões
Pulmann, de aço, que iluminados e confortáveis tinham restaurante e faziam as
mesmas linhas para as capitais paulista e mineira. Depois, chegou o JK
(Juscelino Kubitschek) e privilegiou automóveis e ônibus o que causou um imenso
prejuízo ao acabar com o transporte ferroviário.
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Tue 65 em 1956, foto: Manoel Monachesi
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Perto da minha casa, passavam
também os trens de subúrbio, elétricos que faziam a ligação dos chamados
"bairros da central", alusão à operadora do sistema; naquele tempo
eram rápidos e seguros. Iam até Santa Cruz, pois a partir desse ponto já era
uma parte da cidade considerada Zona Rural, onde se andava de charrete ou a
cavalo!
O meu tio, Comandante do
Regimento Andrade Neves, na Vila Militar, onde eu ia passar férias em uma casa
imensa com direito a praticar equitação nos cavalos do Exército. Isso causava
uma inveja danada aos meus vizinhos; era muito mais do que viajar ao
"estrangeiro", coisa que estava além dos sonhos do povo daquela
época.
Nos trens da Central, viajavam
professorinhas que iam para as escolas e Coronéis e até Generais fardados que
iam ou vinham da Vila Militar! As tardes no subúrbio eram bem aproveitadas pois
as famílias colocavam as suas cadeiras em frente às casas e ficavam
conversando. As crianças andavam de bicicletas (Phillips, compradas na Cassio
Muniz, ou outras marcas importadas que naquele tempo tinham placa pois tinham
que ter licença da Prefeitura para trafegar na rua) enquanto os moleques mais
graúdos se dedicavam a infindáveis batalhas aéreas com as suas pipas com linha
de cerol ou lâminas Gillete nas pontas (hoje proibidas)!
Como no subúrbio ninguém tinha
piscina, toda a casa tinha mangueiras de plástico que traziam a água para
refrescar adultos e crianças. Não havia poluição, a gente bebia sem medo aquela
água que vinha do Ribeirão das Lajes!
As noites eram claras e bem aproveitadas pois havia pouca iluminação e não havendo televisão as pessoas tinham como hobby observar as constelações e assistir à passagem dos meteoros que riscavam as noites.
Outra experiência inesquecível
era acompanhar os grandes aviões (Constellations, Douglas DC-4, DC-6) que
cortavam os céus no sentido Sul/Norte e voando a 8/10 mil metros iluminavam a
noite com a descarga azulada dos seus motores a gasolina! Eu me perguntava:
Para onde estão indo? Como deve ser estar dentro de um avião desses?...
Entre as 7 e 9h da noite, era o chamado Horário Nobre. Tudo parava para ouvir o Repórter Esso (o primeiro com as últimas), Jerônimo "o herói do sertão", a novela o “Direito de Nascer” (Alberto Limonta), o humor da PRK-30 e o apavorante "Incrível, Fantástico, Extraordinário" programa de histórias sobrenaturais do Almirante!
Entre as 7 e 9h da noite, era o chamado Horário Nobre. Tudo parava para ouvir o Repórter Esso (o primeiro com as últimas), Jerônimo "o herói do sertão", a novela o “Direito de Nascer” (Alberto Limonta), o humor da PRK-30 e o apavorante "Incrível, Fantástico, Extraordinário" programa de histórias sobrenaturais do Almirante!
Nas tardes de chuva, a
gurizada torcia para que viesse uma tempestade e todos pudessem nadar nas ruas
e praças inundadas pela chuva torrencial.
As casas ficavam até tarde com
portas e janelas abertas para a troca de cortesias e informações - já era o
Facebook daqueles tempos! Nas padarias, bares e armazéns de Isaac’s e Jaco’s
não havia cartão de crédito, mas todo freguês tinha uma caderneta de despesas,
que eram acertadas no fim do mês ou da semana.
As tardes eram modorrentas,
mas barulhentas e quentes. A única vez na vida que, de repente, em uma tarde de
sol caiu um silêncio absoluto quando se podia ouvir uma mosca voando foi em
1950, quando o Brasil perdeu a Copa de 2 a 1 para o Uruguai!
No subúrbio havia um clube
esportivo em cada esquina, pois toda a rua tinha um time de bola de meia que,
quando conseguiam alguma ajuda, evoluíam para a bola de couro.
O lixo do subúrbio era
recolhido em carretas do "DLU" (Departamento de Limpeza Urban)
puxadas por um ou dois burros!
Namorar tinha que ser de mãos dadas, em frente de casa e com a supervisão do irmão mais velho. Não havia como ir a hotel ou motel, que ainda não existia e toda a moça fazia questão de "esperar" para se casar virgem e de branco! Quem quisesse "treinar" que fosse no centro da cidade, na rua Pinto de Azevedo onde o programa começava a partir de Cr$ 5,00! Namoro em carro era difícil pois todos tinham bicicleta, no máximo uma moto tipo italiana.
Namorar tinha que ser de mãos dadas, em frente de casa e com a supervisão do irmão mais velho. Não havia como ir a hotel ou motel, que ainda não existia e toda a moça fazia questão de "esperar" para se casar virgem e de branco! Quem quisesse "treinar" que fosse no centro da cidade, na rua Pinto de Azevedo onde o programa começava a partir de Cr$ 5,00! Namoro em carro era difícil pois todos tinham bicicleta, no máximo uma moto tipo italiana.
Na minha rua tinha uma mulher
linda, que morava sozinha em uma bela casa. As vizinhas tinham ódio dela pois
não tinha marido - era separada - mas constantemente recebia a visita de um
cara tipo executivo que tinha um carro espetacular, daqueles que só apareciam
em filme de Hollywood! Ela era execrada pois a maioria queria ser como ela, que
vivia um romance tipo novela da Globo (que ainda não existia)!
A Semana Santa era levada a
sério. As estações de rádio alteravam a programação: só podiam tocar música
clássica que não fosse festiva. As famílias levavam as crianças às igrejas para
desfilar perante o Senhor morto, em um ambiente todo decorado com panos de cor
roxa! Na sexta-feira, todos mexiam nos baús e armários procurando roupas e
sapatos velhos para montar o boneco do Judas que teria que ser malhado no
sábado de Aleluia. O Judas ganhava o nome de pessoas que eram antipatizadas
pelos moradores ou políticos desonestos!
Outra grande alegria no
subúrbio era o dia dos santos Cosme e Damião, onde todas as crianças e até
adultos corriam pelas ruas para ganhar saco de doces. Sempre ocorriam
acidentes, alguns fatais!
No subúrbio, o Dia dos mortos
era uma ocasião meio sinistra, o ambiente fica pesado e, muitos aproveitavam
para fazer brincadeiras de assombração!
O carnaval era uma época de
pura alegria, sem conotação diferente, as crianças idealizavam e exigiam
fantasias discretas e sem apelo sensual. A Prefeitura decorava as principais
praças dos bairros e contratava bandas de música. As fantasias dos rapazes eram
"de mulher" (!), "caveira", morcego, diabo e a mais
encontrada, "bate bola", também chamada de "clóvis",
derivada do nome clown, em inglês.
Não havia assaltos e nem
violência; vez ou outra ocorriam "grandes crimes" em outros bairros,
como o caso do "Citroen negro", na ladeira do Sacopã, na zona Sul!
Título e Texto: Alberto José, 25-11-2015
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