Quem é que, nos dias de hoje,
defende a RDA e o Partido Socialista Unificado da Alemanha e acha que o
capitalismo “põe em causa a própria existência da Humanidade”?
Miguel Pinheiro
O revelador texto de que se
fala nestas emocionadas linhas foi escrito há apenas um ano, quando o mundo
comemorou (e algum lamentou, como veremos) o 25º aniversário da queda do muro
de Berlim – ou, para começarmos já as citações, da “chamada ‘queda do muro de
Berlim’”.
Registe-se, primeiro, que
aquilo que poderia parecer aos mais inocentes uma mera efeméride histórica
escondeu, na realidade, uma “campanha anticomunista de intoxicação da opinião
pública”. Como perceberiam os espíritos menos alienados, “mais do que a ‘queda
do muro de Berlim’ o que as forças da reacção e da social-democracia celebraram
foi o fim da República Democrática Alemã (RDA), foi a anexação (a que chamam de
‘unificação’) da RDA pela República Federal Alemã (RFA) com a formação de uma
‘grande Alemanha’ imperialista, foi a derrota do socialismo no primeiro Estado
alemão antifascista e demais países do Leste da Europa e, posteriormente, a
derrota do socialismo na URSS”.
A “RDA socialista”,
recorde-se, era “herdeira das heróicas tradições revolucionárias do movimento
operário e comunista alemão”. Essa RDA, coitadinha, foi “hostilizada e
caluniada pela reacção internacional”, mas, apesar disso, com a sua conhecida
valentia, levou a cabo “notáveis realizações nos planos económico, social e
cultural” e “impôs-se e fez-se respeitar no concerto das nações”, alcançando
“prestígio mundial”.
De resto, essa história da
construção do muro de Berlim tem muito que se lhe diga. Ela assumiu,
obviamente, um “carácter defensivo” e foi “a resposta a constantes provocações
na linha de demarcação entre a parte Leste e Ocidental da cidade e reiteradas
violações de soberania da RDA”.
Além disto, convém não
esquecer um dado fundamental, que manterá a alma lusitana aquecida para a
eternidade: “O povo português encontrou sempre na RDA e no Partido Socialista
Unificado da Alemanha (PSUA) solidariedade para com a sua luta contra o
fascismo e para com a Revolução de Abril.” Quer dizer: sem a RDA e sem o PSUA
(bendito PSUA!), Salazar e D. Maria ainda estariam a criar galinhas nos jardins
de São Bento.
Segundo o texto, a União Europeia é
“imperialista”, “federalista” e “militarista”, o que esgota quase todas as
palavras acabadas em “ista” no dicionário da Porto Editora.
Vamos dizê-lo com frontalidade
(já que mais ninguém o diz): “Ao contrário do que então foi apregoado por um
capitalismo triunfante, a ‘queda do muro de Berlim’, a anexação da RDA, as
derrotas do socialismo no Leste da Europa, não contribuíram para a segurança e
a paz na Europa e no mundo. Pelo contrário.” Ouviram bem, ou preciso de
repetir? OK, vou repetir: “Pelo contrário.”
Deu-se ainda uma suprema
provocação. “A aliança agressiva da NATO, em lugar de dissolver-se como aconteceu
com o Tratado de Varsóvia, reforça-se e estende a sua esfera de intervenção a
todo o planeta”. Pior, muito pior: “A CEE, transformada em União Europeia com o
Tratado de Maastricht, afirma sem lugar para dúvidas a sua natureza de bloco
imperialista dando um novo salto nas suas políticas neoliberais, federalistas e
militaristas e na sua articulação com os EUA e a NATO”. Atenção:
“imperialista”, “federalista” e “militarista”. Se isto não comete o feito de
esgotar todas as palavras acabadas em “ista” no dicionário da Porto Editora,
anda lá perto.
Enfim, é assim o “sistema
capitalista” (faltava esta “ista”). Ele “não só se revela incapaz de resolver
os problemas dos trabalhadores e dos povos como tende a agravá-los cada vez
mais, ao ponto de pôr em causa a própria existência da Humanidade”. Sim, sim:
“Põe em causa a própria existência da Humanidade”. Dêem-me só um minuto para
limpar as lágrimas. Pronto, já está.
Peço desculpa pela minha falta
de educação. Já estou quase no fim e ainda não tive a delicadeza de apresentar
o autor das frases entre aspas citadas em cima (publicadas no jornal “Avante!”
a 6 de Novembro de 2014) ao líder do PS António Costa, que defendeu ser a nova
coligação das esquerdas “como deitar abaixo o resto do muro de Berlim”. Caro
Dr. António Costa, apresento-lhe o Partido Comunista Português; caro Partido
Comunista Português, apresento-lhe o Dr. António Costa. Espero que sejam muito
felizes nesta vossa nova vida em comum.
Título e Texto: Miguel Pinheiro, Ponto 3, 23-11-2015
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