domingo, 19 de novembro de 2023

[As danações de Carina] Pequeno mapa de um tempo que não se perde

Carina Bratt

‘Quando estou triste o pensamento vai... pelos caminhos de voltar... por um momento chego a te abraçar ouvindo a música do mar...’
Moacyr Franco – ‘A música do meu caminho.’’

DEPOIS DE TANTOS anos, voltei ao lugar onde nasci. Quantas saudades me esperavam quando abri o portão e entrei! Apesar de nenhum cachorro me sorrir latindo, uma saudade com rapidez de forasteira se alojou em meu peito. Quase não acreditei que estava exatamente ali. Uma quantidade enorme (de lágrimas) abraçou meus olhos e inundou as covinhas de meu rosto. O sabor do retorno se agigantou. O doce manjar do retorno sempre me faz este assombro. E eu amo estar voltando para as coisas que amo.

Duplicou a afoiteza, quando revi a velha casa de tijolos envelhecidas, o telhado de cabelos brancos, a nascente do Rio Belém de cadeira de rodas, pedindo socorro. Meu Pai Amado! Foi aqui onde passei uma parte importante da minha infância. Avultada e insigne, porque eu tinha o amor de mamãe e a presença marcante de papai. Ambos se consubstanciavam no meu porto seguro. Além de uma ternura igualmente imorredoura que emanava abundante dos meus tios e tias, primos e primas fazendo com que o meu mundo (naquele tempo ainda sem horizontes definidos) se fizesse encantado e surreal.

Do nada, o inconcebível aflorou. Com ele, uma onda forte de felicidade bateu na praia deserta da minha alma em festa, ao tempo em que inundou de boas-vindas as areias do meu corpo inteiro de uma paz que fazia tempos não sentia. De roldão, uma brisa amena também deu o ar da graça e se fez alentada e explícita, rotunda e adiposa aos meus madrigais, beatificando as minhas horas, não permitindo que em nenhum momento, durante a minha estada, eu experimentasse o sabor de coisas tristes, ou me perdesse em meio de momentos atormentados por funestas melancolias.

Eu me alimentei de uma paz solene. Me fiz radiosa. Me peguei renovada, abençoada, engrandecida... me tornei, num piscar de segundos, numa criatura feliz, não sabendo o que significava a prostração repugnante da solidão ou o canto funesto e pegajoso de momentos considerados estressantes e agressivos à minha própria independência. Foi difícil, muito trabalhoso uma semana depois ‘re-arrumar’ a mala de viagem, dar meia volta e retornar à realidade.

Às vezes estancar o inusitado é tão difícil e incerto quanto tentar agarrar a vida de um ente querido que está partindo e a gente não sabe como espantar a morte que se apossou do fio perene de sua vida. Depois de uns dias de descanso, eu precisava voltar correndo ao meu outro mundo. Voar a mil por hora de volta à minha realidade ‘de agora’, no hoje em que vivo enclausurada. Eu carecia de colocar em meu espírito uma nova alegria. Uma alegria dilatada, engrandecida, de aparência imperecível.

Deixar o passado adormecido no aconchego suave de uma lembrança gostosa dentro do silencioso dos meus dias vividos. O lugar onde nasci deveria ficar para um outro depois. A casa de tijolos envelhecidas aquietada no longevo do berço onde toda a minha história se fez real e se arregalou pertinaz e perseveroso para o futuro que me esperava de braços abertos. Foi triste a despedida dos entes que ficaram. Luzes, se apagaram, a escuridão se faz maior...

Todavia, emocionante e Indescritível, permanente e prolongado o adeus. O adeus ainda que sentido como ‘um até breve,’ é sempre um estorvo que se arraiga inalterado. Os que ainda sobrevivem me desejaram um ótimo regresso. Um ‘volte sempre, menina’ repletado de amor e afeto. Um apego zeloso que sempre que convalescido se mantém inalterado. Apesar disto, tudo se fez em quimeras, confesso, quando transpus o portão e segui adiante.

No Afonso Pena, um rápido café com leite, enquanto esperava o horário de embarque. No avião, um pequeno alívio momentâneo. Dentro de mim, aquela sensação de paz que me excedia, que me acompanhava e, sobretudo, que me abraçava a alma inteira. Aqui dentro, uma vozinha suave me dizia baixinho: ‘você precisa, necessita voltar mais vezes aos seus antanhos.’ Verdade. Euzinha preciso voltar mais vezes aos meus antanhos. Pela janela, me deparei com um inverossímil: sério, ‘havia um sol de olho azul...’ o resto é lembrar deste fenômeno em cada manhã que desponta no azul do meu agora.

Título e Texto: Carina Bratt, do bairro Cachoeira, em Curitiba, no Paraná, e Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 19-11-2023

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