domingo, 15 de outubro de 2023

[As danações de Carina] Com a pulga atrás da orelha

Carina Bratt


DE REPENTE
, sem querer, procurando por um pente vi uma folha de papel almaço jogada nas coisas de mamãe. Esqueci por momentos o pente e peguei a folha com cuidado para não amassar. Para que mamãe iria querer aquela folha de papel almaço? Pensaria em escrever uma carta para alguém?

Se assim fosse, quem seria este alguém? Poema estava fora de cogitação. Mamãe odiava poemas, notadamente os que falavam de amor. Descartei, de imediato, esta possibilidade. Seria, então, uma carta? Uma carta para quem? Com estas perguntas bailando em minha cabeça, alisei o branco da folha.

Meu Deus, para que mamãe iria querer uma folha de papel almaço? Algum namorado? Um amigo distante? Uma amiga? Alguém em especial? Todos nossos parentes moravam próximos, quase na mesma rua. Não havia motivos, pelo menos aparente para a autora dos meus dias perder tempo escrevendo cartas.

Mas isso começou a me intrigar. A folha em branco, bem guardada, folha de almaço nova, sem amassos... o que teria passado pela cabeça de mamãe para sair e comprar aquela folha, assim, do nada? Mentalmente fiz uma lista. Tia Zilá, não, tia Judite, idem: tio Eduardo nem pensar. Tio Américo também, completamente fora de cogitação: vovó Tibério, vovó Dulcinha? Estranho!

Decididamente não seria para nenhum deles. Ambos estavam velhos demais e pior, vovô Tibério e vovó Dulcinha não sabiam ler patavina nenhuma. Foi nesta hora, neste instante, que me veio à mente um personagem adormecido que eu até então não havia cogitado. Meu pai. Era isso. Meu pai!

Mamãe pensava em escrever alguma coisa para meu pai. Este personagem que eu nunca vira, nem em sonhos, nem pessoalmente, menos ainda em fotografias. Meu pai se fazia um ser inanimado, que não tinha olhos. Não tinha rosto, não tinha boca, nem voz. Para completar o enigma, a criatura não possuía pernas, coração, alma, vida, e diabos, aqui entre nossos aparentados mais chegados, nenhum dos consanguíneos tocava em seu nome.

Aliás, por este simples motivo, meu pai, nunca teve (como disse acima), boca ou voz. Seria, eu, nesta confusão toda, um filho bastardo, espúrio, falsificado e ilegítimo, nascido do nada, do vento, da natureza, ou no pior dos mundos, um ser com cara de planta, ou com a fisionomia de uma flor qualquer, ou na mais degradante das empreitadas, um bebê colhido num pé de alguma árvore desconhecida?!

Que droga! Acho que a verdadeira verdade, eu nunca irei saber. Nunca. Nunca?! A palavra nunca, para minha disposição férrea da busca pela verdade não desanima. Logicamente, como curioso extremoso, seguirei ligado em todas as possibilidades. Todas. Sem desprezar nenhuma pista por mais esquisita que possa parecer.

Contudo, minhas queridas amigas e leitoras, o ‘desvendamento’ desta loucura ficará para domingo que vem. Acreditem, uma tresloucada demência, ou furiosa neurastenia que a cada tentativa só faz aumentar em ‘meu eu interior’ uma dor indescritível e ‘bestificada’ toda vez que tento chegar a um acordo. Agora, com esta folha de papel almaço em branco achada nas coisas de mamãe... eu saio literalmente do chão. (Final da história, domingo que vem, 22 de outubro). Bom domingo a toda ‘Família Cão Que Fuma.’

Título e Texto: Carina Bratt, de João Pessoa, na Paraíba, 15-10-2023

Anteriores: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-