domingo, 3 de setembro de 2023

[As danações de Carina] Filo de Arianna

Carina Bratt 

É UM LUGAR bonito, onde estou agora. Um recanto perdido no meio do nada. Um latíbulo bem longe da terra. Aqui, a linguagem muda do amor angelical fala de tudo sem dizer absolutamente nada. Um rio de águas claras reflete, além do céu azul, um dia próspero e maravilhoso. Rutila chamejante um ensolarado calmo. Resplandece e se alonga como uma música suave embalando a minha alma em festa. Eu sou todinha aberta, cada pedacinho dentro de mim, arrebatada em festa. 

Ao meu derredor, arvores frondosas enfeitam esse paraíso ao tempo em que a natureza sorri encantada, com o mavioso dos pássaros numa blandícia repleta de tons os mais diversos. Eu caminho desvairada, bestificada, exaltada e abajoujada por um chão de terra batida. Sigo em frente, cabeça erguida contemplando o simples. Ando à esmo, sem receio, esquecida, omitida, renegada e vilipendiada dos medos e temores. 

Divago comigo mesma. Falo em passos lentos. Comungo os pés descalços, a alma desnuda de sapatos de saltos altos. Meu ‘eu’ tranquilo, ao sabor de um sem pressa prolongado, tipo assim, como se o mundo (esse mundo) fosse só meu e eu não tivesse mais nada a fazer senão esquecer o meu cotidiano nojento, chato e pegajoso (meu mundo real) e carecesse apenas de mascarar, encobrir ou ‘desrespirar’ o complexo insólito colossal e monstruoso que me espera. 

Mesmo sentido, o abrupto maçante, o trânsito barulhento das ruas e avenidas, as filas de espera para um simples cafezinho, ou um lanche na padaria contígua ao meu prédio. Tudo, sem tirar nem ‘destirar’ me espera, tão logo resolva dar meia volta e abrir os olhos para os esbugalhos da realidade. Despregada de mim, completamente, as obrigações de um agora desconexo, onde as correrias e os atropelos de cada manhã me empurram quase aos trancos e barrancos para os afazeres rotineiros. 

Ah se eu pudesse ficar aqui... permanecer para sempre envolvida na paz estupenda vinda do Pai Maior que segue ao lado. Ombro a ombro. Não deixar de sentir, jamais, a paz que se espraia soprando dentro de meu ser um vento afável, fagueiro, hospedeiro e ameno. Um vento benfazejo que tem o condão de bolinar cada pedacinho escondido de meu corpo. Cada canto, cada abertura... e o melhor de tudo, me fazendo carícias e lisonjas, me olvidando dos instantes tenebrosos, como se tudo o que me importuna virasse poeira. 

A voz do Criador fala aos meus ouvidos. Recita palavras renovadoras e cheias de esperanças. Tudo, numa só conexão, me enlaça e me circunda, me arrebata e me harmoniza em amaro-dulçor dos fios dos meus cabelos compridos às plantas dos meus pés.  Em face dessa magia bucólica, euzinha sou, e (não só sou), me vejo, me sinto, me contemplo, me revigoro, me robusteço, me retempero indubitavelmente próspera, radiosa, abençoada, e, sobretudo, o mais importante: feliz e realizada. Por assim,  l’emozione esplode in aria in doppio grido. 

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 3-9-2023

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