terça-feira, 26 de setembro de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Na saidinha do banco

Aparecido Raimundo de Souza 

TOFU SAIA
da agência bancária no centro da pracinha da pequena cidadezinha onde morava. Fora fazer um saque no caixa rápido quando dois homens o abordaram:
— Quieto. Não faça nenhum movimento brusco ou morre.
— Pelo amor de Deus, não me matem.
— Se cooperar, malandragem, nós seremos legais. Se criar problemas...
— O quê?!
— Procure ser um bom rapaz e nós o despacharemos da mesma forma, todavia, sem problemas ou dissabores.
— Me despachar para onde??!!
— Você foi escolhido para ver Deus. Não é legal?
— Meus amigos, levem o que quiserem, mas não me matem.
— Não temos intenção de fazer tal asneira. Agora nos acompanhe até o estacionamento. Sorria, cumprimente quem lhe der, por mero acaso um bom dia durante o pequeno trajeto, como se nada estivesse acontecendo. Se der um grito, lhe meto uma bala nos cornos.
Tofu obedeceu sem dar um pio.

No estacionamento, o que vinha à retaguarda, ordenou:
— Entre.
No interior do veículo, uma Vam Sprinter branca, havia um terceiro sujeito negro ao volante e, ao lado dele, no carona, o quinto elemento da gangue. Uma mulher loira muito bonita e charmosa, aparentando pouco mais de vinte anos:
— E aí, galera?
— Pegamos o sujeito.
A linda virou o pescoço e encarou Tofu:
— Cadê a grana, cidadão?
— Não tenho grana, senhorita.
— E o que fazia na agência? Acaso pensava em assaltar um dos caixas eletrônicos ou levar a gerente para almoçar?
— Vim tirar um dinheirinho para suprir pequenas despesas. Ganho pouco. Sou assalariado...
— Quanto ficou na conta?
— Uma merreca...
— Não foi isso que perguntei.
— Menos que um cem reais.

— Sacou quanto?
— Mil reais.
— Cadê a grana e o comprovante de quanto ficou retido?
Ia meter a mão no bolso quando os dois que o levaram até o carro o agarraram pelo paletó:
— Qual é a tua, meu?
— O papelzinho de quanto deixei na conta e o valor que retirei...
— Diga onde está malandro. Nada de truques.
— No bolso esquerdo do paletó.
Um dos sequestradores vasculhou o bolso indicado. Puxou as notas e o comprovante:
— Toma, “Rita Rata”.

A tal da “Rita Rata” pegou o papel, guardou a grana na bolsa e voltou a espiar atentamente para o espantado Tofu:
— Seu filho da mãe. Só ficou essa merda aqui em sua conta?
— Sim.
— E o resto?
— Não existe resto.
— Nem mentir esse desgraçado sabe. Vamos, mané. Não temos o dia inteiro. Mostra o cacau. Passa os outros cartões e as senhas. Entrega tudo para nós. Anda. Faz aparecer à bufunfa. 

Tofu continuou batendo na tecla do que se fazia real e verdadeiro. Não tinha nada além do que comprovava literalmente a lista que puxara na máquina e o valor que dela retirara:
— Juro por tudo quanto é sagrado.
— Homem que jura e mulher que chora...
Tofu queria ganhar tempo. Ou pelo menos tentar:
— Estou falando a verdade. Podem me revistar...
— Prove que só tem o que surrupiamos de você.
— Como?
— Vamos lhe dar uma mãozinha. “Coice de Mula”, indique um lugar aqui para o “Opressor” onde possamos “conversar” com o nosso prezado mais à vontade...

“Coice de Mula” passou as coordenadas ao tal do “Opressor”, o terceiro malandro que dirigia a vam. Em contínuo, ele saiu em disparada. Parou meia hora depois num lugar completamente deserto de onde se avistava, ao longe, a cidade. A loira tornou a encarar Tofu com seus estupendos olhos verdes:
— Muito bem, espertinho. Vou perguntar de novo: a grana?
— Já falei, dona. Meu dinheiro é só o que foi dado à senhorita.
— “Bigode de Gato”, faça uns “carinhos” em nosso amigo.

“Bigode de Gato” se abriu numa máscara diabólica e enigmática. Acendeu um cigarro e deu algumas baforadas. À medida que tragava, assoprava direcionando a fumaça na linha do rosto de Tofu. Com ela sufocando seu nariz, Tofu passou a tossir desesperadamente:
— Por Nossa Senhora Aparecida. Deixa eu ir embora...
— Alguma vez na sua vida você tomou bofetadas em seu lindo rostinho?
— Por tudo quanto é mais sagrado, dona. Deixa eu seguir meu caminho...

Sem se importar com os clamores do prisioneiro, “Bigode de Gato” deu início a uma série de “carinhos”, ou seja, iniciou uma seção de bofetadas e safanões sendo seguido pelo outro comparsa, o “Sansão Postiço”, que o ajudara a escoltar o pobre coitado de dentro da agência até a vam. Enquanto seguia com os tapas e sopapos, “Bigode de Gato” acendeu um segundo cigarro e o passou à “Sansão Postiço”. De posse dele, “Sansão Postiço foi encostando lentamente o cigarro até chegar perto dos olhos esbugalhados de Tofu. A criatura se esquivava, se contorcia, porém, debalde. Para completar seu calvário, chorava e gritava tentando se safar das pancadas e também do cigarro. Não conseguiu.

Virou para o lado, objetivando proteger o rosto. Esse foi o seu erro. O parceiro dele, sem mais perca de tempo, segurou-lhe a cabeça e o calor da chama do cigarro lhe atingiu o olho direito em cheio. Tofu urrou de dor em consequência de tal ação, ao tempo em que pedia clemência. “Bigode de Gato”, ordenou:
— “Sansão Postiço”, tampa a boca do nosso galã.

“Sansão Postiço” obedeceu. Completamente imobilizado, Tofu sentiu, pela segunda vez, a ponta do cigarro em brasa, desta feita queimando o outro olho. Os gritos que soltou morreram sem voz na garganta em decorrência da mordaça que lhe fora colocada à boca. Uma dor lancinante tomou conta de tudo e ele sentiu que a visão lhe fugia. Debateu-se o quanto pode. Lutou, esperneou, se mijou e se borrou todo de bosta. Por fim, vencido, se abriu num choro silencioso como um menino desamparado, enquanto as lágrimas misturadas ao sangue se amalgamavam entrelaçadas ao cheiro fedorento e indescritível não só pela queima dos olhos tostados pela ação degradante dos açoites do cigarro como pela urina e as fezes que empestearam o interior da vam.

Sem aguentar o castigo tremendo, desmaiou. Quando voltou a si, estava completamente pelado, algemado e com a própria cueca, além da fita adesiva, enfiada na boca. “Rita Rata” olhou para ele:
— Última chance, cavalheiro. A grana...
Tofu nessa altura do campeonato além de completamente tolhido da visão, seguia cego de tudo e chorando copiosamente. A cada pergunta sobre a grana, o desditoso balançava a cabeça de um lado para outro como a sinalizar que não havia dinheiro. Os quatro rodaram com ele por muitas horas. Anoiteceu. Quase duas da manhã, os assassinos se embrenharam por uma rodovia pouco movimentada que levava para fora da localidade. Pararam no vão central, a parte mais alta da estrutura. Abaixo dela, um rio enorme:
— Adeus, idiota – vomitou a tal da “Rita Rata” numa sonora gargalhada. Faça uma boa viagem... lembranças à Papai do céu.

“Bigode de Gato” segurou Tofu pelas mãos e “Sansão Postiço,” pelas pernas. Em derradeira tentativa de acreditarem que o moribundo, em extremo, cantaria a pedra, e diante do mutismo que ele se embrenhou... e após comprovarem que ninguém se fazia presente, e de se certificarem que por ali não havia câmeras de monitoramento gravando imagens, tampouco veículos de passageiros, caminhões e ônibus cruzando (fossem indo ou vindo), levantaram o indefeso até a base da amurada de proteção. Sem nenhuma demonstração de respeito ou solidariedade para com um ser humano e afastado o menor direito dele se defender, o trágico final se fez agourento e fatal. Jogaram a sua carcaça como se estivessem se livrando de um objeto sem importância ponte abaixo. Altura imensa. Tofu despencou como uma pedra pesadona em direção às águas frias e gélidas que o esperavam no fundo sombrio do enorme rio caudaloso que caminhava solitário em busca de longínqua imensidão.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 26-9-2023

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