Eli Vieira
O apagão da liberdade de expressão no Brasil chamou atenção internacional. Na semana passada (18) foi publicada a Declaração de Westminster pela liberdade de expressão, com assinatura de 141 jornalistas, artistas, escritores, ativistas e acadêmicos de 21 países que denunciam a escalada de um “Complexo Industrial da Censura” pelo mundo, especialmente no novo contexto da expressão online. A nova censura usa de subterfúgio “termos mal definidos” como “discurso de ódio” e “desinformação”, diz o documento. Governos têm se envolvido em “roubar as vozes” dos cidadãos. Os signatários acusam “o legislativo da Alemanha e o Supremo Tribunal Federal do Brasil” (STF) de criminalizar “o discurso político”.
O STF é citado no contexto de
outras incursões de governos sobre os limites da expressão, como iniciativas de
autoridades na Índia e Turquia e projetos de lei da Irlanda, Escócia, Reino
Unido e Austrália. A declaração usa como fonte uma reportagem da Associated
Press de janeiro deste ano que informa que o ministro Alexandre de Moraes
“prende manifestantes com base em indícios fracos” e que está “banindo os
apoiadores [de Bolsonaro] das redes sociais”.
Há diversidade de pensamento entre os signatários. O psicólogo conservador canadense Jordan B. Peterson assina ao lado do pensador marxista esloveno Slavoj Žižek. O jornalista cristão Peter Hitchens assina junto com o zoólogo ateu Richard Dawkins, ambos são britânicos. Constam também grandes nomes como a escritora ex-muçulmana Ayaan Hirsi Ali com seu marido, o historiador Niall Ferguson, o humorista John Cleese (Monty Python), o psicólogo Steven Pinker, os denunciadores de espionagem de governos Julian Assange, Edward Snowden e Glenn Greenwald e os jornalistas brasileiros Ana Paula Henkel e Leandro Narloch. O nome da declaração veio da região de Londres em que o documento foi lido e assinado no final de junho.
A Gazeta do Povo
conversou com alguns dos signatários. Michael Shellenberger, escritor
bestseller, editor-chefe do jornal Public e um dos idealizadores da
declaração, disse que foi preciso aplicar esforço para atingir a diversidade
dos signatários. “Colocamos muito mais esforço em atrair pessoas da esquerda do
que da direita”, comentou, “e isso me entristece”. A realidade é que hoje “a
liberdade de expressão é codificada como conservadora”. Mas ele deixa claro que
pessoas de esquerda como Steven Pinker foram vozes com as quais ele sabia que
podia contar.
Shellenberger é um dos
jornalistas escolhidos por Elon Musk para cobrir os Twitter Files,
arquivos internos da empresa que revelaram relações promíscuas entre governo,
Big Tech e ONGs promovendo a remoção e rotulação de expressões dentro da lei
que desagradavam essas elites durante a pandemia e as últimas eleições
americanas. Todos os jornalistas que cobriram os arquivos são signatários: Bari
Weiss (ex-New York Times, agora no Free Press), Matt Taibbi (ex-Rolling
Stone, agora no Racket) e Lee Fang (ex-Intercept, agora
independente).
“Sabíamos que o Brasil seria
importante desde o começo”, continua Shellenberger, “e fizemos questão de ter
representantes do país que estavam sendo perseguidos, como a Ana Paula
Henkel”. Durante a primeira leitura do texto em Londres, Henkel descobriu
que era alvo de mais um processo no Brasil. O idealizador conta que os
presentes ficaram tocados com a batalha da brasileira por seu direito de se
expressar. “Vimos que não é uma abstração, não é um mero exercício acadêmico. A
vida de pessoas reais está em xeque”. Para a coalizão que se formou com os
signatários, o caso de manter a liberdade de expressão no Brasil é “urgente,
uma das maiores prioridades globais”, pois o país é um grande ator no cenário
global.
Para o jornalista Leandro
Narloch, estamos passando por um momento cíclico na história, que foi visto há
100, 200 ou 300 anos: um lado censura outro, depois é alvo ele próprio de
censura, até que ambos entrem em acordo sobre a importância de ser livre para
se expressar. “Muita gente da direita e da esquerda não entende que é preciso
permitir mesmo discursos que a gente acha degradantes”, explica. “A liberdade
de expressão funciona como um radar de idiotas. A partir dela, quando a gente
vê pessoas defendendo o Hamas, diante de toda aquela crueldade, é muito fácil
identificar os idiotas e se proteger deles. Se tiver censura, se organizam sem
a gente saber quem são eles”. Ele acrescenta que o próprio Estado de Israel é
um exemplo de uma visão mais livre da expressão, pois já entrevistou deputados
do parlamento local (o Knesset) de origem árabe que manifestam abertamente que
querem que este Estado seja extinto. “Essa liberdade daria calafrios num
Alexandre de Moraes”.
A jornalista americana Alex
Gutentag, colaboradora do Public, diz ter testemunhado em sua carreira
uma mudança de qual lado político se opõe mais à censura. Para ela, a inversão
se fez presente e dramática durante a pandemia da Covid, “quando muitas pessoas
de direita foram censuradas por opiniões desfavorecidas”. Neste período, ela
própria foi suspensa do Twitter por compartilhar dados sobre a vacina contra
Covid da Pfizer para crianças. Para ela, é uma questão geracional, já que são
os americanos mais jovens que favorecem a censura.
A guerra em curso desde o
início do mês entre Israel e o grupo terrorista Hamas pode desacelerar a
inversão, pois são estudantes de esquerda que tergiversam sobre a
responsabilidade do Hamas ou até apoiam o grupo, atraindo contra si pedidos de
censura e cancelamento. Gutentag pensa que não é sábio defender que eles provem
do próprio veneno da cultura do cancelamento, “devemos todos tentar lembrar as
coisas tolas e equivocadas que dissemos quando éramos estudantes
universitários”.
Título e Texto: Eli Vieira,
Gazeta
do Povo, 24-10-2023, 9h35
STF Vergonha Internacional - A declaração de Westminster
O veto e o conflito
Governo Lula teme direita na Argentina
19-10-2023: Oeste sem filtro
Sem a mentira, a esquerda acaba
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Canalhice (mais uma) da imprensa
“Jornalismo” da Associação Brasileira de Jornalistas
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