sexta-feira, 20 de outubro de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Espaço confinado

Aparecido Raimundo de Souza

ESTOU PRESO, tolhido, manietado, encarcerado como um rato em meu próprio derrotismo cercado de um desespero incontrolável. Meus esmorecimentos, minhas inquietações e desconfortos se fazem grandes e complexos. Sem saída viável para correr em busca de novos caminhos, me agito, consternado. Sou uma espécie de desmorto com feições de zumbis dos “tempos do ronca.” Um fantasma enfeitiçado e errante, aniquilado e profligado em um túmulo secular. Me acho entre grossas paredes inimagináveis, com janelas cerradas para dentro de uma escuridão medonha.

De contrapeso, me deparo com portas trancadas por muitas chaves de voltas em fechaduras obstruídas tentando girar numa engrenagem emperrada por falta de uso constante. Um esvaziado de formas múltiplas se agiganta da aurora até o luar e me esmaga os desejos e anseios mais triviais. Bêbado, em face da ingerência de poções contaminadas, tropeço trôpego, em taças de cristais falsificadas, pirateadas como meus sentimentos mais indecifráveis. Sou vida combalida e sem cor. Um lábaro opaco, cercado por todos os lados por uma enxurrada de agua estagnada e suja, oriunda de um antigo rio entenebrecido virado lamaçal.

Barco sem bússola navego à esmo. Perfuro encruzas bordejadas de ilhas sem lugar seguro onde aportar. Me abalo por um mar bravio e imenso, de ondas enrugadas e revoltas se embrenhando por báratros despenhadeiros. Vago, mesmo norte, sem norte ou sul, destituído de um leste-oeste, igualmente ao insano de um vórtice tormentoso, ou seja, transito num futuro incerto, estólido, sem destino determinado. Lâmpada sem luz magnânima, percebo para onde quer que espie, o martírio que restou de tudo que em mim de aproveitável havia.

Percebo, de contrapeso, a imensidão de um vácuo igualmente intransponível. Me quedo perdido, mais que devassado, desmantelado em meu próprio “eu.” Um ser esfacelado, acuado, metido da cabeça aos pés num abisso fundo de dimensões difíceis de serem medidas. Na verdade, me acho num buraco de solidão imensurável dentro de um recanto sem canto e obscurecido. Sem dúvida alguma, a minha alma (ou o que dela restou), se acha literalmente combalida. Penso, com os botões que ainda me restam, tudo em mim se prendeu em amarras e talingas difíceis de serem rompidas.

Em razão disto, sigo aos trancos e barrancos, trombadas e solavancos, porradas e safanões, driblando (ou melhor, pleiteando dias amenos para serem vividos ou vegetados, nem sei mais a diferença. Tudo se faz (e se fez) em sobressaltos espalhafatosos. A frente, a passos curtos, para completar o quadro, tolhendo meus atalhos e veredas, um punhado de seres vis e desconexos. Alienígenas cativos, dependentes, de feições maquiavélicas, bem ainda, de inclusos grotescos que se mostram distorcidos e profanos, semelhados à abentesmas e estafermos saídos de um purgatório de espectros insólitos e estultos sem as cores rutilantes da vida opulenta e abundante.

Em paralelo, o ontem, o hoje e o amanhã me passam a impressão de aberrações fossarias, absconsos que de alguma forma, não encontraram a paz e a tranquilidade quando comungavam da realidade terrena. Por conta destes contratempos bombásticos, percebo constantemente o fim da vida (vida?!) em cada abertura dos meus esbugalhos à flor de uma febre de mais de quarenta graus. Distingo para onde tento encontrar um ponto de apoio, o envolvimento de uma guerra tresloucada, onde eu, um ponto ao acaso e em meio a toda esta balburdia, ser o alvo principal e definitivo a ser atingido.

Nada me socorre. Nada me protege. Nada vem em meu amparo. Me certifico que tudo ao entorno de meu frenesi neurastênico tem se transformado em nada mais, nada menos que restos de uma alma perdida, vencida, esvaziada e sem forças. Aguardo, aos engasgos do derrotismo, a qualquer momento o final trágico de toda esta degenerescência que me assola. Será possível? Sinceramente falando, e sem mais nada a acrescentar, sinto que me abraça em apertado amplexo, a negritude infame da destruição e do aniquilamento total. Meu Deus, meu Pai, sem mais nada a acrescentar, cresce diante de minha derrocada, a des... trui... destruí... cão... total. Da... min...

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, 20-10-2023

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Recordações de um passado que não desgruda 
Vidas líquidas 
Bobices e bobagens 
Uma pequena coceira na unha do pé crescida 
E o amor se fez saboroso, como pizza de muçarela, com coca-cola 
Silhueta disforme 
Na saidinha do banco

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