terça-feira, 10 de outubro de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Bobices e bobagens

Aparecido Raimundo de Souza 

BAZENA, AO AVISTAR
o Bozó na praça, corre ao encontro dele. O rapaz tenta fugir, saindo pela tangente, mas a garota é esperta e o alcança. Grita.
Bazena:
— Bozó, Bozozinho, venha cá. Responda sem pensar. Cadê o toucinho que estava aqui na palma da minha mão?
Bozó:
— Esta é velha. Do tempo em que a minha avó andava de rominzeta e não tinha habilitação. O gato comeu. Satisfeita?
Bazena:
— Engraçadinho. E cadê o gato?
Bozó:
— Foi caçar um rato.

Bazena:
— Que fim levou o rato?
Bazena, se abre numa alegria contagiante por estar fazendo o velho amigo de besta.
Bozó:
— Bazena, o rato foi para o mato. Quer que eu pergunte, cadê o mato? Lá vai... cadê o mato?
Bazena:
— O fogo queimou.
Bozó:
— Percebo que tirou a suavidade da linda e calma manhã para me sacanear. Adora rir da minha fuça. Vou entrar na sua e fazer papel de bocó, como sempre.

Bazena:
— Papel de quê?
Bozó:
— De asno. Vamos em frente. Cadê o fogo?
Bazena:
— A água apagou...

Bozó e Bazena continuam numa cantilena de perguntas e respostas sem nexo. A espevitada ri de um canto a outro da boca. Sempre (pensa com seus botões) aparece o otário do Bozó para se aproveitar dele e tirar uma onda. Bozó, por seu turno, chega à conclusão que é um bobalhão estúpido e idiota:
Bozó:
— Não acredito que estou me passando por um autêntico desnorteado. Pois bem, Bazena: cadê a água?
Bazena:
— Sua mãe usou para lavar umas roupas sujas que deixei, tipo vestidos, calças, calcinhas, sutiãs, meias, etc...
Bozó, se agarra à brecha da amiga e deixa de bancar o paspalhão. Vivaldino, a criatura acorda para a realidade.
Bozó:
— Ah, então ela te lembrou do meu pedido para um encontro que aconteceria hoje à noite?
Bazena:
— Encontro? - Que encontro?

Bozó:
— O nosso, gatinha. Recorda que disse a você que a levaria para jantar? Como você deixou as suas roupas com a mãe, ela achou por bem jogar tudo na máquina para você ir comigo linda e maravilhosa ao restaurante. Contudo, a sua pessoa levou tão a sério o meu pedido que sequer se deu ao desplante de me responder.
Bazena:
— Esqueci. Me desculpe!
Bozó, finge ligeira expressão de chateado:
— Viu só? Nem me leva à sério.
Bazena:
— E você por acaso é diferente de mim?
Bozó:
— Sempre, meu amor.
Bazena:
— Não acredito. Você é um tremendo de um “galinha.” Vive dando em cima das minhas amigas. Nem a Silvia que tem “uma perna só esquerda de um lado” você perdoou...

Bozó:
— Aquilo não consideraria uma cantada, Bazena. Apenas, veja bem, apenas um gesto de carinho. Afinal, ela é paralítica.
Bazena:
— Mas ela adorou. Está se achando... espalhou para a rua inteira.
Bozó:
— E você acha que eu teria coragem de...?
Bazena, interrompe, o rosto num desdém sarcástico:
— Você? Cara, pelo tempo que te conheço, aposto e seria capaz de afirmar que traçaria a própria mãe. Voltando à Silvia, uma “gatérrima.” Linda, os cabelos em cascata, fofa, magrinha, bumbum como você gosta... sem falar, mas já o fazendo, a coisa, embaixo, todos sabemos, não é aleijada. Quando vejo você comprando pão e leite, percebo aquele apetite voraz em seus olhos. Resumindo: se ela desse uma brecha, você mandaria vê, comendo a boia como se fosse um prato cheio da melhor refeição. E aposto que palitaria os dentes com a padaria e tudo o que ela vende em seu comércio...

Bozó:
— Bazena minha linda. Eu te amo. Ninguém mais me interessa...
Bazena:
— E a Catarina do mercadinho?
Bozó:
— Fora de cogitação...
Bazena:
— Mas confessa que andou jogando “umas ideia” para cima dela?
Bozó:
— Eu?
Bazena:
— Vai dizer que estou mentindo e você é um santinho?
Bozó:
— Não. Só estou fazendo o seu jogo.
Bazena:
— Vai prantar banana na lua.

Bozó:
— Se você me levar até ela...
Bazena:
— Faço melhor. Desce a calça, fica pelado que faço uma banana aparecer rapidinho...
Bozó:
— Escuta aqui. Qual é a sua?
Bazena:
— Na verdade não sei. E você, Bozó, saberia dizer qual é a minha?
Bozó:
— Olha, filha de cruz credo com hipopótamo. Eu estou igual aquele morador maltrapilho que se hospedou no começo da nossa esquina. Ando de mal com a vida...
Bazena:
— Como, de mal com a vida?
Bozó:
— Enquanto não encontro o rango certo, vou mandando para a barriga a marmita que me aparecer de graça. Quem sabe, a próxima guloseima não possa vir a ser você?

Bazena:
— Acho que a sua imbecilidade entrou na fase da leucotriquia. Tudo me leva a crer que você virou um leucotriquiano!
Bozó:
— O que é exatamente esta droga?
Bazena:
— O intelectual por aqui é você!
Bozó:
— Está bem! Quer me fazer de retardado, ou está tentando me tirar do sério? Vou te desprezar a partir de agora. Será uma esquivança tão pesada que você, para andar na rua, terá de usar uma sorrelfa como disfarce e esconder a sua carência de estima.
Bazena:
— Uma o quê?
Bozó:
— Sorrelfa. A propósito. Gostaria de ganhar de presente um panléxico? Daria para você fazer um belo par com a sorrelfa. Sem mencionar que seria o máximo. Suas amigas adorariam...

Bazena:
— Antes que responda. Sabe qual é a capital do inferno?
Bozó:
— Por qual motivo, você pensa em se mudar para lá?
Bazena:
— Vamos mudar de assunto?
Bozó:
— Seria uma alternativa edificante.
Bazena:
— Meu “antigo namorado”, o Oscar, lembra dele? O gato baseou seu esqueleto noite retrasada lá em casa, e, para avivar os bons tempos, refez um de seus melhores truques.
Bozó:
— Que legal! Não sabia que ele havia se enveredado pelos caminhos da magia.
Bazena:
— Sim. Ele voltou a pôr em prática o deslumbramento que eu amava de paixão quando estava ao meu lado.

Bozó:
— Diz ai. Qual?
Bazena:
— A de se jogar no sofá da sala, nu em pelo, como veio ao mundo e dormir à noite toda...
Bozó:
— Dos males o melhor. Pelo menos você concorda que ele é bom de cama, ou melhor, de sofá. E a fascinação sedutora que ele praticou, vomita logo?!
Bazena:
— Nada demais. A bobeira que eu mais apreciava... e, para falar a verdade, ainda me sinto fortemente atraída.
Bozó:
— Fale de uma vez, Bazena.
Bazena:
— Por conta dela, eu não precisava me preocupar com o despertador para acordar de manhã e me arrumar para o serviço.
Bozó:
— Não?

Bazena:
— Não.
Bozó
— Canta logo a pedra.
Bazena:
— Tal e qual nos tempos em que namorávamos, ele nunca deixou de falar dormindo, roncar e peidar por nós dois. Adorava empestear meu nariz com uns diálogos meio que tresloucados.
Bozó, se escangalha numa gargalhada afervorada:
— Vou mandar você para meu amigo Humberto, lá da “Associação Nacional dos Inventores de Crônicas Sem Pé Nem Cabeça.”
Bazena:
— Você nunca mencionou este seu amigo.
— Estou falando nele agora.
— OK. Furiosa como estou e trepada nos cascos, darei vida e voz a um bocado de contos recheados de assombros.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Santo André, São Paulo, 10-10-2023

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