A parcialidade do secretário da ONU na
guerra em Israel lembra a de autoridades brasileiras que cobram que a polícia
combata o crime sem pôr a mão nos criminosos
O Dia
A visão míope do secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, sobre a reação de Israel aos ataques terroristas do dia 7 de outubro faz lembrar a postura de certas autoridades e de certos "ativistas" brasileiros diante das respostas da polícia à bandidagem que ameaça a população do Rio de Janeiro. Segundo Guterres, os ataques do Hamas "não aconteceram no vácuo" e o povo palestino está "sujeito a uma ocupação sufocante há 56 anos". Ou seja, fixou o marco inicial dos problemas na região no ano de 1967 e culpou Israel por tudo de ruim que aconteceu no Oriente Médio a partir daí.
Imagem:Nuno29out/Arte Kiko |
Ao dizer o que disse e não se
retratar quando teve oportunidade, Guterres escreveu seu nome entre aqueles
que, como é moda nos dias de hoje, recusam o debate e escolhem seu lado antes
de saber o que está acontecendo. Posturas assim podem até ser compreensíveis em
líderes estudantis. Mas são inadmissíveis quando manifestadas por autoridades
que ocupam cargos importantes como o dele. Diante da demonstração de
parcialidade por parte de alguém que tinha obrigação de se manter neutro, o
embaixador de Israel na ONU, Gilard Erdan, reagiu. Classificou o pronunciamento
como "imoral" e exigiu que Guterres deixe o posto que ocupa.
Ao responsabilizar a vítima pela agressão que sofreu, Guterres agiu como os machistas que culpam o uso da minissaia pelos estupros de que muitas mulheres são vítimas. Ele não fez, como tem sido comum, qualquer censura ao ato vil do Hamas, que há três semanas mantém mais de 200 inocentes cativos em suas masmorras. Não fez qualquer menção às crianças degoladas nem às mulheres violentadas. Também não falou dos pais assassinados na frente dos filhos. Pior: Guterres não fez a menor crítica à prática covarde dos terroristas, que expõem a população civil a riscos ao se esconder atrás dela.
As perdas de vidas civis nessa
guerra são inúmeras e lamentáveis. Na semana passada, o Hamas usou a ONU para
divulgar uma lista de 212 páginas com mais de sete mil nomes de supostas
vítimas dos bombardeios israelenses, que castigam Gaza desde o dia 7 de outubro.
A lista contém, também, descrições de atrocidades que estariam sendo cometidas
pelas forças israelenses. Muita gente, a começar pelos observadores americanos
que se valem de um aparato tecnológico sofisticado para acompanhar o que se
passa no solo, considerou o número exagerado.
Esse ponto, de fato, merece
discussão e quem quiser acreditar nos números do Hamas, que acredite. Mas é bom
levar em conta que, para um bando terrorista que usa o estupro, a degola e o
sequestro como armas, falsear dados e espalhar mentiras chega a parecer uma
brincadeira inocente.
ÔNIBUS INCENDIADOS — A omissão
do secretário-geral da ONU pode ser comparada à de certas autoridades
brasileiras, que, em nome da necessidade de proteger cidadãos indefesos, tomam
decisões que, na prática, significam um salvo conduto para que traficantes e
bandoleiros ligados às "milícias" continuem praticando crimes sem ser
incomodados pela polícia. Este é o ponto que interessa: assim como em Gaza, a
população vulnerável das comunidades do Rio é usada como escudo por bandidos
que a mantém sob ameaça constante.
O problema é antigo e penaliza
a população das comunidades cariocas 365 dias por ano — mas os
"ativistas" de plantão só mencionam o perigo no momento em que alguma
ação violenta por parte dos criminosos exige uma resposta firme das forças de
segurança. Com o cuidado de não dar às duas situações o mesmo peso, é possível
afirmar que reações como a de Guterres diante da tragédia em Gaza lembram
algumas medidas tomadas por autoridades brasileiras frente à violência no Rio.
Na semana passada, a população que se desloca pela cidade sofreu com os atentados terroristas da segunda-feira passada, que deixaram um saldo de 35 ônibus, um trem e vários carros particulares incendiados na Zona Oeste da capital. Terroristas? Sim, terroristas! Nenhuma outra palavra é capaz de qualificar os atos de criminosos que, à luz do dia, saíram tocando fogo em tudo o que encontravam a pretexto de protestar contra a morte do delinquente Matheus da Silva Rezende.
Pela violência praticada e
pelo terror que inflige à população, esse tipo de crime, em qualquer lugar do
mundo, teria uma resposta urgente e vigorosa por parte das autoridades. O
problema é que, no Rio, sempre surge um "Guterres" para dizer que o
Estado, antes de agir contra o crime, tem a obrigação de pedir licença aos
criminosos que o cometeram.
Cerca de um mês atrás, o
governo federal prometeu mandar 300 policiais da Força Nacional de Segurança e
270 agentes da Polícia Rodoviária Federal para ajudar a polícia do estado a
combater a atual onda de crimes violentos. Foi a forma que Brasília encontrou
para compensar aos olhos do eleitor fluminense sua predileção pela Bahia, que é
governada pelo PT há 17 anos e vem sofrendo com a ação de criminosos que agem
com desenvoltura pelo estado.
A despeito da urgência da
situação, o Ministério Público mandou que a operação de apoio ao Rio fosse
interrompida antes mesmo de ser iniciada. Antes de se preocupar em proteger a
população fluminense, os agentes do Estado teriam que se comprometer a agir de
acordo com a Lei no enfrentamento com os bandidos. Além disso, seriam obrigados
a ter em seu equipamento câmeras que registrariam todos os seus movimentos.
Ninguém aqui defende que
policiais ajam ao arrepio da lei e invadam comunidades esculachando todo mundo
para perseguir bandidos. Mas as pessoas escaladas para atuar no Rio, até
segunda ordem, são agentes treinados para lidar com esse tipo de situação e, a
rigor, não precisam do Ministério Público para lhes tutelar.
A decisão se somou a uma série
de atitudes semelhantes, tomadas por autoridades que agem como se a polícia
fosse a causa da violência que sufoca o Rio. Como já foi dito, elas exigem que
o Estado enfrente o problema da criminalidade, mas parecem fazer de tudo para
impedir que a polícia ponha a mão nos criminosos. O problema é que a gravidade
da situação no Rio exige uma solução urgente e até o presidente Luís Inácio
Lula da Silva foi chamado a se manifestar sobre ela.
Ao mencionar o assunto na live
semanal que distribui para seus seguidores, na semana passada, Lula apresentou
a mesma receita que utiliza para lidar com qualquer situação que possa ameaçar
sua popularidade. Para ele, o problema se resolverá com a criação do Ministério
da Segurança Pública. O ministro da Justiça, Flávio Dino, não vê eficácia na
medida — e, nesse caso específico, sua posição é mais correta do que a do
presidente. O combate à criminalidade não pode depender da criação de um
ministério. Ele depende, sim, do governo lançar mão dos instrumentos
disponíveis, eleger o combate ao crime organizado como prioridade e agir com a
energia necessária para resolver o problema.
AMARRAR AS PONTAS — Na
quarta-feira passada, ao invés de receber as visitas de autoridades federais —
como aconteceu no caso da Bahia —, o governador Cláudio Castro é que foi a
Brasília tratar da questão da segurança no Rio. Na agenda, o reforço das ações
de inteligência para combater o crime e a criação de uma estrutura que unifique
as informações colhidas pelos agentes estaduais e federais, pela Receita
Federal e todos os órgãos do governo para amarrar as pontas de uma teia
criminosa que, embora tenha seu centro no Rio, se ramifica por outros estados e
por outros países.
Outra preocupação de Castro
foi discutir o assunto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e
da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O governador defende uma ideia
que vai na contramão de tudo o que o PT e os outros partidos de esquerda sempre
pregaram e pede penas mais duras para delitos graves como a queima de ônibus e
outros atentados cometidos pelo crime organizado. Na visão de Castro, esses
atos deveriam ser classificados como terroristas e ter penas e critérios de
progressão muito mais severos do que têm atualmente.
As ações defendidas pelo
governador são corretas, necessárias e urgentes — mas, porém, insuficientes
para eliminar um mal que tende a se perpetuar se não for cortado pela raiz. A
questão da segurança no Rio de Janeiro é grave, exige uma resposta dura do Estado,
mas não pode depender apenas da ação policial. Para ser resolvido, esse
problema tem que ser posto na frente dos demais e tratado como prioridade por
este, pelo próximo, pelo seguinte e por quantos governos forem necessários. É
preciso que se chegue a um acordo imediato em relação a uma linha de conduta
que deverá ser seguida pelos que vierem a ser eleitos para governar o Rio em
2026, 2030, 2034 e daí por diante.
O problema só será resolvido
no dia em que o Estado, com E maiúsculo, se fizer presente nas regiões onde o
crime atua — e essa presença significa muito mais do que ações policiais. Serão
necessários anos de trabalho e investimentos vultosos em programas que ofereçam
moradia digna, serviços de saúde, escolas de qualidade, água encanada, boas
condições de saneamento, espaços de lazer, equipamentos culturais e esportivos,
repartições do serviço público e uma série de programas que transformem as
atuais comunidades cariocas em bairros com praças arborizadas e ruas com
calçadas, por onde as pessoas possam caminhar com segurança e em liberdade.
Para muita gente, isso é
impossível. Não é. Algo semelhante já aconteceu, por exemplo, em cidades da
Colômbia, onde Estado e sociedade, no início dos anos 1990, elegeram o combate
ao narcoterrorismo como prioridade. A partir da tomada de decisão, e sem abrir
mão do respeito à lei e à Constituição, foram adotadas ações concretas no
sentido de combater os atos criminosos. Ao mesmo tempo, foram feitos
investimentos relevantes em mobilidade e em programas voltados para o bem-estar
da população mais vulnerável. A violência na Colômbia foi eliminada? Não. É
fato, porém, que a população está hoje muito mais protegida e segura do que
estava duas décadas atrás.
O DIFÍCIL E O IMPOSSÍVEL — O
ponto fundamental é que os programas de combate à violência gerada pelo
narcoterrorismo na Colômbia, uma vez iniciados por um governo, não foram postos
de lado pela administração seguinte. Este é o ponto chave: a solução para o
problema da violência crônica exige continuidade. Se não houver planejamento e
persistência, algumas medidas vistas hoje como solução podem em pouco tempo
gerar problemas ainda mais graves. Como, aliás, já aconteceu no Rio.
Tome-se o exemplo da Cidade de
Deus, na Zona Oeste. O lugar nasceu na primeira metade dos anos 1960 como um
conjunto habitacional construído pelo governo do antigo estado da Guanabara e
destinado a receber as famílias removidas à força de favelas localizadas no
Leblon, na Lagoa e em outros bairros da Zona Sul carioca por decisão do então
governador Carlos Lacerda. Por qualquer lado que se olhe, o que aconteceu ali
foi uma demonstração de falta de respeito com as famílias vulneráveis — e, da
forma como tudo foi feito, jamais poderia dar certo.
Afastadas para um lugar
distante de seus locais de trabalho, sem um sistema de transportes decente e
sem qualquer apoio do Estado em sua nova moradia, as famílias que receberam as
casas não tiveram a vida melhorada. Pior: logo se percebeu que havia menos
casas do que o número de famílias em busca de teto. O resultado foi aquilo que
foi concebido como um bairro digno acabou por se tornar uma comunidade dominada
pelo tráfico de drogas e pela violência que penalizou, principalmente, as
famílias que se instalaram ali.
Não há solução imediata nem
receita mágica. O problema será difícil de resolver e ninguém dúvida disso. Mas
é preciso dar o primeiro passo. Aliás, não custa lembrar o que dizia o
socialista David Ben-Gurion, fundador do Estado de Israel: "O difícil deve
ser feito agora; o impossível, daqui a pouco". A citação, aliás, vem a
propósito da situação que vive hoje o país fundado por todos os que, como ele,
ajudaram a levar o desenvolvimento para o meio do deserto.
A LUTA PELO BEM-ESTAR —
Assim como o Rio é o epicentro de uma violência que se espalha pelo Brasil
inteiro e as quadrilhas que comandam o crime organizado no estado têm
ramificações internacionais já identificadas pela Interpol, o que acontece em
Israel repercute no mundo inteiro. Os Estados Unidos e países da Europa já
foram e continuam sendo vítimas de atentados terroristas brutais, praticados em
nome do mesmo fanatismo que inspirou os ataques covardes do dia 7 de outubro.
Lá como aqui, é preciso se convencer de que o caminho de confronto seguido até
agora não deu certo e buscar uma nova forma de lidar com o problema.
Nem a resposta enérgica de
Israel nem o prometido extermínio do Hamas ao final das operações serão
suficientes para assegurar a paz na região — e o risco de uma nova explosão de
violência a qualquer instante permanecerá como uma espada sobre a cabeça das
populações de um lado e do outro. A paz só será conseguida no dia em que o
território for dividido de forma definitiva e as fronteiras forem respeitadas
pelos dois lados.
Para que o Estado palestino
venha a existir, os vizinhos árabes devem não só admitir que Israel existe,
algo que não fazem até hoje, como, também, tem o direito — como qualquer país
do mundo — de se defender. Também será preciso entender que as pretensões
expansionistas do Irã precisam ser contidas e que o uso do fanatismo como razão
da luta precisa ser evitado, denunciado e combatido.
Quando isso acontecer, surgirá
uma nova Palestina que deverá atrair esforços e recursos dos vizinhos árabes
endinheirados para construir um país próspero, moderno e capaz de proporcionar
a seu povo condições de vida iguais ou superiores às de Israel. Os dois povos
não precisam ser amigos; precisam apenas se respeitar.
Imagine as vantagens que o
mundo teria se os judeus de Israel e os muçulmanos da Palestina competissem por
tecnologia agrícola no deserto? Imagine se a competição entre eles fosse por
conhecimento e por bem-estar? Isso é possível? Ora, se em 75 anos de existência
Israel se transformou, num ambiente adverso, num país moderno, democrático e
gerador de novas tecnologias, o que impede seus vizinhos de seguir o mesmo
caminho?
Aliás, é bom recordar a
trajetória percorrida por Israel até para que fique claro que ninguém defende
aqui, para as comunidades do Rio ou para o povo palestino, uma solução fora da
realidade. Uma das características daquele país menor do que o estado de Sergipe
é encarar seus problemas de frente e resolvê-los com determinação. E isso não
se resume às questões militares.
A partir do final dos anos
1970 e durante quase toda década de 1980, Israel conviveu com um surto
inflacionário tão grave quanto o que o Brasil e a Argentina suportavam naquele
momento. As taxas, que começaram a sair do controle depois da Guerra do Yom Kippur,
em 1973, superavam os 100% ao ano no final da década. Como aconteceu com o
Brasil e com a Argentina, Israel tentou, no primeiro momento, combater a
hiperinflação com medidas heterodoxas, como o tabelamento de preços e o
controle artificial dos juros.
Também como aconteceu no
Brasil e na Argentina, as tentativas pareceram dar certo por algum tempo, mas
as taxas logo voltaram a explodir. Em 1985, a inflação em Israel chegou perto
de 1.000% ao ano. Ao invés de insistir na heterodoxia, os economistas israelenses,
então, passaram a seguir um programa rígido de controle de gastos públicos.
Passaram a dar mais atenção à própria moeda e adotaram outras medidas que, com
o tempo, trouxeram a inflação para índices civilizados. O que isso tem a ver
com o que se disse até agora? Tudo! Pode parecer que não, mas a solução para
problemas complicados na maioria das vezes consiste em fazer o básico. E não em
tentar reinventar a roda.
Título e Texto: Redação, O Dia, 29-10-2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-