quinta-feira, 12 de outubro de 2023

[Daqui e Dali] Onde se fala de pasteleiros em apuros e dança das placas

Humberto Pinho da Silva

Machado de Assis, num dos seus encantadores romances, narra a curiosa história do Sr. Custódio, deveras preocupado com a mudança do regime, no Brasil – Monarquia para República. O Sr. Custódio mandou pintar no estabelecimento o nome da pastelaria:

CONFEITARIA IMPÉRIO

Com a mudança do regime político, em 1889, ficou preocupadíssimo. Seria afronta à República?! Para solucionar o intricado problema, pediu parecer a amigo, que lhe sugeriu:

CONFEITARIA DA REPÚBLICA

Mas o Sr. Custódio não ficou sossegado. Se a monarquia voltasse?

O Imperador era figura grata do povo; Deodato, respeitava Dom Pedro II; o General Hermes da Fonseca, irmão de Deodato, era leal ao Imperador; melhor era repintar o letreiro assim:

CONFEITARIA DO CUSTÓDIO

Nessa época começou no Brasil o "baile das casacas": escritores, militares, jornalistas e artistas, não perderam tempo, louvando "convictos" a República, na ânsia de benesses.

As placas das ruas andaram em roda-viva: a Praça Dom Pedro II, passou a Marechal Deodato; o Largo da Imperatriz, a Quintino Bocaiúva; a Rua da Princesa, Rui Barbosa.

O que aconteceu no Brasil, acontece em quase todo o mundo, em nome da liberdade e da democracia...

Também em Portugal houve caso semelhante ao do Sr. Custódio, só que foi verídico, e não fictício, como o de Machado de Assis.

O proprietário da Confeitaria Nacional, no final do século XIX, foi à França e conheceu o bolo confecionado na "Festa dos Reis".

Trouxe-o para o seu país e deu-lhe o nome de "Bolo-Rei". Logo, os lisboetas o adotaram nas festas natalícias.

Entretanto, mudou o regime e os republicanos não gostaram do nome “Rei".

Mudou-se para "Bolo de Natal" ou " Bolo de Ano Novo".

No correr do tempo, acalmados os ânimos, voltou a ser "Bolo-Rei".

Como no Brasil, igualmente, as placas das praças e ruas foram substituídas, na 1ª, 2ª e 3ª República.

A Ponte Salazar passou a ser "25 de Abril". Hoje, o povo batizou-a de “Ponte Sobre o Tejo".

O estadista já o previa, quando disse que o nome devia ser aparafusado para não terem trabalho de o arrancarem (Pedro Mexia - Revista Expresso, 10/9/2016).

No Porto, a Rua 31 de Janeiro (coitadinha!) [foto] desde que me conheço, uma vez é de Santo António, outra vez de 31, consoante o regime que se instala em Lisboa.

Tudo se fez e se faz em nome da liberdade... e da democracia.

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, outubro de 2023

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