sexta-feira, 24 de novembro de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Meio a meio sem aquilo no meio que faria o inteiro ser incompleto

Aparecido Raimundo de Souza

UMA METADE dele era homem. Homem macho, com o semblante de Ney Matogrosso, depois de assoviar a belíssima “Telma eu não sou gay” para uma multidão de bichas loucas em passeata pela união dos veados e afins ao longo da Avenida Paulista. Lembrava, ainda que ligeiramente, aquele escultor grego Fídias, graças à harmonia da elasticidade e a sublime e aprazível imparcialidade do corpo rebolativo. A outra metade, trazia à baila em todo seu fulgor, a besta-fera do Apocalipse. Ou algo semelhado, como uma aberração inexplicável em sinais de desgaste orgânico. Por esta razão, tinha um lado elegante, enquanto o outro se confundia com o estilista Clodovil Hernandes. Na cabeça, uma parte do crânio ostentava lindos cabelos, com cachos dourados caindo ondulados até a altura do pescoço.

Na outra, pelos avermelhados e esquisitos, davam a ideia da figura do ET de Varginha, depois de ter sido estuprado por um tarado com cara de Mister Bean numa das poltronas do Theatro Capitólio, na Avenida Presidente Antônio Carlos. Um olho certamente humano. O outro, ou seja, o de baixo, sobressaia saliente, esbugalhado, como o do presideuodente Mula ao acordar em plena noite, com insônia, roendo as unhas e peidando estabanadamente, pensando em como colocar a Dilma Rouboussett de volta na planilha de pagamento para continuar mamando nas tetas da nação com o sabor suado do nosso mirrado dinheirinho.  As mãos da criatura não fugiam à regra: uma saia de um braço de camisa de seda, destas peças que os homens ricos e abastados de bolso ostentam.  Dava a estampagem de que se alinhava a uma pata de rinoceronte bêbado e em situação de “guerre lasse.”

Neste braço igualmente se destacavam um elegante relógio que marcava a hora oficial de Brasília e uma corrente de ouro puro, maciço, e, num dos dedos, um anel cravejado de brilhantes ganhos do país vizinho de um tal de Micocagás Caiduro. Na outra, coberta por um tecido de algodão barato, dedos sujos se somavam aos seus desconfortos com unhas grandes e malcuidadas. Seu quadro desolador trazia à lembrança a figura daquele sem teto que fora espancado até a morte nas cercanias da Praça da Sé, por uma pequena multidão, porque o infeliz roubara um pastel numa lanchonete das redondezas para matar a fome. Seu porte esguio, fazia dele o sujeito mais sensual do pedaço, mas o outro “perinde ac cadáver,” causava arrepios só de olhar. A barriga fugia um pouco à regra. Lindamente protuberante. Tipo a do Jô Soares, quando ainda vivo e mantinha em seu corpanzil uma pança de fazer inveja ao Oliver Hardy.

Colados a ela, sobressaiam dois umbigos distintos. Um, de cavalo, o outro de camaleão. Para quem ainda não teve a oportunidade de ver a depressão cutânea localizada no centro do abdome de um cavalo ou de um camaleão, obviamente se assustaria, não pela cicatriz do corte do cordão maternal em si, porém, pelo fato de dar de cara com uns trocinhos tão estranhos quanto esquisitos. Detalhes, por sinal (embora pequenos e insignificantes) que certamente levariam os menos desavisados a pensarem com mais seriedade na mãe do cavalo e, consequentemente, no pai biológico do camaleão. Metade do órgão genital – caia flácido como o de um cidadão que acabara de tirar uma gozada às avessas. A outra se destacava enrolada como uma cobra enorme adormecida em torno de uma das pernas, como um objeto mal-acabado e mal resolvido. Não se fazia muito acentuado, contudo, visto de repente, grosso modo, literalmente, marcava.

Quando a criatura abria a boca, realçavam, de um lado, caninos de elefante, do outro, dentes perfeitos, brancos e alvos, como nuvens ralas em céu de brigadeiro. O sorriso se fundia encantador, envolvente e cálido. O outro troçava, matava a pau e entristecia.  Apesar deste quadro lúgubre, desta desordem na sua formação estrutural, no endurecimento do seu coração, e mais devastador,”  de nunca ter conhecido o “faire la vie,” este desprezível caco humano jamais refreou seus sonhos imorredouros, ou adiou as aspirações que almejava desde que saíra da barriga da mãe. Uma delas, ser cantor profissional. Adorava Roberto Carlos e a sua inesquecível “Se me olvido outra vez.”  Ele se achava, na verdade, o maior, o tal, o poderoso, o intocável, o Super-homem na pele do Homem Aranha. Lutador inveterado e incansável, se reverenciava para os que o conheciam pessoalmente, como um ser completamente feliz e animal... perdão, normal.  Quando alguém da banda oposta o contrariava, saia dando canetadas e urrava feito um Chaves tinhoso fugido de algum hospício de periferia: eu sou normal... eu sou normaaaaaaaaaaaalllllllllll... 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 24-11-2023

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