Humberto Pinho da Silva
Compareceu no Conservatório de Lisboa frágil e
deprimida rapariguinha, que vinha prestar prova da admissão.
Diante do ilustre júri, a garotinha, enfiada,
permanecia constrangida, contrafeita, estática e de olhos assustadiços.
Nervosamente balanceava as vestes, como as
quisesse compô-las, numa tremenda ansiedade.
Condoído pelo inopinado acanhamento, o júri
sussurra-lhe em voz amiga:
- Diga, por favor, um poema...
Enrubesce de pejo a menina, e erguendo a custo os
embaciados olhos:
- Não me recordo de nenhum...
Compassivos, insistem, amaciando ainda mais a voz:
- Pequeno texto, que goste. Qualquer coisa que
conheça de cor.
- “Não me lembro de nada...” proferiu em voz apertada, temendo e tremendo, mormente os irrequietos bracitos.
Estupefactos perante o inesperado acanhamento, o
júri já pensava vedar-lhe o ingresso quando...
Mirando pensativo a rua, de olhar vago, olhando
através da vidraça da janela, o dramaturgo Dom João da Câmara – membro do júri
– presenciava, apreensivo, e em silencio a cena deplorável.
Acerca-se da retraída menina, e movido de comovida
compaixão, enternecido, sugere:
- Menina, diga a Ave Maria.
Empertiga-se a jovem, perfilha-se, enrija o peito,
e em tom forte e sonoro inicia a invocação.
Foi a mais comovedora e terna invocarão à Mãe do
Céu, que jamais se ouvira.
O escritor, poeta e dramaturgo, descendente do
conhecido navegador João Gonçalves Zarco, num gesto de singular bondade,
conseguiu que a inesquecível atriz
Maria Matos, pudesse matricular-se no Conservatório.
Não devo terminar a crônica sem contar a mais
sublime faceta da atriz: a gratidão.
Em missiva (*) datada de 28 de junho de 1910,
depositada na posta de Castelo Branco, endereçada à sua mãe, a Senhora Dona
Emília da Câmara Almeida Garrett, amiga de Maria Matos, escreveu:
(...) A atriz está aqui em "tournée" e
parece-me muito atilada (baseava-se na conversa que teve, em sua casa, com
Maria Matos,) e confessou-me que sempre possível passa pelo cemitério onde
repousa Dom João da Câmara e, junto do túmulo, reza e pede-lhe conselhos. (Cito
de cor).
Maria Matos era de sensibilidade delicada e nunca
olvidou quem lhe facilitara a fulgurante carreira artística.
(*) Carta que minha querida amiga Dona Maria
Eugénia da Câmara Rebello de Andrade, neta do escritor, teve a gentileza de ma
ler.
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva,
dezembro de 2023
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