quinta-feira, 2 de novembro de 2023

[Daqui e Dali] Ainda há médicos-sacerdotes?

Humberto Pinho da Silva

Quando faleceu meu pai, Santos Lessa escreveu, no “Comércio de Leixões", de que era diretor: "Pinho da Silva há muito que estava doente, praticamente imobilizado, devido a erro médico. Na sua última missiva dizia-nos, talvez prevendo o desenlace para breve (que se verificou): ‘Estou cada vez mais doente da intoxicação que o médico me arranjou, estou quase safo, mas o coração?! Nem posso subir uma escada! Valha-me Deus!’ 13-11-1987.

Não foi erro médico, como disse o jornalista, mas descuido. Eu explico:

Certo dia foi consultar o clínico. Este aconselhou-o a tomar determinado medicamento que, em seu entender, era indicado para a idade. Meu pai era avesso a remédios. Não o queria tomar, mas convenceram-no.

Decorrido semanas entumeceram-se as pernas. Leu a "literatura", nas contraindicações, dizia: “raramente afeta os rins.” (1 a 2 por 1000)

Avisou o médico, mostrou-lhe as pernas engrossadas; respondeu-lhe: "Não é nada grave".

Semanas depois, as pernas ficaram lustrosas e húmidas. O médico disse-lhe: "Não se preocupe, continue a tomar o medicamento."!

Receoso, consultou o urologista. Ao vê-lo, afirmou: "O senhor tem grave intoxicação medicamentosa. Recolha já ao hospital".

Outrora os médicos também erravam, mas alguns levavam a profissão como sacerdócio.

Quando entrevistei familiares de clínicos, para a seção "Figuras Notáveis", no jornal onde era redator, fiquei a conhecer que alguns médicos se erguiam de madrugada para acudirem a doentes. Entre eles recordo:

Ferreira Leite – Que após extenuante dia de trabalho, no hospital, chegava a casa com vontade de desligar o telefone, mas a consciência não lho permitia. Altas horas "tilintava", para acudir urgentemente a doente.

Pedrosa Júnior – Tinha lugar cativo no cinema próximo da residência (nesse tempo não havia telemóvel) para estar sempre disponível.

Salvador Ribeiro – Verificando que o enfermo não tinha posses para adquirir o medicamento, deixava, muitas vezes, sob a receita, a quantia necessária.

Rocha Paris – Que saía de casa para prestar assistência gratuita a miseráveis, que viviam na escarpa da Serra do Pilar.

Conversando com jovem médico sobre o assunto, respondeu-me: "Já não há necessidades de sacrifícios: há hospitais e clínicas..."

Agora entra-se na Faculdade para ganhar dinheiro. Não há, na maioria, vocação. O que se pretende é curso com saída e bem remunerado.

Ainda há, felizmente, quem não pense assim.

E então: "Fica – como disse Frei Luís de Sousa – mau letrado o que fora bom sapateiro e não é bom soldado o que fora bom religioso.", in "Vida do Arcebispo".

Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, outubro de 2023

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