Aparecido Raimundo de Souza
O
PASSAGEIRO CHEGA PARA PAGAR A TARIFA ao trocador estendendo as mãos cheias de
moedinhas.
-
Posso ficar lhe devendo cinco centavos? - pergunta com sua costumada gentileza.
-
Não! - A passagem é um real e cinquenta e cinco centavos -, assevera o
cobrador, com ares pouco cavalheirescos. - Se não tem a grana completa,
desce...
-
Eu sei moço. Quebra essa... ou terá que trocar cinquenta reais.
-
Prefiro. Se deixar o senhor ir em frente – junta o exemplo à explicação -,
terei que tirar do meu bolso na hora de prestar contas. A empresa não perdoa.
-
Cinco centavos...?
-
De cinco em cinco...
Diante
da intransigência do cobrador o passageiro mete as moedas de volta numa
niqueleira. Em seguida puxa do bolso a nota de cinquenta reais.
-
Se é assim, fazer o quê?
-
Espere um pouco...
-
Vou saltar logo.
-
Onde?
-
Vila Alegria.
-
Tá longe. Daqui até lá, bem uns vinte pontos. Espere aqui do lado para não
atravancar os demais.
O
passageiro senta naquele banco destinado às grávidas e aos idosos e fica à
espreita. Em cada parada, ao longo do caminho, sobe uma nova leva de gente.
Algumas exibem notas grandes, iguais à dele, outras trazem cartões magnéticos e
passes pré-pagos.
Vinte
minutos depois volta a cutucar o funcionário.
-
Conseguiu?
-
Calma, cavalheiro.
-
Meu ponto está chegando...
À
medida que o pessoal cruza a catraca, o trocador junta o dinheiro para devolver
o troco.
-
Aqui...
Antes
de seguir adiante o passageiro resolve conferir as notas e as moedas recebidas.
Percebe uma pequena falta. Protesta:
-
Amigo, dei cinquenta reais...
-
E eu lhe devolvi o troco.
-
A passagem não é um real e cinquenta e cinco?
-
É o que diz a plaqueta logo aqui atrás de mim.
-
Desculpe. A grana está errada.
-
Como assim?
-
O amigo terá que me devolver quarenta e oito reais e quarenta e cinco centavos.
-
E quanto lhe passei?
-
Quarenta e oito reais e quarenta centavos. Faltam cinco centavos.
-
Estou sem moedinhas nesse valor.
-
Perdão. Exijo o troco correto.
-
Parceiro, entenda, não tenho cinco centavos. Será que essa enorme quantia vai
lhe fazer falta? Pelo amor de Deus!...
-
Veja bem, não é pela quantia. É pela sua postura. Pela sua sacanagem.
O
cobrador começa a dar sinais de visível irritação. Desforra:
-
Passa logo e não chateia. Pense nos demais que estão à sua retaguarda e também
querem pagar a passagem para chegarem a seus locais de destino...
-
Não, não vou lhe dar esse gostinho. Quero o troco a que tenho direito: quarenta
e oito reais e quarenta e cinco centavos.
-
Faz questão de cinco centavos?
-
Estou pagando na mesma moeda.
Meia
dúzia de rostos furiosos pede, com urgência, a desobstrução para o interior do
coletivo.
-
“E aí, meu chapa. É pra hoje?”.
-
“Dá pra ser, cidadão?”.
-
“Será que terei de pular?”
Diante
desses protestos o trocador se empolga e bota banca. Berra:
-
O cara tá fazendo esse carnaval por causa de cinco centavos. É mole?
Um
terceiro entra em favor do cobrador. Muge:
-
Vai ver está precisando para inteirar a “malmita...”.
O
passageiro na exigência dos cinco centavos continua impassível. Esbraveja:
-
Faço questão dos cinco centavos. É merreca? Sim! Mas é meu.
Um
senhor de boné azul marinho com uma pombinha branca da paz desenhada nele
estende uma moedinha de dez centavos.
-
Moço, toma aqui. Vai com Deus.
-
Agradeço a sua boa vontade em querer ajudar. Todavia, não posso aceitar. Ele
aqui é que tem de se virar e me dar o troco correto.
-
Estou lhe dando cinco centavos a mais... sem ter nada com o peixe...
-
Valeu a sua intenção. Penhoradamente agradeço a sua gentileza.
-
Estou propenso a supor que o encrenqueiro aqui é o prezado.
-
Peço mil desculpas por todo o transtorno que estou causando, mas o senhor pegou
o bonde andando. Quando entrei, tentei pagar a passagem com moedas. Tinha
exatamente um real e cinquenta. Faltavam cinco centavos. Falei com o distinto e
pedi que me deixasse passar sem eles. Houve a recusa. Alegou que teria que
desembolsar de seus fundos na hora de prestar contas à empresa. Então mandei a
nota de cinquenta. Agora está me devolvendo o troco errado. Ora bolas: se não
posso ingressar sem os cinco centavos –, o senhor como um homem decente e honesto
-, deverá concordar comigo que ele também não tem o direito de ficar me devendo
os cinco centavos, ainda mais se levar em conta que apresentei nota maior. O
certo, o justo, nesse caso, é cobrar um real e cinquenta...
Um
silêncio sepulcral toma conta dos presentes.
-
“Ele tem razão” - Argumenta uma colegial com uma mochila nas costas.
-
“Devolve o troco direito” - Protesta um grandalhão.
-
“Esses caras de jumento todos os dias embolsam nossas moedinhas”- conclui um
terceiro.
-
“Safado. Ladrão” berra eufórica, a galera.
-
“No fim do expediente ele junta uma quantia considerável. Se multiplicado por
trinta dias...”.
O
quadro de repente toma proporções inesperadas.
-
“Perverso esse um. Devolve a grana do moço...”.
“- Ou deixa o cidadão passar faltando os
benditos cinco centavos”.
-
“É isso mesmo...”.
Sem
saída, detido pela impotência daquele festival confuso de vozes à beira de um
ataque de nervos, o motorista, coitado, não sabe o que fazer, ou que atitude
tomar. Está impedido de partir e fechar a porta dianteira. Uma enxurrada de
cabeças, braços e pernas se acotovela tanto do lado de dentro, quanto de fora,
querendo subir a bordo.
-
“Devolve a grana, pilantra”.
-
“Tudo isso por causa de cinco centavos?”.
Por
fim, o consenso prevalece:
-
Me passa os quarenta e oito reais e quarenta.
-
Faltam cinco centavos...
-
Amado, mais tem Deus para me dar, que o diabo para tirar.
Satisfeito,
o passageiro roda o molinete, entrega as moedinhas da boceteira e revê a nota
que causou toda a balbúrdia. Salta logo depois. O trocador, enfurecido, meio
que lesado, perdido de si, rebolado no monturo da vergonha segue o resto da
viagem reclamando. Desprecisão tanta, miséria maior, faz cara de choro. Finge
desengonçado, num gesto mal ensaiado. Retruca:
-
Vão descontar do meu bolso. Esta empresa é uma merda! Uma merda! Que droga...!
Envolvidos,
entretanto, pela avidez da chegada, cada um segue emborcado nos próprios
problemas. No minuto seguinte, ninguém mais se lembra do cobrador e seus
queixumes.
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E PENSAR, SE O FACEBOOK, CÃO QUE FUMA OU OUTRO SITE QUE REPUBLICA MEUS
TEXTOS, POR QUALQUER MOTIVO QUE SEJA VIEREM A SER RETIRADOS DO AR, OU OS MEUS
ESCRITOS APAGADOS E CENSURADOS PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO SERÁ
PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM MEU PRÓXIMO LIVRO
“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título
e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista, de Vila Velha, Espírito Santo, 22-2-2017
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