Dilma Rousseff não dá um passo
sem ouvir o seu marqueteiro. João Santana é, de fato, seu primeiro-ministro.
Competente na arte de embalar produtos, Santana vende bem a imagem de sua
cliente. Compromisso social, capacidade de gestão e firmeza são, entre outros,
os supostos atributos da presidente da República.
Os fatos, no entanto, acabam
prevalecendo. É só uma questão de tempo. E os fatos estão gritando na força dos
números econômicos, na qualidade objetiva da governança e na adequação entre
discurso e vida.
Dilma Rousseff faz questão de
frisar seu compromisso de combate à pobreza e sua visão de mundo oposta ao
ideário dos representantes das elites que sempre "dominaram este
país". O que revela uma vida, contudo, não é o discurso, mas a prática
concreta. Espera-se da presidente austeridade de vida e distância das benesses
do poder. Não é o que se deduz da sua recente escala sigilosa em Lisboa.
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Hotel Ritz |
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Foto: Nuno Fox |
Oficialmente, a explicação
para a parada em Portugal é a de que o avião presidencial não teria autonomia
para viajar entre Zurique e Havana. Mas o Planalto não explica nem por que a
visita foi mantida em sigilo, nem por que o abastecimento do jato não poderia
ter sido feito com a comitiva dentro do avião, o que levaria cerca de uma hora,
comenta o jornalista Jamil Chade.
O episódio, revelador,
provocou muita irritação. Ótimo. É assim que deve ser. A imprensa existe para
fazer o contraponto, para revelar as incoerências, para exercer um papel
fiscalizador. E não se invoquem razões de segurança ou respeito à privacidade
para justificar o absurdo sigilo. Dilma pode falar o que quiser, mas depois
desse episódio terá dificuldade para criticar os desvios da elite.
Cito, amigo leitor, um texto
belíssimo e de grande atualidade, A imprensa e o dever da verdade, de Rui
Barbosa. Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética
informativa e as relações entre o jornalismo e o poder. Não resisto, caro
leitor, à vontade de aguçar a sua curiosidade.
"A imprensa", dizia
Rui Barbosa, "é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que
lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe
ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um
antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não
é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram
à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou
não agrade, as Constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm
por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não
se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e
toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa,
nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do
funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país."
Um abismo separa os ideais de
Rui Barbosa dos usos e costumes da vida pública brasileira. Informação
jornalística relevante é, frequentemente, considerada um abuso ou um
despropósito. Provoca ira e irritação. A informação não é um enfeite. É o
núcleo da missão da imprensa e a base da democracia. Homens públicos invocam o
direito à privacidade como forma de fugir da investigação da mídia. Entendo que
o direito à privacidade não é intocável. Pode cessar quando a ação praticada
tem transcendência pública. É o caso dos governantes ou candidatos a cargos
públicos. Os aspectos da vida privada que possam afetar o interesse público não
devem ser omitidos em nome do direito à privacidade.
Não pode existir uma separação
esquizofrênica entre vida privada e vida pública. Há atitudes na vida privada
que prenunciam comportamentos na vida pública. O leitor e o eleitor têm o
direito de conhecê-las. Se assim não fosse, tudo o que teríamos para ler na
imprensa seriam amontoados de declarações emitidas pelas fontes interessadas. E
há informações da vida privada e atitudes na vida concreta que revelam
inequívoca mistura entre o público e privado.
O marketing vende uma bela
embalagem. Nós, jornalistas, somos - ou deveríamos ser - o contraponto às
mensagens marqueteiras. Cabe-nos, sem prejulgamentos ou partidarismos, a missão
de rasgar a embalagem e desnudar os governantes.
A agenda da presidente da
República deve ser de conhecimento público. E a imprensa, corretamente, precisa
contornar injustificadas tentativas de sigilo. O segredo não é bom para a
sociedade.
Título e Texto: Carlos Alberto Di Franco - O Estado de S.Paulo, 03-02-2014
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