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Platão |
Autênticas bestas negras para
Platão, os sofistas foram um grupo de filósofos e educadores que dominaram a
cena intelectual de Atenas no final do século V a. C. De fato, a palavra
“sofista” não possuía então a conotação pejorativa com que hoje a empregamos, e
que devemos em boa medida à má imagem que deles transmitiu Platão para a
posteridade. Sofista significava pura e simplesmente “professor” e, por esse
termo, era designada uma série de educadores que ganhavam a vida instruindo os
jovens a troco de uma remuneração.
Dois eram os elementos da
sofística que despertavam o receio, senão mesmo o ódio, entre uma grande parte
da população grega.
O primeiro residia no fato de,
ao contrário dos sábios de outrora, os sofistas não reunirem em torno de si um
grupo de discípulos pelo mero prazer de difundir as suas ideias, antes
faziam-se pagar e viviam disso: eram profissionais do ensino. Isto que hoje
provavelmente não nos parece particularmente grave era visto como um autêntico
escândalo pelos integrantes (entre eles Platão) dos setores mais esnobes e
aristocráticos das pólis gregas. Em suma, e sem que as coisas tenham mudado nem
um pouco, os que desprezavam o “vil metal” e o interesse crematístico eram
precisamente aqueles que o tinham garantido e não tinham necessidade de
ganhá-lo.
Em segundo lugar, e também
substancialmente diferente dos modelos de sabedoria do passado, a educação
ministrada pelos sofistas não tinha o objetivo teórico de alcançar e descobrir
a verdade. Pelo contrário, a sua finalidade era eminentemente prática: adquirir
as técnicas necessárias para impor o próprio argumento. Com efeito, na
democracia ateniense, regida por um sistema de participação direta dos cidadãos
nos assuntos da pólis e com abundantes litígios e julgamentos, a capacidade
para dominar com habilidade a arte da palavra era um requisito imprescindível
para o sucesso na política.
No calor desta circunstância
nasceram e multiplicaram-se os sofistas, como mestres na arte da retórica e da
oratória cuja principal preocupação foi, por conseguinte, desenvolver e
transmitir as técnicas necessárias para defender e convencer a audiência de um
raciocínio, independentemente de este ser verdadeiro ou não, moral ou imoral.
A ênfase no aspecto prático da
discussão conduziu-os com frequência a posições relativistas ou céticas: não
existia uma verdade com letra maiúscula, tudo dependia dos pontos de vista, dos
usos e costumes, da força dos argumentos.
Para Protágoras “o homem é a
medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto
não são”, e para Górgias nada existia, se existisse seria incognoscível, e se
existisse e fosse cognoscível seria incomunicável.
É compreensível que
semelhantes pensamentos, nas mãos de alguns dos seus membros menos dignos, os
tornassem merecedores da péssima fama que adquiriram entre muitos gregos. Um
divertido fragmento do Eutidemo mostra-nos a faceta mais
cômica e enrevesada dos raciocínios sofísticos. Nele, os dois sofistas
Dionisidoro e Eutidemo recorrem a argúcias da linguagem para desconcertar o
pobre Ctesipo:
“– Diz-me, pois: tens um cão?
– E muito feroz – respondeu
Ctesipo.
– E sem dúvida tem
cachorrinhos?
– Que também são outros que tais.
– Portanto, o cão é pai deles?
– De certeza. Eu próprio o vi cobrir a cadela.
– Ai sim? E o cão não é teu?
– Absolutamente.
– Então, ele é teu, sendo pai, de modo que o cão passa a
ser teu pai e tu irmão dos cachorrinhos?”
Platão, Eutidemo, 298d-e (N.E. Tradução de Adriana Freire Nogueira,
1999. Lisboa: INCM.), in “Platão – A verdade
está noutro lugar”, páginas 24 e 25, Edição Cofina Media S.A., 2017
Digitação: JP
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