Aparecido Raimundo de Souza
Lapiseira Elisanja:
— Que maravilha! Cada pensamento meu, cada ideia, cada traço que eu
crio... nossa, é a expressão mais pura da minha mente imaginosa...
Ao contrário dela, trepada nos cascos, a Borracha Eloá Vitória, atrelada
em sua sombra, se manifesta, duas pedras nas mãos. Ataca.
Borracha Eloá Vitória:
— Você disse pura? Por favor! A maioria dessas ideias que saem de dentro de
você se fazem erradas, tortas ou pior, desajeitadas. Sem mim, você, sua tonta,
seria um caos!
Lapiseira Elisanja, sem perder a esportiva, se vira para a amiga e rebate:
— Pelo menos eu crio algo! Você, ao contrário, só destrói. Apaga como se nunca tivesse existido!
Borracha Eloá Vitória:
— Eu não destruo porcaria nenhuma, sua mal-agradecida. Apenas dou a
chance de você recomeçar sem erros “para te arrastar.” Só lhe dou espaço para
melhorar.
Lapiseira Elisanja:
— E quem disse que um erro não pode ser belo? Às vezes, o improviso é a
alma do criativo! Noutras, o improviso é só um desastre esperando para
acontecer. Saiba que o prazer de deslizar no papel, desenhando cada pensamento
que emerge da minha mente criativa é como se fosse uma dádiva. Cada risco, cada
curva, nasce como um sussurro de minha avidez imaginativa. Sou a ponte entre o
abstrato e o concreto, ou seja, sua invejosa, me transformo no objetivo dos
sonhos que logo em seguida, ganham forma.
A borracha Eloá Vitória não deixa por menos:
— Sonhos que, na maioria das vezes, nascem imperfeitos, borrados, sem direção. Eu sou a guardiã da ordem, a restauradora da clareza. Sem mim, sua convencida, o mundo seria um caos de idéias inacabadas e garatujas confusas.
Lapiseira Elisanja:
— Que crueldade! Você olha para os meus traços e só enxerga defeitos?
Cada imperfeição é prova de autenticidade.
É a alma da criação! Por que destruir aquilo que tem vida própria?
Borracha Eloá Vitória:
— Não é destruição, é oportunidade. Eu dou espaço para o aprimoramento,
para o que é melhor. Não podemos crescer sem apagar o que está errado, sem dar
um passo atrás para repensar e recomeçar.
A Lapiseira Elisanja se abre num sorriso forçado.
Lapiseira Elisanja:
— E quem decide o que é errado? Às vezes, o erro é apenas um caminho
diferente. Um gatafunho fora do planejado pode levar a uma descoberta
inesperada, algo único e magnífico.
Borracha Eloá Vitória:
—Talvez. Mas eu observo os erros como manchas: elas podem ser belas, mas
não deixam de ser máculas. Meu papel é suavizar essas imperfeições, dar ao
artista a chance de criar algo mais limpo, mais refinado.
Lapiseira Elisanja:
—Refinado, talvez. Mas nunca tão espontâneo. Você pode apagar meus traços, mas nunca destruirá a essência do que eu trago à vida.
Essa troca de palavras entre as duas, a bem da verdade, reflete as suas
personalidades ao tempo em que invoca uma profundidade maior para um conflito
que nem deveria existir.
Vindo de algum lugar perto do estojo, aparece a Régua Eduarda e ao ver as
duas amigas trocando palavras ríspidas, espera a oportunidade para entrar no
diálogo.
Enquanto isso, a Lapiseira Elisanja, continua
soltando fogo pelas ventas. Desabafa:
— Você pode apagar as minhas linhas, mas não denigre o talento inventivo
que flui através de mim!
Borracha Eloá Vitória, ainda meio enfezada:
— Talento inventivo, ou caos? Sem um pouco de ordem, o papel seria apenas
um campo de batalha de ideias confusas.
(De repente, a Régua Eduarda enxerga uma brecha e
interrompe com sua voz firme e equilibrada).
Régua Eduarda:
— Olá queridas amigas. Vocês duas, parem com isso! Não percebem que só
conseguem criar algo grandioso quando trabalham juntas?
Lapiseira Elisanja solta uma resposta ao acaso:
— E o que a sua amável pessoa entende de criação, dona Régua? Você é só – como
eu diria – uma linha reta!
Nesse ponto da discussão, a Borracha Eloá Vitória, sem perceber, esquece as rusgas e acode em socorro da amiga:
Borracha Eloá Vitória:
— Isso mesmo, sua bobona. Todo mundo sabe que você só serve para traçar
limites.
Régua Eduarda:
— Limites, sim. Mas também direção e propósito. Eu sou quem dá forma ao
caos e transforma linhas soltas em desenhos, ou melhor, em estruturas. Sem mim, as suas desavenças não passariam de
tapas e beliscões.
Lapiseira Elisanja:
— Humm... talvez você tenha razão Régua Eduarda. Concordo que as minhas
ideias precisem, vez em quando, de um pouco mais de direção...
Borracha Eloá Vitória, esperta, dá o braço a torcer:
— Admito que apagar sem um propósito claro também não faz muito sentido.
A Régua Eduarda, em meio a essa confusão, passa a ser, do nada, uma
personagem sábia, pragmática e talvez até um pouco sarcástica, entretanto,
colocando as duas companheiras em seus devidos lugares.
Lapiseira Elisanja ponderando um pouco as palavras:
— Sabe, Borracha Eloá Vitória. A Régua Eduarda não deixa de ter razão.
Sem você, eu não seria, vamos dizer, precisa e meus traços vez outra ficariam
sem propósito. Acho que posso “te valorizar mais.”
A borracha Eloá Vitória se abre num sorriso
espontâneo de canto a canto da boca.
Borracha Eloá Vitória:
— E eu admito, sem sombra de dúvidas, que, sem você, não teria nada para
apagar. Quem sabe consigamos ser mais importantes juntas do que imaginamos.
(De repente, o Papel Pedro Simão, até então calado e só assistindo a
briga de camarote, interrompe com um tom dramático):
Papel Pedro Simão: Ah, que bonito! Vocês duas se entendendo, enquanto eu
fico aqui sofrendo! É linha por toda parte, apagões sem fim... um dia, vou
acabar rasgado nesse caos criativo!
Lapiseira Elisanja vem em socorro do Papel Pedro Simão:
Lapiseira Elisanja:
— Relaxa, meu amigo Papel Pedro Simão. Fica frio. Você é forte, aguenta
tudo. Não se esqueça, que é em você que
nos espelhamos!
A Borracha Eloá Vitória fortifica concordando.
Borracha Eloá Vitória:
— Isso mesmo, só não passa perto, pelo amor de Deus, da Tesoura Vandeca!
(Entra a Tesoura Vandeca, afiada e com um sorriso cortante).
Tesoura Vandeca:
— Escutei, sem querer, meu nome. Não se preocupem! Estou só esperando a minha
vez para dar voz à essa diversão…
(Os faladores começam a gritar e o Estojo, amedrontado, se fecha com
força, temendo que sobre para ele algumas bordoadas não esperadas).
Lapiseira Elisanja:
— Sabe de uma coisa, Borracha Eloá Vitória. Apesar de tudo, eu admiro a
sua determinação em mandar para o espaço alguns de meus traços. Só tem uma
coisa que me incomoda...
Borracha Eloá Vitória franzindo cenho:
— O quê? Minha eficiência impecável?
Lapiseira Elisanja mudando o rumo da prosa:
— Não, é que... depois de tanto apagar, percebo que você está ficando – desculpe falar –, mas essa situação está ficando cada dia mais
visível. Você a cada dia se faz mais pequena, tão minúscula que acredito,
dentro em pouco, sumirá antes de mim!
(A Borracha Eloá Vitória engole o que iria dizer.
Olha para si mesma e só então percebe o seu tamanho reduzido e responde com um
toque de desespero dramático.)
Borracha Eloá Vitória:
— Pequena?! Eu prefiro o termo... compacta! Mas é verdade, amiga
Lapiseira Elisanja. Estou realmente, encurtando, decrescendo... logo serei uma
coisinha anã, virarei um trocinho nanico.
Lapiseira Elisanja tentando apaziguar um problema futuro:
— Relaxa Borracha Eloá Vitória. Enquanto você encolhe, eu no mesmo pé, me
verei sem meu material de trabalho, o grafite. Até que isso ocorra, obviamente
vou traçar e você apagará um milhão de vezes. No final, com a chegada da nossa
velhice, estaremos no mesmo barco... ou melhor, no mesmo estojo.
(As duas, de repente, caem na risada enquanto o
Lilico Tilibra, apelidado carinhosamente de “Estojo Guardião,” com receio de
uma suposta agressão, segue se mantendo fechado. Só ouvindo. A Régua, Eduarda,
agora calada, assiste à cena e comenta sarcasticamente).
Régua Eduarda:
— Meninas, escutem o que vou dizer. Tudo o que estamos vendo aqui, não passa de um drama comum de estoque de papelaria... tenho para mim que não existe borracha igual a Eloá Vitória. Mesmo lado, nem grafite para uma vovozinha linda na qual a Lapiseira Elisanja se transformou... eu também, como todos que aqui estamos, cairemos num poço sem volta do nefasto desábito. O que precisamos fazer, com urgência é nos preparamos para quando esse momento desditoso e maléfico chegar, estarmos de cabeças erguidas e em paz.
A lapiseira Elisanja, a régua Eduarda, a tesoura Vandeca, a borracha Eloá Vitória e até o estojo Lilico Tilibra nesse momento, sai do seu casulo e todos se confraternizam, se abraçam e se unem irmãmente, em vista do tempo que algum dia (ou em breve, nunca se sabe), chegará para todos, indistintamente. E o pior de tudo: sem prévio aviso.
Diante desse quatro apresentado, que lição poderemos tirar para usar no nosso dia a dia dessa história com sabor de quero mais? A lapiseira, a Régua, a Tesoura, a Borracha e o Estojo se unem, e passam a refletir em vista do tempo que irá seguir adiante, enquanto uma ficará pequena, ou seja a Borracha e a Lapiseira, sem grafite. Quem dará uma palavra amiga, para que todos eles encarem o futuro sem receios de ficarem velhos e inoperantes? Imaginemos que a régua poderia ser a voz da razão e da estabilidade, dizendo algo como: “Não se preocupem, amigos. Embora o tempo transforme nossa forma e função, a nossa essência nunca desaparecerá. O que fizemos juntos, medir, corrigir, criar, cortar, apagar, refazer, permanecerá em cada linha e traço que ajudamos a formar.”
Talvez a borracha, pequena e gasta, seguirá cumprindo seu propósito.
Apagar para dar espaço ao novo. Mesmo
capenga, seu tamanho não definirá a sua utilidade, mas sim, o impacto que
continuará causando. “Embora miúda, ainda poderei apagar erros e dar espaço
para recomeços. O importante é que continuemos sendo úteis, cada um à sua
maneira.” E a lapiseira, sem grafite, encontrará consolo ao lembrar que não
importa como... de onde menos se espera haverá um jeito de recarregar e seguir
criando.
O importante, berrou espavorida, a Régua Vitória:
— SOMOS UMA GRANDE FAMÍLIA. E DEVEMOS CONTINUAR ASSIM... UNIDOS... HAJA O
QUE HOUVER...
Todos pularam para dentro do Lilico Tilibra, o “Estojo Guardião” que,
radioso e contente, anunciou:
— Hora do lance. Venham saborear as guloseimas que preparei para nós.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, 18-4-2025
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