Alexandre Herculano, Editora Ulisseia, 1991, 206 páginas. Publicado em 1844.
Eurico, o Presbítero,
considerado pelo próprio autor uma «crónica-poema, lenda ou o que quer que
seja», narra a história do amor impossível de Hermengarda e Eurico.
Na Espanha visigótica do
século VIII, Eurico, que outrora reprimira rebeliões na Cantábria, entrega-se
ao sacerdócio por não poder desposar Hermengarda, a irmã de Pelágio, fundador
do reino das Astúrias.
Contudo, quando vê a sua
pátria e a sua religião ameaçadas, Eurico volta a vestir a pele de guerreiro e
converte-se no valoroso e enigmático Cavaleiro Negro, combatendo heroicamente
os mouros e conquistando a admiração dos Visigodos.
Constituindo uma obra única do Romantismo português, Eurico, o Presbítero aborda ainda o problema ético-religioso do celibato.
Sim, é de leitura cansativa, exigindo disciplina e concentração. Certas passagens são um regadio de palavras belas e instigantes, como esta, às páginas 61 e 62, do capítulo VII:
Eram as horas das trevas profundas. Sem saber como, achava-me no viso mais alto do Calpe: traspassava-me a medula dos ossos o vento frio da noite, e parecia-me que os membros hirtos se me tinham pregado no topo da penedia.
Olhava fito perante mim, e os meus olhos rompiam a escuridão do horizonte, como se a luz do Sol o iluminasse.
O espetáculo maravilhoso que se passava nesse espaço insondável fazia-me erriçar os cabelos, que o norte me açoutava com o sopro gelado.
Eis o que eu vi nessa hora de agonia, depois de estar ali alguns não sei se instantes ou séculos.
O mar cessou de agitar-se e rugir, semelhante ao metal fervente destinado para a feitura de estátua colossal que resfriasse de súbito em vasta caldeira.
Era horribilíssimo ver convertido em cadáver, de todo imóvel e mudo, o oceano; aquele oceano que há mais de quarenta séculos nem um só dia deixou de revolver-se e bramir em torno dos continentes, como o tigre ao redor da rês que jaz morta.
O sibilar das rajadas também cessou completamente. Parado sobre a face da terra, o ar era semelhante ao lençol do finado a quem recalcaram a gleba que o cobre, frio, húmido, pesado, sem ranger, sem movimento, cosido sobre o peito, onde acabou o bater do coração e o arfar compassado dos pulmões.
Então, muito ao longe, uma vermelhidão tenuíssima foi avultando pouco a pouco, derramando-se pelo horizonte e repintando a abóbada imensa dos céus.
Depois, esse clarão sinistro reverberou na terra: as cimas agudas, dentadas, tortuosas, alvacentas das fragas marinhas tinham-se abatido e livelado, como os cerros informes de neve amontoada, que, derretidos nos primeiros dias de Estio, vão, despenhando-se, formar um lago chão e morto na caldeira mais funda de vale fechado.
Tudo aos meus pés era um plano uniforme, ermo, afogueado, como a atmosfera que pesava em cima dele: e, além, jazia o cadáver do mar.
Eu, o Silêncio e a Solidão
éramos quem estava aí.
👏👏👏
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