terça-feira, 6 de maio de 2025

[Livros & Leituras] Eurico, o Presbítero

Alexandre Herculano, Editora Ulisseia, 1991, 206 páginas. Publicado em 1844.

Eurico, o Presbítero, considerado pelo próprio autor uma «crónica-poema, lenda ou o que quer que seja», narra a história do amor impossível de Hermengarda e Eurico.

Na Espanha visigótica do século VIII, Eurico, que outrora reprimira rebeliões na Cantábria, entrega-se ao sacerdócio por não poder desposar Hermengarda, a irmã de Pelágio, fundador do reino das Astúrias.

Contudo, quando vê a sua pátria e a sua religião ameaçadas, Eurico volta a vestir a pele de guerreiro e converte-se no valoroso e enigmático Cavaleiro Negro, combatendo heroicamente os mouros e conquistando a admiração dos Visigodos.

Constituindo uma obra única do Romantismo português, Eurico, o Presbítero aborda ainda o problema ético-religioso do celibato. 

Sim, é de leitura cansativa, exigindo disciplina e concentração. Certas passagens são um regadio de palavras belas e instigantes, como esta, às páginas 61 e 62, do capítulo VII: 

Eram as horas das trevas profundas. Sem saber como, achava-me no viso mais alto do Calpe: traspassava-me a medula dos ossos o vento frio da noite, e parecia-me que os membros hirtos se me tinham pregado no topo da penedia. 

Olhava fito perante mim, e os meus olhos rompiam a escuridão do horizonte, como se a luz do Sol o iluminasse. 

O espetáculo maravilhoso que se passava nesse espaço insondável fazia-me erriçar os cabelos, que o norte me açoutava com o sopro gelado. 

Eis o que eu vi nessa hora de agonia, depois de estar ali alguns não sei se instantes ou séculos. 

O mar cessou de agitar-se e rugir, semelhante ao metal fervente destinado para a feitura de estátua colossal que resfriasse de súbito em vasta caldeira. 

Era horribilíssimo ver convertido em cadáver, de todo imóvel e mudo, o oceano; aquele oceano que há mais de quarenta séculos nem um só dia deixou de revolver-se e bramir em torno dos continentes, como o tigre ao redor da rês que jaz morta. 

O sibilar das rajadas também cessou completamente. Parado sobre a face da terra, o ar era semelhante ao lençol do finado a quem recalcaram a gleba que o cobre, frio, húmido, pesado, sem ranger, sem movimento, cosido sobre o peito, onde acabou o bater do coração e o arfar compassado dos pulmões. 

Então, muito ao longe, uma vermelhidão tenuíssima foi avultando pouco a pouco, derramando-se pelo horizonte e repintando a abóbada imensa dos céus. 

Depois, esse clarão sinistro reverberou na terra: as cimas agudas, dentadas, tortuosas, alvacentas das fragas marinhas tinham-se abatido e livelado, como os cerros informes de neve amontoada, que, derretidos nos primeiros dias de Estio, vão, despenhando-se, formar um lago chão e morto na caldeira mais funda de vale fechado. 

Tudo aos meus pés era um plano uniforme, ermo, afogueado, como a atmosfera que pesava em cima dele: e, além, jazia o cadáver do mar. 

Eu, o Silêncio e a Solidão éramos quem estava aí.

👏👏👏

Anteriores: 
A Igreja e a Política no Brasil 
FRONTIÈRES: Enquête sur la Galaxie anti-France 
Front Populaire 
Lidas e a ler 
The New American 
O Prazer da Leitura 
Descartes – Discurso do Método 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-