Humberto Pinho da Silva
Eu tinha uma amiga chamada
Teresa, que pertencia a família tradicional da Capital. Disse tinha, porque já
faleceu.
Frequentara desde menininha conhecido colégio de Lisboa. Era alegre e folgazona. Nas horas de ócio gostava de versejar. Eram singelos e inocentes poemas de amor, ou de coração, como queiram, que guardava religiosamente na gavetinha da secretária.
Por mero acaso
descobriram-lhe o "segredo” tão bem recatado e levaram-no ao conhecimento
do pai – figura conhecidíssima no país.
Encantado com o talento da
filha, lembrou-se de lhe fazer a surpresa de os reunir em livro. Consultou
amigos e obteve o parecer de Miguel Trigueiros, e todos lhe disseram, talvez
por cortesia: "Atendendo à idade, a adolescente promete."
Animado por essas
"amáveis" palavras, o babado pai meteu mãos à obra.
Contou à filha o que
pretendia. A jovem pulou de alegria, fantasiando vê-los em letra de forma.
Ajustou o preço com
tipografia amiga. Por amizade, conseguiu também, que intelectuais – escritores
e jornalistas ilustres – escrevessem palavras lisonjeiras nas abas da obra, e
teve a oportunidade da menina ser apresentada na TV.
Antes de entrar no estúdio, a adolescente tremia de receio e vergonha. O entrevistador, condoído, sossegou-a: "Quem vai guiar a entrevista sou eu. Só tem de responder às perguntas. Não se acanhe, eu ajudo."
O livro foi publicado e
tornou-se êxito de venda.
Deslizaram os anos. O pai
faleceu. A menina casou com um industrial, e foi viver para a província.
Entretanto, escrevia poemas... já não eram de amor...
Pensou coligi-los. Estava
intelectualmente mais madura, e acicatada por amigas publicou o livro, buscando
distribuidora.
A obra não teve a venda
desejada. O que lhe faltou? Respondeu-me por e-mail: "Faltou-me o
pai, principalmente a influência que tinha.”
Quantos autores de contos
e romances, de prosa sublime, vêm os textos preteridos pelos editores, ou
dispersos em jornais locais, esperando possível publicação? Que nunca chega.
Quantas obras-primas de
literatura, dignas, dormem pelas gavetas ou são meros monos no escaparate do
livreiro, esperando que alguém os vá acordar, como a bela adormecida, porque
não encontram mecenas que os lance?
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, julho de 2025
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