terça-feira, 8 de julho de 2025

[Jornalismo] "Por disparos israelitas"

Henrique Pereira dos Santos

Maria João Guimarães é uma senhora que quase todos os dias escreve as suas opiniões sobre os conflitos do médio-oriente, embrulhando-as num simulacro de jornalismo.

"A GHF é duramente criticada tanto pelo tipo de ajuda que fornece - uma boa parte precisa de ser cozinhada e muitas pessoas não têm combustível para o fazer - e sobretudo por estabelecer muito poucos pontos, onde têm sido mortas, por disparos israelitas, centenas de pessoas: o último número, do Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU, é de 613 mortos ...".

Esta pequena pérola merece alguma atenção.

Primeiro ponto (porque Maria João Guimarães o vem repetindo, ipsis verbis, há vários dias) é o que diz respeito ao título do post "por disparos israelitas".

Como é que a jornalista sabe qual é a origem dos disparos que resultam nos mortos referidos? (Já lá iremos ao resto da discussão).

Não sabe, não sabe ela, nem sabe ninguém.

Usemos então uma fonte que manifestamente não é pró-israelita, a Aljazeera.

"Mahmoud Basal, a civil defence spokesperson in Gaza, said they “recorded evidence of civilians being deliberately killed by the Israeli military”".

O que é a defesa civil de Gaza de que este senhor será porta-voz?

É um dos muitos ramos dos serviços de segurança palestinianos, diretamente dependente do ministério do Interior que, no caso de Gaza, quer dizer, do Hamas.

Ou seja, a fonte das afirmações taxativas de Maria João Guimarães é de uma das partes em conflito.

Como faria um aluno básico de jornalismo, sabendo que uma das fontes de uma informação é uma das partes em conflito (logo, sem a menor credibilidade), convém perguntar: quem e com que benefício se espalha essa informação?

A questão de fundo prende-se com um assunto sério, o controlo da ajuda humanitária resulta em potencial controlo dos beneficiários (se não te portas bem, não levas farinha) e em captação de recursos para quem a distribui, sobretudo se a desviar para um mercado paralelo (apenas em Gaza, sobre cujos habitantes a ONU despeja milhões pelos simples facto de alguém ter um estatuto de refugiado de um sítio onde nunca esteve, mas sim o seu bisavô, é que os mercados continuam a funcionar, sem que se perceba que economia existe ali).

Israel acusa a ONU de não controlar convenientemente a ajuda humanitária (o que a ONU reconhece ao referir os frequentes assaltos), permitindo que ela seja controlada pelo HAMAS (coisa que a ONU nega) e, consequentemente, inventou um sistema de fazer chegar ajuda humanitária que pretende evitar que essa ajuda seja controlada pelo HAMAS.

A quem interessa descredibilizar este esquema, a Israel, ou ao Hamas?

Ao Hamas, evidentemente ("The expected Israeli mechanism for distributing aid in Gaza is completely unacceptable, and we call on our people not to cooperate with it, as the occupation will use the aid distribution as a security and intelligence operation under the cover of the Israeli-funded ‘Gaza foundation", dizia o Ministro do Interior do Hamas, o tal que tutela a defesa civil citada por Maria João Guimarães).

Logo, os problemas causados às pessoas que se dirigem aos pontos de ajuda (e que o Hamas entende que devem ser boicotados pelas pessoas comuns) são mais provavelmente causados pelo Hamas ou por Israel?

Assim sendo, sendo mais do interesse do Hamas que haja problemas, e não se sabendo de forma independente do que resultam a maioria dos incidentes, como pode a jornalista dizer, taxativamente, que os disparos são israelitas?

Pode, da mesma maneira que que atribui ao Alto Comissário da ONU umas declarações de são de um seu porta-voz, que aliás não diz que os 613 mortos são o que a jornalista diz que são, como se pode ver na ligação que fiz para a Aljazeera. 

Resumindo, a lata com que jornalistas se servem do seu estatuto para torturarem a informação a que têm acesso até que ela diga o que querem, é incomensurável.

E depois queixam-se da crise do jornalismo, quando a crise, que existe, parece ser em primeiro lugar uma crise de confiança no jornalismo, que está completamente enxameado de gente que quer mudar o mundo, sem as complicações e riscos de fazer o que é necessário, tomar o poder, preferindo o conforto do jornalismo sonso ao desconforto do confronto político aberto e leal.

Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 7-7-2025

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