Paulo Briguet
Brasília desfilou poder e ódio; a Avenida Paulista, povo e liberdade. Dois Brasis, um abismo entre o poder e o clamor por justiça. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil; Sebastião Moreira/EFE
Eu vi os dois Brasis neste domingo — e existe um abismo entre eles. Há um Brasil que grita por socorro e um Brasil que saliva de ódio. Um Brasil que clama por liberdade e um Brasil que exige censura. Um Brasil que pede misericórdia e um Brasil que nunca perdoa. Um Brasil da compaixão e um Brasil do ressentimento. Um Brasil das multidões e um Brasil dos gatos-pingados. Um Brasil do povo e um Brasil do poder. Um Brasil dos brasileiros e um Brasil de Brasília.
Tempos atrás, um dos Brasis —
aquele que manda — declarou guerra ao outro e o fez de refém. O Brasil da
liberdade foi sequestrado pelo Brasil da ditadura. O Brasil da
lei foi engolido pelo Brasil da vontade. O Brasil que ora foi colocado na
clandestinidade pelo Brasil que pune.
Em um show de constrangimento, o
Brasil de Brasília desfilou neste domingo para
um ralo público de ministros, assessores, funcionários, militantes e militares.
Enquanto isso, o Brasil dos brasileiros lotou as ruas das grandes cidades. Não
poderia haver retrato mais perfeito do abismo que separa a realidade factual da
narrativa oficial. São dois países tão distantes e incomunicáveis que parecem
pertencer a universos diferentes.
E justamente agora, depois dessa cabal demonstração da desigualdade entre os dois Brasis, o país do poder se prepara para dar o golpe fatal no país do povo. Sem provas e sem pudor, vão executar a última parte do massacre. O objetivo é dar a última facada no inimigo — a definitiva.
As ditaduras totalitárias jamais
se contentam em derrotar os opositores. É necessário humilhá-los. As lágrimas da ex-primeira-dama na
Avenida Paulista mostram que o processo de desmantelamento
moral do adversário não deixa impunes nem mesmo as crianças. Como dizia Stálin
em 1930: “Vamos destruir os inimigos do Partido e suas famílias”. E assim foi
feito.
É compreensível que o Brasil de
Brasília se revolte com o clamor por anistia. Durante décadas, vivemos um
teatro político em que apenas eles podiam mencionar determinados termos.
Anistia, liberdade de expressão,
direito à ampla defesa e devido processo legal só eram aceitáveis quando
beneficiavam terroristas, assaltantes, ladrões de dinheiro público,
fraudadores, sequestradores e agentes de ditaduras genocidas.
Não obstante, uma palavra que tem
sido largamente utilizada pelo Brasil de Brasília nos últimos tempos é
soberania. Considerando que, no sentido original do termo, soberania equivale a
“poder supremo”, torna-se difícil encontrar um termo mais adequado à situação
dos dois Brasis.
Os que
hoje defendem a soberania diante de Trump — algo que jamais fizeram diante dos piores tiranos
— na verdade, querem a supremacia dos assassinos da liberdade, da lei e da
justiça. Exigem toda soberania aos carrascos, aos assaltantes, aos censores,
aos psicopatas, aos malignos, para que assim possam agir livremente.
Em 1822, D. Pedro bradou contra a
tirania das cortes de Lisboa. Duzentos e três anos depois, bradamos contra a
tirania da corte de Brasília. Triste país partido, triste país refém.
Título e Texto: Paulo Briguet,
Gazeta do Povo, 8-9-2025, 13h52
Relacionados:
Anistia já: por uma saída legal e pacífica para o Brasil
Anistia já: o recado das ruas
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília...
Algumas fotos das muitas manifestações pelo Brasil afora... 7 de Setembro
Brasil, 7 de Setembro: O medo acabou!
Vaza Toga: The Witch, the Infiltrator, and the Informant
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-