segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Os dois Brasis: crônica de um país refém

Paulo Briguet 

Brasília desfilou poder e ódio; a Avenida Paulista, povo e liberdade. Dois Brasis, um abismo entre o poder e o clamor por justiça.  Foto: Bruno Peres/Agência Brasil; Sebastião Moreira/EFE

Eu vi os dois Brasis neste domingo — e existe um abismo entre eles. Há um Brasil que grita por socorro e um Brasil que saliva de ódio. Um Brasil que clama por liberdade e um Brasil que exige censura. Um Brasil que pede misericórdia e um Brasil que nunca perdoa. Um Brasil da compaixão e um Brasil do ressentimento. Um Brasil das multidões e um Brasil dos gatos-pingados. Um Brasil do povo e um Brasil do poder. Um Brasil dos brasileiros e um Brasil de Brasília.

Tempos atrás, um dos Brasis — aquele que manda — declarou guerra ao outro e o fez de refém. O Brasil da liberdade foi sequestrado pelo Brasil da ditadura. O Brasil da lei foi engolido pelo Brasil da vontade. O Brasil que ora foi colocado na clandestinidade pelo Brasil que pune.

Em um show de constrangimento, o Brasil de Brasília desfilou neste domingo para um ralo público de ministros, assessores, funcionários, militantes e militares. Enquanto isso, o Brasil dos brasileiros lotou as ruas das grandes cidades. Não poderia haver retrato mais perfeito do abismo que separa a realidade factual da narrativa oficial. São dois países tão distantes e incomunicáveis que parecem pertencer a universos diferentes.

E justamente agora, depois dessa cabal demonstração da desigualdade entre os dois Brasis, o país do poder se prepara para dar o golpe fatal no país do povo. Sem provas e sem pudor, vão executar a última parte do massacre. O objetivo é dar a última facada no inimigo — a definitiva.

As ditaduras totalitárias jamais se contentam em derrotar os opositores. É necessário humilhá-los. As lágrimas da ex-primeira-dama na Avenida Paulista mostram que o processo de desmantelamento moral do adversário não deixa impunes nem mesmo as crianças. Como dizia Stálin em 1930: “Vamos destruir os inimigos do Partido e suas famílias”. E assim foi feito.

É compreensível que o Brasil de Brasília se revolte com o clamor por anistia. Durante décadas, vivemos um teatro político em que apenas eles podiam mencionar determinados termos.

Anistia, liberdade de expressão, direito à ampla defesa e devido processo legal só eram aceitáveis quando beneficiavam terroristas, assaltantes, ladrões de dinheiro público, fraudadores, sequestradores e agentes de ditaduras genocidas.

Não obstante, uma palavra que tem sido largamente utilizada pelo Brasil de Brasília nos últimos tempos é soberania. Considerando que, no sentido original do termo, soberania equivale a “poder supremo”, torna-se difícil encontrar um termo mais adequado à situação dos dois Brasis.

Os que hoje defendem a soberania diante de Trump — algo que jamais fizeram diante dos piores tiranos — na verdade, querem a supremacia dos assassinos da liberdade, da lei e da justiça. Exigem toda soberania aos carrascos, aos assaltantes, aos censores, aos psicopatas, aos malignos, para que assim possam agir livremente.

Em 1822, D. Pedro bradou contra a tirania das cortes de Lisboa. Duzentos e três anos depois, bradamos contra a tirania da corte de Brasília. Triste país partido, triste país refém.

Título e Texto: Paulo Briguet, Gazeta do Povo, 8-9-2025, 13h52 


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